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PARTE II. AS FUNÇÕES POLÍTICAS, JURÍDICAS E RELIGIOSAS DOS DRUIDAS

4. O PAPEL DOS DRUIDAS NOS LUGARES DE CULTO

4.2. Os santuários celtas na Gália

4.2.2. O santuário do oppidum de Corent

Segundo Matthieu Poux, o santuário744 do oppidum de Corent (arvernos745) é emblemático no que diz respeito à prática do festim. O autor apresenta um resumo da importância deste santuário para os estudos da religião celta na Gália.

Seu principal denominador comum (do santuário de Corent) reside na presença de milhares de ossos de animais e fragmentos de ânforas de vinho. O estudo preliminar dos fossos latenianos revelou que haviam sido consumidas, não em um contexto doméstico, mas mediante grandes festins, caracterizados por uma seleção dramática dos restos. Uma representação anormal de ovicaprinos e uma seleção de crânios, de mandíbulas e de membros inferiores, testemunham o rejeito simultâneo de dezenas de cabeças de gado, abatidas simultaneamente e consumidas por uma comunidade numerosa (...). Conclusões similares resultam do estudo das ânforas, cujo número eleva-se a muitas centenas de unidades (...). O exame dos cacos mostrou que certos recipientes foram submetidos a uma destruição intencional a golpe de lâmina, como forma de destruição sacrificial característica de rituais libatórios em evidência em outros santuários desse período (...). Esses tipos de repastos coletivos se inscrevem no centro de uma atividade ritual específica do santuário de Corent, sítio emblemático da prática do festim cultual na Gália pré-romana (...).746

741 Ver BRUNAUX, Jean-Louis. Les religions gauloises. Op. cit. p. 80, 85, 113. Para um debate acerca das

controvérsias que existem em torno dos Viereckschanzen. REZNIKOV, Raimonde. Les Celtes et le druidisme.

Op. cit. p. 179-181. A autora discute a hipótese de que esses recintos teriam abrigado festins. Ver MAIER,

Bernhard. Op. cit. p. 280-281. Para uma definição mais sistemática das dimensões e ligações com fontes d´água.

742 GREEN, Miranda. The Gods of the Celts. Op. cit. p. 21-22; 121. É o caso do Viereckschanzen de Holzhausen

(Munique). BRADLEY, Richard. The Passage of Arms. An Archaeological analysis of prehistoric hoard and

votive deposits. Oxford: Oxbow Books, 1998, p. 175-176. O autor debate os indícios de matéria orgânica animal

nas imediações de alguns Viereckschanzen.

743 BRUNAUX, Jean-Louis. Les Gaulois. Op. cit. p. 187.

744 Ver POUX, Matthieu. Religion et société. Le sanctuaire arverne de Corent. In: GOUDINEAU, Christian.

(org.). Religion et société en Gaule. Paris: Errance/Rhône Le Département, 2006, p. 117-134. O autor realiza uma análise das descobertas archeológicas no santuário de Corent e a dinâmica do sítio.

745 Ver DEBERGE, Yann et al. La culture matérialle de la Grande Limagne d´Auvergne du III au I s. av. J.C. In:

MENNESSIER-JOUANNET, Christine e DEBERGE, Yann (org.). L´archéologie de l´Âge du Fer en Auvergne. Lattes: Association Pour le Developpement de l´archeologie en Languedoc-roussillon, 2007, p. 71-98. Para estudos atualizados sobre a cultura material da Auvérnia na segunda Idade do Ferro.

746 POUX, Matthieu et al. L´enclos cultuel de Corent (Puy-de-Dôme): festins et rites collectifs., 2002, p. 60-61.

Este artigo apresenta um relatório das escavações arqueológicas do ano de 2001. Acessado em 28/5/2006. Disponível em http://luern.free/Corent_fr/2002_a_RAC.pdf,.

O oppidum de Corent747 situava-se no Puy-de-Corent (Puy-de-Dôme, Arvérnia), no território dos arvernos, e tinha uma área de 50 hectares.748 A altitude do oppidum situa-se entre 500 e 550 metros. O local foi habitado desde o neolítico, mas a existência do oppidum situa-se a partir de 115 a.C.749 A utilização do recinto cultual prolonga-se pelo período romano até o século III d.C. No período romano o santuário celta foi substituído por um fanum galo-romano. As dimensões do santuário situam-se aproximadamente entre 43 e 45 metros. Esta forma mantém o formato quadrangular típico de muitos santuários celtas. As escavações arqueológicas realizadas a partir dos anos noventa trouxeram à luz os principais elementos arquiteturais do santuário de Corent, no período de La Tène D2.750 Até onde as

escavações já puderam avançar, são estas as informações disponíveis sobre a estrutura arquitetural desse importante santuário celta.

