• Nenhum resultado encontrado

PARTE II. AS FUNÇÕES POLÍTICAS, JURÍDICAS E RELIGIOSAS DOS DRUIDAS

4. O PAPEL DOS DRUIDAS NOS LUGARES DE CULTO

4.1. A Teoria Pós-colonial

Jane Webster700 afirma que a idéia do imperialismo disseminador de civilização deve ser questionada. A Teoria Pós-Colonial não é apenas um postulado anti-colonialismo. Na verdade, trata-se de uma investigação da política cultural colonial. A teoria faz uma crítica à idéia de como o “conhecimento” sobre o Outro colonial seria produzido.

As principais características da Teoria Pós-colonial são:

Descentrar as categorias ocidentais de conhecimento. Repudiar a concepção de dominação do

“centro”, e articular a história das margens. Articular histórias ativas de povos colonizados. Levar em conta formas sutis de resistências abertas e escamoteadas. Desconstruir o modelo binário no qual o Ocidente categorizou os Outros, e a partir daí definiu a si próprio. Tais oposições incluem: eu e outro, metrópole e colônia, centro e periferia. (...) Isso se dá com a aplicação de técnicas desconstrutivas de estruturas de domínio e marginalidade, no qual as margens são trazidas para o centro. Criticar o imperialismo como representação: que é relação entre poder e conhecimento na produção do Outro colonial. A investigação do poder e representação nas imagens e linguagens é também conhecida como análise de discurso

colonial.701

Dessa forma, vemos que a Teoria Pós-colonial busca, então, repensar antigos conceitos em que o povo colonizador domina culturalmente o povo colonizado. Repudia a idéia de que o povo colonizado aceitaria passivamente a influência do outro povo e adotaria de forma decidida as benesses trazidas pela suposta superioridade tecnológica e cultural do colonizador. Dentre essas benesses, o colonizado optaria por adotar a identidade do conquistador. Para o caso específico da “romanização”, os autores negam a idéia de que quanto maior o contato com Roma, maior o desejo de ser romano.

4.1.1. A aplicação do termo “romanização” antes da conquista romana

Os autores engajados na Teoria Pós-colonial questionam com veemência a idéia de chamar romanização aos contatos que antecedem as efetivas conquistas romanas. Não raro, a cultura material romana, presente nos sítios arqueológicos de períodos anteriores à conquista, torna-se um argumento para rotular os processos culturais de romanização. Esse posicionamento vem sendo questionado. Richard Hingley afirma,

700 WEBSTER, Jane. Roman Imperialism and the “post imperial age”. In: WEBSTER, Jane and COOPER,

Nicholas (org.). Roman Imperialism: Post-Colonial Perspectives. Leicester: School of Archaeological Studies, Leicester Archaeological Monographs nº 3, 1996, p. 4.

O conjunto da cultura romana incluía cidades, casas de campo para os ricos, estradas, taxas, cerâmica fina, moedas, casas de banho, paz e algo mais. A mudança gradual de um estilo de vida nativo para um estilo de vida romano é identificada tanto antes como depois da conquista de 43 e essa mudança é intitulada “Romanização”. Em nossos próprios termos culturais, Roma aparece mais próxima da sociedade moderna do que da sociedade da Idade do Ferro, e isso conduz a associações entre o mundo romano e o moderno. Isto supõe o abandono da identidade nativa e a adoção da imagem romana como uma atitude positiva e deliberada. Roma e sua influência são assumidas como sendo ambas mais avançadas e mais progressivistas; consequentemente, os mais avançados e progressivistas dentre os nativos adotam mais essa influência.702

Hingley critica a idéia de Haverfield quando este afirma, “os não civilizados eram inteligentes e eram racialmente capazes de aceitar a cultura romana, com a sua capacidade de julgar a correção e superioridade dos modelos romanos”.703 Para Hingley, é extremamente simplista a concepção de que a adoção da cultura material romana, como cerâmica ou mesmo as vilas, seja indicativa de um desejo de adoção de algum tipo de identidade social romana. O autor considera os processos de mudança não uniformes nem direcionados.

Não devemos ver na mera adoção de cultura material romana uma aquisição da “identidade romana”; os nativos devem ter utilizado esses elementos para suas próprias aspirações, e as aspirações devem ter variado de indivíduo para indivíduo nas províncias e através da história.704

Em sua análise das relações entre Roma e os germanos que viviam além do Reno e do Danúbio, Willian Hanson705 afirma, a presença de artefatos romanos para além das fronteiras pode significar apenas presentes diplomáticos. Da mesma forma, o comércio pode ser uma ferramenta diplomática de Roma desde o início da República. Roma tentou exercer controle sobre os povos situados além-fronteiras por vários expedientes econômicos, chamados pelo autor de “imperialismo econômico”. Hanson deixa claro, após a anexação do território, inicia- se uma dinâmica diferente de administração e controle.

Nicholas Cooper706 afirma, referindo-se à Britânia, o fato dos bretões adotarem o uso de cerâmica do tipo romano pode dar uma falsa impressão de “profunda romanização”. Para o autor, mesmo para o período romano e anglo-saxão, os arqueólogos se equivocam em rotular a cultura material como “romana” ou “anglo-saxã”, quando deveriam dizer “bretãs”. Tal

702 HINGLEY, Richard. Resistance and domination: social change in Roman Britain. In: Dialogues in Roman

Imperialism. Op. cit. p. 84-85.

703 Ibidem. p. 86. 704 Ibidem. p. 87.

705 HANSON, William. Forces and change in methods of control. In: Dialogues in Roman Imperialism. Op. cit.

p. 71-72.

706 COOPER, Nicholas. Searching for the blanck generation: consumer choice in Roman and post-Roman

procedimento negaria uma continuidade em relação à cultural material local. O autor reconhece um problema para o estudo da Britânia.

(...) os arqueólogos tendem a estudar tais importações (cerâmica romana) como parte de um processo de “Romanização antes da Conquista”, ao invés de estudar a Idade do Ferro tardia. Pelo reconhecimento desse processo em operação (a romanização), estaríamos negando a probabilidade de que novos materiais estariam sedo adotados na cultura material por razões que não devem tomadas como identificação com o Império Romano, mas simplesmente porque os últimos consumidores procederam daquela direção.707

Na Idade do Ferro tardia da Britânia, Cooper708 vê a presença de material romano relacionada com questões relativas à riqueza, status e localizações geográficas, muito mais que um genuíno desejo de imitação do estilo romano.

Autores como Richard Hingley709 questionam a concepção de os povos conquistados simplesmente estarem desejosos de imitar passivamente a cultura romana. Muitas vezes os estudos valorizam a presença de material romano em detrimento da cultura nativa. Nem sempre o conceito de “romano” é uma categoria segura para analisar as mudanças ocorridas. Desta maneira, devem-se descentrar os estudos sobre o Império Romano. Tal posição deve considerar a presença de diferentes formas de utilização das idéias e conceitos nas províncias romanas.710 Também não se deve considerar que a cultura material romana fosse superior àquelas em uso antes da conquista. Deve-se questionar como as culturas se influenciam umas às outras, ao invés da simples aceitação de que mudanças culturais representam um processo natural devido ao contato, com sugere Simon Clarke.711

Os estudos da Teoria Pós-colonial geralmente dirigem-se para os períodos chamados “pós-conquista” e não tanto para os períodos “pré-conquista”. De qualquer forma, o termo conquista direciona obrigatoriamente para as dominações romanas. Tal fato já coloca Roma discursivamente como o pólo em torno do qual se orientam os estudos dos povos ditos “bárbaros”.