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CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

3.12. Jurisprudência internacional sobre beneficiário efetivo nos acordos contra a

3.12.4. Reino Unido: caso Indofood

Na decisão Indofood International Finance Ltd. v. JP Morgan Chase Bank, London Branch662, inicialmente, é importante destacar que esse caso trata de questão relacionada à responsabilidade civil na administração de fundos decorrentes de empréstimo, na qual o conceito de beneficiário efetivo foi apreciado.

O caso cuidou de uma sociedade residente na Indonésia (Indofood) que, em 2002, contraiu empréstimo de sua subsidiária, residente nas Ilhas Maurício, sendo que essa subsidiária - um veículo de propósito específico (SPV) utilizado para emissão dos títulos de dívidas no mercado internacional - atuou como intermediária repassando os recursos financeiros tomados de terceiros para a controladora na Indonésia, na qualidade de empréstimos, fazendo jus a juros por parte da Indofood. Era, assim, uma típica estrutura de intermediação financeira para angariar capital internacionalmente663.

Sob a ótica fiscal, os juros decorrentes do empréstimo eram tributados a 10%, nos termos do acordo contra a bitributação celebrado entre Indonésia e Ilhas Maurício. Como não havia imposto de renda na fonte adicional sobre os juros pagos da Ilhas Maurício para os credores (noteholders), a estrutura gerava considerável economia fiscal. Isso porque, se os títulos de dívida tivessem sido emitidos diretamente da Indonésia estariam sujeitos a 20% de imposto de renda retido na fonte (alíquota geral interna).

O contrato de empréstimo continha uma cláusula que permitia a SPV resgatar os títulos (bonds) se o imposto de renda retido na fonte aplicável na Indonésia se tornasse

660ARGINELLI, Paolo. op. cit., p. 234-235.

661MARTÍN JIMÉNEZ, Adolfo. Beneficial ownership: current trends, cit., p. 41. 6622006 EWCA Civ 158 (2006) STC 1195.

663Para um estudo mais aprofundado do caso, vide BAKER, Philip. Beneficial ownership: after indofood.

Grays Inn Tax Chamber Review, v. 6, n. 1, p. 15-28; FRASER, Ross; OLIVER, J.D.B. Treaty shopping and beneficial ownership: indofood international finance limited v. JP Morgan Chase Bank, N.A., London Branch, cit., p. 422 e ss; RUSSO, Antonio. Seminário Alumni Leiden de 2006: precedentes sobre interpretação dos tratados internacionais - caso indofood: conceito de beneficiário efetivo, cit.

superior a 10% e nenhuma medida razoável pudesse ser tomada para evitar esse aumento da carga fiscal na operação.

Dois anos após a emissão dos bonds, o governo da Indonésia resolveu denunciar o acordo entre Indonésia e Ilhas Maurício, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2005. Com o término do acordo, o imposto de renda retido na fonte sobre o pagamento dos juros subiria para 20%, conforme mencionado. Por essa razão, após o anúncio oficial da denúncia, o emissor dos títulos de dívida acionou sua opção de compra e notificou o trustee da operação (JP Morgan, agência de Londres) da sua intenção de resgate antecipado.

Uma vez que o JP Morgan suportaria o aumento da carga fiscal, ele rejeitou o pedido de resgate antecipado sustentando que a Indofood poderia constituir uma nova SPV na Holanda, entre a Indofood e o JP Morgan, para realizar os mesmos serviços de intermediação financeira e, assim, haveria medida razoável nos termos do contrato. Com essa nova estrutura, em razão da existência do acordo contra a bitributação entre Indonésia e Holanda, a alíquota aplicável aos juros seria de 10%, podendo ser de 0% em alguns casos.

No julgamento, o tribunal inglês (Her Majesty Revenue & Customs - HMRC) entendeu que a entidade interposta na Holanda não seria o beneficiário efetivo dos juros a serem pagos pela Indofood, adotando um conceito internacional de beneficiário efetivo, mas em linha com a posição das autoridades fiscais, definido como a pessoa com o pleno direito de se beneficiar diretamente da renda. Os Comentários da OCDE serviram de embasamento para a decisão, especificamente com relação à interpretação ampla em face do contexto e à luz dos objetivos e finalidades dos tratados664.

Na conclusão, apontou ainda que, de acordo com os termos do empréstimo, a SPV holandesa não gozaria do direito de se beneficiar diretamente dos juros, uma vez que estava contratualmente obrigada a repassar o montante recebido no dia subseqüente, e era proibida de captar recursos de outras fontes. Assim, a interposição de uma sociedade na Holanda em substituição à sociedade nas Ilhas Maurício não seria uma medida razoável à luz dos termos do contrato de empréstimo original.

664Nesse sentido, vide o trecho específico da decisão: The meaning to be given to the phrase ‘beneficial

owner’ is plainly not to be limited by so technical and legal an approach. Regard is to be had to the substance of the matter (...) In practical terms it is impossible to conceive of any circumstances in which [the Mauritian company or a hypothetical new Dutch subsidiary] could derive any ‘direct benefit’ from the interest. Cf. 2006 EWCA Civ 158 (2006) STC 1195.

Apesar de ter utilizado argumentos jurídicos sob a perspectiva do direito interno da Indonésia, essa decisão mencionou expressamente a necessidade de se existir e se aplicar um conceito internacional de beneficiário efetivo relacionados aos rendimentos decorrentes dos acordos contra a bitributação, em que tal termo exista.

Ao analisar o deslinde da decisão, RUSSO chama a atenção para quatro fatores que julga decisivos desse caso: (i) o montante de empréstimo concedido para a SPV holandesa foi o idêntico ao anteriormente concedido para a SPV nas Ilhas Maurício; (ii) as taxas de juros recebidas e pagas pela SPV eram as mesmas, sem qualquer spread; (iii) a data do pagamento do empréstimo, pela SPV, era de um dia após o recebimento dos valores; e (iv) na prática, a SPV holandesa era ignorada na operação e o pagamento era feito diretamente pelo tomador final (Indofood) para o trustee (JP Morgan)665.

Ademais, cabe apontar que, em 6 de outubro de 2006, a HMRC publicou diretrizes conhecidas como Draft Guide 666sobre o impacto do caso Indofood que, posteriormente, foram incluídas na legislação (International Manual of HMR667). Na opinião de JIMÈNEZ, o ponto positivo desse ato normativo é que ele reconhece o significado internacional de beneficiário efetivo, mas, seu ponto negativo é que lhe confere o sentido de medida geral de combate ao treaty shopping nos casos de economia fiscal por meio de sociedades-canais (conduit companies), o que para o autor mostra-se indevido e problemático668.

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