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CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

3.4. Terminologia e traduções para outros idiomas

Um fator que contribui para a dificuldade na definição consensual do significado desse termo, além da questão envolvendo a diferente tradição do sistema jurídico de cada país (common law e civil law), é a tradução da expressão beneficiário efetivo para os diversos idiomas, que pode levar a algumas diferenças de significado em razão dos termos utilizados em cada língua.

A dificuldade em se encontrar um significado comum a um termo de direito interno para fins de sua aplicação no direito tributário internacional foi, inclusive, discutida por especialistas em 1989 no que se referia ao termo trust e seu uso na CM OCDE. À época, a conclusão foi a de que, para a definição de trust seria pouco provável a aceitação universal de seu significado (there seems little chance of there being a universally accepted meaning of that term498).

Raciocínio similar pode ser aplicado ao caso envolvendo o termo beneficiário efetivo, pois, assim como trust, também é um termo originado de país de tradição de common law (Inglaterra) e não de vocábulos internacionalmente conhecidos ou utilizados, mas sim, restritos a determinados países que adotam esse tipo de sistema jurídico. Isto é, tanto trust como beneficial owner não foram termos criados especificamente para fins de acordos contra a bitributação, tal como, por exemplo, parece ter sido termo estabelecimento permanente descrito no Artigo 5 da CM OCDE.

Ao contrário, foram termos que, já existentes em ordenamentos jurídicos específicos, foram reproduzidos no texto da CM OCDE visando dar caráter universalmente aceito a seus respectivos significados o que, para o termo beneficiário efetivo – como visto até agora neste estudo –, não surtiu o efeito desejado, em razão da ausência de uniformidade denotativa do termo entre os demais países gerando apenas confusão.

Conforme já expusemos, o termo foi criado no idioma inglês, portanto, beneficial owner é a expressão original. Abaixo listamos o termo utilizado para descrever beneficial owner e seus significados nos principais idiomas, para demonstrar a disparidade de significados decorrente das várias traduções499:

498JONES, John F. Avery. op. cit., p. 379. 499Cf. TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 165.

País Nomenclatura de Beneficial Owner no idioma local Tradução em inglês do termo no idioma estrangeiro Alemanha Nutzungsberechtigter Entitled to use Áustria Nutzungsberechtigter Entitled to use Suíça Nutzungsberechtigter Entitled to use Holanda Uiteindelijk gerechtigde Ultimately entitled Bélgica Uiteindelijk gerechtigde Ultimately entitled África do Sul Vir eie voordeel besit Possess for own benefit França Bénéficiaire effectif Real beneficiary Itália L’effettivo beneficiario Real beneficiary Espanha Beneficiario efectivo Real beneficiary Brasil Beneficiário efetivo Real beneficiary Argentina Beneficiario efectivo Real beneficiary Romênia Bénéficiaire effectif Real beneficiary Hungria Haszonhúzója Benefit-drawing party Suécia Har ratt till Has the right to rightfully

or legally entitled

Noruega Rettmessig tilkommer Has the right to rightfully or legally entitled

Dinamarca Retmassige ejer Rightful or lawful owner

Essa diferenciação do significado da expressão nos diversos idiomas, quando traduzida, contribui para a complexidade de uma definição internacional global do termo.

A dificuldade original reside, contudo, na própria criação e utilização do termo nos países de common law, para fins de direito de propriedade interno desses países, sobretudo na Inglaterra, conforme analisamos no Capítulo I. Considerando que o termo beneficial owner não existe na maioria dos países de civil law, e tem significado vago inclusive em alguns países de common law que não possuam o Equity, não existe uniformização sequer do uso dessa expressão no direito interno comparado, quanto menos no direito tributário desses países.

Por exemplo, em algums países como Dinamarca, Polônia, Israel, Índia e Brasil, a expressão não significa ou se refere ao vocábulo owner. A possível explicação para esse

fato é a de que esses países são todos de tradição de civil law e, portanto, não possuem uma noção ou conceito similar para beneficial ownership, além de seus sistemas jurídicos não necessariamente reconhecer a divisão dos ownership rights, isto é, dos atributos do direito de ownership500.

Ademais, isso também ocorreu na tradução do termo na Áustria, Suíça e Alemanha, já que beneficial owner foi trazido como Nutzungsberechtigter e não como wirtschaftlicher Eigentümer (economic owner). Essa alteração na tradução do termo aparentemente foi intencional, uma vez que a Suíça não possuía em sua lei doméstica a noção de economic owner e a Alemanha também não quis utilizar esse termo para evitar confusão na interpretação do termo beneficial owner com as normas internas relacionadas a economic ownership para fins fiscais501.

Originariamente, em razão de a OCDE ter tomado o termo beneficiário efetivo emprestado dos países de common law, poderia fazer sentido que seu significado para fins dos acordos contra a bitributação internacional seguisse o decorrente do direito interno de tais países. Contudo, por óbvio essa interpretação é demasiadamente equivocada, uma vez que o significado internacional inclui a utilização dessa expressão não só outros países de common law (que não necessariamente seguem a mesma concepção entre si) como também nos países de civil law (que, na grande maioria, sequer possuem tal noção de divisão de propriedade). Mostrar-se-ia, no mínimo, inconsistente com os sistemas jurídicos desses países a adoção de um conceito sequer sem igual em seus direitos internos, ainda mais para repartir competência tributária, expressão clara da soberania (e de sua respectiva limitação) de um Estado perante seus parceiros, em âmbito internacional.

Apesar das diferentes traduções e nuances de significado nos diversos idiomas, pode-se concluir que o sentido geral do termo gira em torno da noção de real beneficiário ou sujeito ultimamente proprietário502.

Não obstante, deve-se atentar para o fato de que, havendo diferentes traduções que carregam diferentes idéias nos vários idiomas sobre um termo a ser utilizado nos acordos contra a bitributação desses países, torna-se extremamente difícil se chegar a um significado comum no direito interno dependendo da língua dos Estados Contratantes que

500TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 166.

501KOTZ, K.; ZWEIGERT; H. op. cit., p. 340. 502TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 166.

estão interpretando o acordo. Por exemplo, um país de tradição de civil law buscando o significado de beneficial owner junto a um de common law.

Finalmente, um problema adicional que surge em razão do idioma é que a Convenção Modelo da OCDE é publicada oficialmente em dois idiomas: inglês e francês. A tradução de beneficial owner para o francês é Bénéficiaire effectif, que não traz a mesma noção do equity tipicamente de países de common law, já que a França é de tradição de civil law. Nesse caso, não se sabe ao certo qual termo deverá prevalecer, se o francês ou o inglês, pois ambos são idiomas oficiais503.

As diferenças do termo beneficiário efetivo em razão do idioma servem como argumento para sustentar a impossibilidade de aplicar a remissão ao direito interno, uma vez que não existem conceitos ou institutos semelhantes ao beneficial owner na maioria dos países Membros e não-Membros da OCDE. Assim, restaria reforçada a importância da aplicação da linguagem fiscal universal para a interpretação autônoma desse termo.

3.5. Argumentos contrários à aplicação do Artigo 3(2) para definir beneficiário

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