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Artigo 3(2) da Convenção Modelo OCDE: interpretação por reenvio

CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

2.3. Norma de interpretação na Convenção Modelo OCDE

2.3.2. Artigo 3(2) da Convenção Modelo OCDE: interpretação por reenvio

A CM OCDE contém, em seu Artigo 3(2), a chamada cláusula de reenvio ou general renvoi clause297, também conhecida como lex fori clause298, assim redigida299:

Artigo 3º.

Definições Gerais 1. (...)

2. No que se refere à aplicação300 da Convenção, num dado momento, por um Estado Contratante, qualquer termo ou expressão não definidos de outro modo terão, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica, prevalecendo a interpretação resultante da legislação fiscal

sobre a que decorre de outra legislação desse Estado.301(g.n.)

296ROTHMANN, Gerd W. Interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação, cit.,

p. 159.

297SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: qualificação

de partnership joint ventures, cit., p. 123.

298BAKER, Philip. Double taxation conventions and international tax law, cit., p. E-20.

299OCDE: Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património. Versão condensada. Comité dos

Assuntos fiscais da OCDE. Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, Coimbra, n. 197, p. 32-33, 2005.

300Convém mencionar a ressalva de SILVEIRA - com a qual concordamos - sobre o uso impróprio do

vocábulo aplicação neste dispositivo, uma vez que o Artigo 3(2) trata de regra de interpretação, sendo a

aplicação do acordo etapa posterior à interpretação de seus termos, após a construção das significações do texto (SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: qualificação de partnership joint ventures, cit., p. 122).

301 Tradução livre. No original, em inglês:

Article 3. General Definitions 1. (…)

Conforme se observa de sua redação, esse artigo deve ser aplicado quando um termo inserido no texto do acordo não possuir definição e, assim, reste inviável a interpretação comum do mesmo por parte dos Estados Contratantes, seja pela redação da cláusula aplicável seja pelo contexto da situação sob análise.

Nesse caso, o Artigo 3(2) permite a aplicação de leis internas dos Estados para interpretação do termo não definido no texto e não extraído do contexto do acordo contra a bitributação. Por esta razão, a remissão ao direito interno é a exceção302, razão pela qual sua utilização deve ser sempre subsidiária e ao máximo evitada, visto que a preservação da força normativa e o próprio espírito dos acordos303 seriam ameaçados por meio de recorrentes reenvios à leis internas podendo, inclusive, levar à dupla ou pluritributação da renda304.

Corroborando o entendimento de que a remissão ao direito interno é alcance restrito, SCHOUERI assevera que os dispositivos equivalentes ao Artigo 3(2) da CM OCDE, quando inseridos nos acordos contra a bitributação, somente são aplicáveis se não for possível, a partir do texto do acordo, verificar o significado de uma expressão ou vocábulo nele contido e, adicionalmente, desde que o contexto não imponha interpretação diversa305.

Assim, a regra geral para interpretação306 dos acordos contra a bitributação segue certa hierarquia307: primeiramente, deve-se considerar as definições existentes no texto do próprio acordo; caso o termo a ser interpretado não possua definição (ou possua definição

2. As regards the application of the Convention at any time by a Contracting State, any term not defined therein shall, unless the context otherwise requires, have the meaning that it has at that time under the law of that State for the purposes of the taxes to which the Convention applies, any meaning under the applicable tax laws of that State prevailing over a meaning given to the term under other laws of that State.(RAAD, Kees van. Materials on international & EC tax law: 2009-2010, cit., p. 9.)

302ROCHA, Sérgio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda, cit., p. 146.

303TÔRRES, Heleno Taveira. A interpretação dos tratados internacionais em matéria tributária sobre a renda

e o capital. In: A UNIVERSITARIA. Estudios en memória de Ramón Valdés

Costa. 1. ed. Fundación de Cultura Universitária, 1999. v. 1, p. 353-358.

304VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer. op. cit., p. 77.

305SCHOUERI, Luís Eduardo. Planejamento fiscal através de acordos de bitributação: treaty shopping, cit.,

p. 34-35.

306Para ROCHA, o Artigo 3(2) não pode ser enquadrado como uma regra geral de interpretação pois este

dispositivo apenas estabelece os limites da integração do texto convencional pelo direito interno de cada um dos Estados Contratantes (ROCHA, Sérgio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da

renda, cit., p. 146). Também SCHOUERI salienta que o parágrafo 2 do Artigo 3 se restringe à

determinação do significado de uma expressão, não definida no acordo de bitributação (SCHOUERI, Luís Eduardo. Preços de transferência no direito tributário brasileiro, cit., p. 264). Todavia, os Comentários da OCDE entendem ser, o Artigo 3(2), uma regra geral de interpretação ao dizer que o presente Artigo reúne

algumas disposições gerais necessárias à interpretação das expressões utilizadas na Convenção

(Comentários da OCDE ao Artigo 3, item 1 (OCDE: Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património. Versão condensada, cit., p. 101).

307SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: qualificação

incompleta ou parcial308) na convenção, deve-se verificar se é possível a construção do significado a partir do contexto em que se insere o acordo; se, mesmo assim, não for possível encontrar o sentido do termo utilizado no acordo, deve-se proceder ao reenvio à legislação doméstica dos Estados Contratantes309.

A aplicação da lei interna, para VOGEL, deve ser feita em conformidade com os Artigos 31 (Regra Geral de Interpretação) e 32 (Meios Suplementares de Interpretação) da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados310 – abordados no item 2.2.2 deste Capítulo – ressaltando que, não obstante, o Artigo 3(2) dos acordos contra a bitributação é verdadeira norma especial de interpretação em relação às regras gerais do Direito Internacional Público311.

A utilização de lei doméstica tem, portanto, caráter subsidiário frente às definições existentes no acordo312, i.e., em seu texto e contexto. Por esse motivo, torna-se imprescindível a definição de contexto uma vez que, somente após inexistência de significado de uma expressão no contexto dos acordos contra a bitributação (i.e., falha da segunda etapa interpretativa), é que é permitido o recurso à lei interna.

308Entendemos que a aplicação do Artigo 3(2) se dá não somente nos casos de ausência de definição de um

termo no texto do acordo, mas, da mesma forma, quando essa definição seja feita de forma parcial e incompleta. No mesmo sentido: JONES, John F. Avery et al. The interpretation of tax treaties with

particular reference to article 3(2) of he OECD model, cit., p. 21).

309ROCHA, Sérgio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda, cit., p. 146-147. No

mesmo sentido, TÔRRES resume da seguinte formas as etapas interpretativas dos termos utilizados em acordos contra a bitributação: do texto convencional vai-se ao seu contexto e deste ao direito interno dos

Estados contratantes, sempre que possível, para alcançar a composição da norma individual e concreta aplicável (TÔRRES, Heleno Taveira. Pluritributação internacional sobre as rendas de empresas. 2. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001. p. 640). Vide também: JONES, John F. Avery. Problems of categorizing tncome for tax treaty purposes. In: KIRCHHOF, Paul; LEHNER, Moris; Raad, KEES van et al. (Coord.). International and comparative taxation: essays in honour of Klaus Vogel. The Hague: Kluwer Law International, 2002. p. 10-13.

310VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US

model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice, cit., p. 43. Concordando com essa posição, GIULIANI, Federico Maria. La interpretazione delle Convenzioni Internazionali contro le doppie imposizioni sui redditi. In: UCKMAR, Victor (Coord.). Corso di diritto tributário internazionale. 2. ed. Padova: CEDAM, 2002. p. 133.

311VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer. op. cit., p. 77. 312XAVIER, Alberto. op. cit., p. 186.

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