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Definição de beneficiário efetivo na jurisprudência específica

CAPÍTULO I. BENEFICIÁRIO EFETIVO NO DIREITO INTERNO E OS

1.3. Beneficiário efetivo no direito interno

1.3.2. Beneficiário efetivo na Inglaterra

1.3.2.3. Definição de beneficiário efetivo na jurisprudência específica

Um dos primeiros casos de relevância sobre o tema, em que uma análise mais profunda e detida foi feita pelas cortes com relação à definição do significado de beneficiário efetivo no direito inglês é o caso Ayerst (Inspector of Taxes) v. C&K Construction Ltd122. Este caso específico envolvia um trust, assim definido como uma relação fiduciária na qual uma pessoa é a detentora do título da propriedade sujeita a uma obrigação equitativa de manter ou usar a propriedade para o benefício de outrem123. Nesse precedente, restou decido que uma companhia em processo de liquidação e, portanto, impossibilitada do gozo dos frutos da propriedade ou de sua disposição para seu próprio benefício, apesar de reter propriedade legal (legal ownership), é desprovida dos direitos de beneficiário efetivo com relação aos bens.

118TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 109. 119[1970] 2 AII ER 76, Ch D. 120[1971] 2 WLR 681, QB. 121[1977] 3 WLR 798, QB. 122H.L. [1975] S.T.C 345.

O juiz Lord Diplock manifestou seu entendimento no sentido de que o conceito de propriedade legal (legal ownership) não carrega consigo o direito de gozo dos frutos e o direito de disposição do bem em proveito próprio. Na sua explicação, foi consignado que a propriedade legal dos bens de um trust pertence ao trustee, mas ele a tem não para proveito próprio, mas para o benefício de outros (beneficiários). Isto porque a propriedade plena do trust foi dividida em dois elementos, que ficaram a cargo de duas pessoas distintas: legal ownership (propriedade legal) ficou com o trustee, e o que se chamou de beneficial ownership (propriedade efetiva) ficou com o beneficiário (cestui que trust)124.

Não obstante, esse julgado deixou claro que o termo beneficiário efetivo é um jargão específico, utilizado para descrever os direitos de propriedade nos bens de uma pessoa e, no caso em questão, de uma companhia.

Em um célebre caso anterior, de 1968, Wood Preservation Ltd v. Prior (Inspector of Taxes)125, a situação envolvia a venda das ações de uma companhia para outra, sujeita à condição de que, em um mês a partir da aceitação da oferta de venda pelo comprador, um documento seria produzido por uma terceira companhia mantendo certos direitos para a companhia de que as ações foram vendidas. Posteriormente à venda, o comprador obteria a garantia desejada diretamente da terceira companhia e revogaria a condição imposta no contrato. A questão fundamental era se o comprador se tornou o beneficiário efetivo no período entre a venda das ações e a revogação da condição suspensiva. O vendedor, durante esse mesmo período, não podia alienar as ações, não podia reclamar qualquer bônus ou dividendos e, após a revogação da condição suspensiva, estava obrigado a transferir as ações para o comprador.

Ao comentar esse caso, um dos julgadores (Lord Donovan) entendeu que uma definição exaustiva de beneficiário efetivo seria precipitada. Outro (Harman L.J.) definiu o termo como uma propriedade que não é apenas a propriedade legal pelo simples fato de estar assim registrada, mas o direito de ao menos lidar com a propriedade, em certa

124H.L. [1975] S.T.C 345, p. 349. AUSTRALIAN GOVERNMENT. Disponível em:

<http://law.ato.gov.au/atolaw/view.htm?locid='JUD/*1976*1AC167'&PiT=99991231235958>. Acesso em: 04 jan. 2012. No original:

My Lords, the concept of legal ownership of property, which did not carry with it the right of the owner to enjoy the fruits of it or dispose of it for his own benefit, owed its origin to the Court of Chancery. The archetype is the trust. The 'legal ownership' of the trust property is in the trustee, but he holds it not for his own benefit but for the benefit of the cestui que trustent or beneficiaries. On the creation of a trust in the strict sense as it was developed by equity the full ownership in the trust property was split into two constituent elements, which became vested in different persons: the 'legal ownership' in the trustee, and what came to be called the 'beneficial ownership' in the cestui que trust.

medida, como se fosse sua126. Na decisão, foi consignado que o vendedor teria deixado de ser o beneficiário efetivo na data da venda das ações, e não no momento posterior em que a condição suspensiva foi revogada, pois ele já não possuía quaisquer direitos de dispor das ações ou gozar os seus frutos.

Ao analisar este caso, VAN WEEGHEL ressalta que, em sua fase de julgamento inicial, parece que o direito de exigir cumprimento específico é decisivo na determinação de quem é o beneficiário efetivo. Para ele, se o comprador pode exigir o cumprimento específico do contrato, o vendedor estaria em uma posição semelhante a de um trustee das ações em benefício do comprador127.