Fosso do períbolo. Um fosso circunda quase todo santuário.751 Na verdade, uma depressão

que não ultrapassava 60 cm de profundidade e variava de 1 a 1,5 m de largura.

Galeria periférica. Uma galeria coberta (períbolo752) circundava quase todo o santuário,

cobrindo o fosso. Este períbolo era coberto por uma espécie de “galpão” contínuo, sustentado por postes de madeira, com diâmetro de 40 cm. Sua largura era de 6 m e cobria uma extensão de quase 200 m. Uma paliçada externa separava o recinto sagrado do mundo exterior.

Pórtico de entrada. A leste, situava-se um pórtico com uma espécie de altar de pedra em

frente. Buracos no solo indicam entrada coberta, projetada à frente do períbolo. Esse pórtico tinha forma retangular e media 12 m de comprimento por 8 m de largura, sendo que a fachada media em torno de 2 m.753 O pórtico estava ornado de crânios humanos, partes de cavalo e crânios de animais domésticos e selvagens.754 O pórtico indica a passagem do mundo profano para o mundo sagrado representado pelo recinto do santuário. Era comum que troféus de guerra fossem expostos nessas construções.755 Dentre esses troféus constavam comumente armas e crânios de animais e talvez humanos, como relatam as fontes clássicas.

747 Situado num local do oppidum denominado Parcelle. Não sabemos o nome celta do oppidum de Corent,

talvez seja o oppidum de Nemossos, que ESTRABÃO. Geografia. IV, 2, 3, teria se referido como a capital dos arvernos e que se situava às margens do Loire.

748 FICHTL, Stephan. La ville celtique. Les oppida. Op. cit. p. 209-210. 749 Ibidem. p. 37.

750 La Tène D2a corresponde de 80-50 a.C. D2b corresponde de 50 a 30 a.C.

751 POUX, Matthieu. Du Nord au Sul.définition et function de l´espace cansagré en Gaule indépendante. Op. cit.

p. 13-14. Acessado em 4/6/2006.

752 Espaço que circundava os santuários gregos.

753 POUX, Matthieu. L´enclos cultuel de Corent. Festins et rites collectives. Op. cit. p. 67.

754 POUX, Matthieu. Du Nord au Sud. Definition et function de l´espace consagré en Gaule indépendante. Op.

cit. p. 14.

755 Ver BRUNAUX, Jean-Louis. Les religions gauloises. Op. cit. p. 99-101. Sobre a importância do pórtico de

Duas construções cobertas. Essas construções, uma a norte e outra a sul, situam-se dentro do

espaço do santuário. Trata-se de dois recintos cobertos com aproximadamente 12m, até 8m. Sua construção era de madeira, argila e palha. Esses recintos dispõem-se lado a lado na entrada, mas não diretamente de frente para ela. Seu interior possui poços nos quais foi encontrada uma grande quantidade de crânios de carneiros e bodes.756

Poços ou cubas rituais e poço ritual. Entre as duas construções citadas anteriormente,

situam-se quatro poços de 1m de lado. Várias ânforas foram dispostas em forma de “coroa” na borda do poço.757 À esquerda das cubas ou poços, situa-se um poço de dimensão maior e localizado em frente à entrada. Este poço mede 1,3m de largura e tem profundidade de 0,80m.758 Estes poços são do tipo “altar oco”, para oferendas ctonianas.759 Um bloco de basalto situa-se entre os poços rituais e o pórtico. Nesse bloco (altar de sacrifícios?) deviam acontecer os sacrifícios dos animais.760

Recinto interno. Este recinto ainda não foi suficiente escavado. Está situado no ângulo sul do

santuário. O santuário do oppidum de Corent apresenta características que o tornam exemplar para o estudo da religião celta e das transformações em andamento na Gália, desde o século II a.C., com o incremento do comércio com Roma e a generalização do uso da moeda.

(Ver anexos, figura 7, p. 298: Maquete representando o santuário do oppidum de Corent)