No ano de 1991, em J. Sainsbury plc v. O’ Connor (Inspector of Taxes)128, a questão envolvia a Sainsbury, empresa que celebrou um contrato de joint venture com uma companhia belga (GB), mediante o qual a primeira deteria 70% e a segunda 30% de uma sociedade de propósito específico criada por meio da joint venture. Contudo, para que fosse possível fazer jus do incentivo fiscal para o grupo econômico (group relief) era necessário que a porcentagem fosse de, ao menos, 75%. Por esse motivo, a Sainsbury deu uma opção de compra (call option) de 5% das ações a seu sócio, ao passo que a própria Sainsbury permaneceu com a opção de venda (put option) perante seu sócio para o mesmo montante das ações, com o prazo de cinco anos para exercício de ambas as opções. O preço de exercício das opções era igual ao valor total integralizado pelas ações adicionado de juros a 1% sobre o valor de base do empréstimo, e reduzido do valor de quaisquer dividendos eventualmente pagos em razão das ações. Caso qualquer das opções (de compra ou de venda) fosse exercida, um aumento ou uma redução no valor das ações seria suportado pelo sócio belga, mas não pela Sainsbury.

O juiz Nourse L.J., ao analisar a questão, expôs que a expressão beneficiário efetivo significa a propriedade para benefício próprio em contraposição à propriedade na qualidade de trustee para um terceiro. Ela existe seja quando não há divisão da propriedade

126[1968], 45 T.C. 112, C.A., p. 132-133. AUSTRALIAN GOVERNMENT. Disponível em:

<http://law.ato.gov.au/atolaw/view.htm?locid='JUD/*1969*1AllER364'&PiT=99991231235958>. Acesso em: 03 jan. 2012. No original: an ownership which is not merely the legal ownership by the mere fact of

being on the register but the right at least to some extent to deal with the property as your own.

127WEEGHEL, Stef van. op. cit., p. 66.

128[1991] S.T.C. 318, C.A., p. 330. AUSTRALIAN GOVERNMENT. Disponível em:

<http://law.ato.gov.au/atolaw/view.htm?docid=TXD/TD200825/NAT/ATO/00001>. Acesso em: 03 jan. 2012. No original: (… )the expression ‘beneficial ownership’(…) means ownership for your own benefit as

opposed to ownership as trustee for another. It exists either where there is no division of legal and beneficial ownership or where legal ownership is vested in one person and the beneficial ownership or, which is the same thing, the equitable interest in the property in another.

legal e a efetiva ou quando a propriedade legal é atribuída a uma pessoa e a propriedade efetiva ou, também chamado equitable interest, é atribuído a outra.

Na Corte de Apelação, foi decidido que a Sainsbury era o beneficiário efetivo, uma vez que o concedente de uma opção que ainda não foi exercida permanece com mais do que a simples casca da propriedade (mere legal shell of ownership) e a sociedade belga não possuía nenhum remédio jurídico para o cumprimento específico (i.e., não havia equitable ownership)129.

Já no exame de Parway Estate Ltd. v. Commissioners of Inland Revenue130, questionou-se se haveria um sentido comum ou popular (ordinary meaning) para o termo beneficiário efetivo, diferente de seu sentido jurídico. A situação fática era a seguinte: P concordou em vender suas ações em S, uma companhia subsidiária integral, para um terceiro (TP), sob a condição de que S fosse despido de seus bens (inclusive os sob locações) antes da venda ser efetivada. P entendeu que as transferências dos bens eram isentas do imposto do selo nos termos do art. 42 do Finance Act de 1930, sustentando que ele era o beneficiário efetivo de não menos que 90% das ações emitidas de S. Esse entendimento, não obstante, foi rejeitado pelo juiz Jenkins L.J. (e seguido pela Corte de Apelação).

A decisão esclareceu que, apesar de P ser o proprietário legal das ações representativas da porcentagem mínima exigida para o benefício fiscal, o contrato celebrado entre P e TP (precedente à transferência) significava que, no momento da transferência dos bens, o beneficiário efetivo das ações era TP, utilizando o termo equitable interest como sinônimo de beneficial ownership. Isso porque a propriedade das ações passou para TP no momento em que o contrato foi assinado.

Ademais, no julgamento por parte da Corte de Apelação, observou-se que haveria dificuldade em se atribuir qualquer significado diferente para essa expressão que não o sentido jurídico, e de pouco adiantariam especulações sobre o que uma pessoa comum entenderia ser seu significado popularmente utilizado. Por essa razão, confirmou-se que a

129A.G.J. Berg critica essa decisão em Sainsbury ao dizer que se pressupôs, erroneamente segundo esse autor,

que, até a opção de compra (call option) ser exercida, o direito de equity integral (entire equitable interest) permanece com a pessoa concedente (BERG, A.G.J. Options and beneficial owner. The Law Quarterly

Review, n. 1, p. 20, 1992).

130[1957] 45 T.C. 135, Ch. D, p. 142. AUSTRALIAN GOVERNMENT Disponível em:

<http://law.ato.gov.au/atolaw/view.htm?docid=TXD/TD200825/NAT/ATO/00001>. Acesso em: 03 jan. 2012.

definição de beneficiário efetivo deve ser construída de acordo com seu significado legal, i.e., jurídico131.

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