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Comentários à CM OCDE como significado ordinário ou

CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

2.4. Definição de contexto para fins do artigo 3(2)

2.4.3. Comentários à CM OCDE

2.4.3.3. Comentários à CM OCDE como significado ordinário ou

O Artigo 31(4) da CVDT dispõe que um termo será entendido sem sentido especial se estiver estabelecido que essa era a intenção das partes. Nesse sentido, questiona-se a possibilidade de os Comentários serem utilizados na condição de sentido especial desejado pelos Estados Contratantes.

Interessante é a opinião de VOGEL, veiculada em trabalho específico, quando o professor consignou o entendimento de que os Comentários consistiriam em uma linguagem fiscal internacional e, por isso, poderiam ser enquadrados como sentido especial, para fins do Artigo 31(4) ou, sob outra perspectiva, seriam uma linguagem técnica usual, entendidos nesse caso como o sentido comum do Artigo 31(1)361.

A separação seria feita com base cronológica. Para o enquadramento dos Comentários como sentido comum dos termos utilizados nos acordos contra a bitributação, seria necessário que houvesse decorrido tempo considerável para que os Comentários se transformassem em linguagem fiscal internacional. Assim, para que um termo possuísse sentido comum quando utilizado acordos tributários, no ano de 2000 (data da publicação do artigo do professor), os Comentários contendo tal definição teriam que ser aqueles datados de 1963 ou de 1977362, classificados no Artigo 31(1).

Se, ao contrário, os Comentários fossem recentes, caberia a análise da possibilidade de seu enquadramento como sentido especial, para fins do Artigo 31(4) da CVDT.

361VOGEL, Klaus. Influence of the OECD commentaries on treaty interpretation, cit., p. 612-614. 362Id. Ibid.,p p. 616.

Caberia, ainda segundo VOGEL, possível enquadramento dos Comentários como meios suplementares de interpretação, conforme o disposto no Artigo 32 da CVDT, desde que interpretação prévia com base no Artigo 31 tivesse resultado ambíguo, obscuro, absurdo ou irrazoável363, visando esclarecer ou confirmar essa interpretação anterior. Nesta hipótese, já haveria, para aplicação do Artigo 32, uma interpretação minimamente construída, porém incompleta, e o papel dos Comentários seria o de apenas complementar a significação da norma existente.

Todavia, esse raciocínio proposto por VOGEL só seria válido para os Estados Membros da OCDE, e desde que eles não tivessem feito qualquer reserva ao item dos Comentários a ser interpretado e aplicado no caso concreto364.

A posição de VOGEL sofreu críticas pelo grupo de especialistas em tributação internacional, encabeçados por JONES et al., para quem uma linguagem fiscal internacional dificilmente poderia ser reconhecida como o sentido comum ou ordinário dos termos de um acordo contra a bitributação. Seria mais correto afirmar, se assim comprovado por meio da intenção das partes, que as definições contidas nos Comentários da OCDE consistiriam em sentido especial, nos termos do Artigo 31(4)365.

De acordo com AULT, os Comentários se enquadrariam como meios suplementares de interpretação (Artigo 32 da CVDT), para confirmar um sentido especial do termo de um acordo (previsto no Artigo 31(4) da CVDT)366.

Já PROKISCH partilha da opinião de que os Comentários correspondem a um sentido comum previsto no Artigo 31(1), devendo a interpretação dos acordos ser feita sempre de modo consensual e à luz dos objetos e finalidades neles referidos367.

Visando solucionar o debate, GIULIANI368 noticia uma proposta doutrinária para a questão baseada na razoabilidade, na qual, em regra geral, os Comentários estariam fundamentados em todas as normas da CVDT ora analisadas. Contudo, a depender dos fatos e circunstâncias, os Comentários prévios ao acordo objeto de interpretação, por questão cronológica, seriam considerados como trabalhos preparatórios (Artigo 32) e, os ulteriores, seriam acordos posteriores aceitos por ambas as partes (Artigo 31(3)(a)). Por

363Id. Ibid., p. 614.

364VOGEL, Klaus. Problemas na interpretação de acordos de bitributação, cit., p. 969. 365JONES, John F. Avery.; ELLIS, Maarten J.; MAISTO, Guglielmo et al. op. cit., p. 19. 366AULT, Hugh J. op. cit., p. 146.

367PROKISCH, Rainer. A intepretação dos tratados de dupla tributação, cit., p. 30. 368GIULIANI, Federico Maria. op. cit., p. 137.

fim, quando a situação envolver Estados não-Membros da OCDE, os Comentários poderiam ser considerados como instrumentos relacionados ao tratado (Artigo 31(2)(b)).

Em que pese a intenção louvável do jurista italiano em tentar solucionar diplomaticamente essa controvertida questão, entendemos de forma diferente. Partilhamos do entendimento de VOGEL no sentido de que, para os Estados Contratantes que seguem a CM OCDE, o sentido de um termo definido na própria Convenção Modelo ou em seus Comentários representa o sentido comum desses termos (Artigo 31(1) da CVDT), ainda que o Estado não seja formalmente membro da OCDE, mas desde que adote essencialmente esse modelo e tenha conhecimento dos Comentários (parte em que discordamos do renomado professor). Nesse ponto, contudo, os Comentários tem que ser prévios à celebração do acordo nos moldes da CM OCDE, em tempo razoável a fim de ter se construído um sentido comum internacional.

Caso esse tempo razoável não seja observado e o international fiscal meaning369 não tenha ainda sido sedimentado, entendemos que os Comentários deverão ser considerados como meios suplementares de interpretação, classificando-se nos termos do Artigo 32 da CVDT, servindo para confirmar ou esclarecer o significado construído a partir do texto, preâmbulo, anexos e à luz de seu objetivo e finalidade.

Ademais, por também entendermos que os Comentários da OCDE são soft-law, reconhecemos a impossibilidade de obrigatoriedade e vinculação dos mesmos, mas isso não significa, para nós, que é possível simplesmente desconsiderá-los na interpretação dos acordos contra a bitributação quando da ausência de sentido completo de um termo em um acordo. Vale lembrar, que os Comentários representam não só o entendimento minimamente comum dos diversos Estados Membros da OCDE como, também, a opinião de vários especialistas no tema, sendo deveras importantes na atividade exegética desses tratados.

Finalmente, no que tange ao valor ou peso dos Comentários na interpretação de acordos contra a bitributação por Estados não-Membros da OCDE, é pertinente apontar a posição doutrinária reinante de que o peso dos Comentários é inferior quando comparado a de um Estado Membro370, uma vez que Estados não-Membros não participam da

369Para nós, a utilização do international fiscal meaning pelos Estados estaria fundamentada no princípio da

boa-fé e intimamente relacionada com a harmonização (mínima) internacional exigida pelo fenômeno da globalização.

370Nesse sentido, vide VOGEL, Klaus; PROKISCH, Rainer. op. cit., p. 65; VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on

elaboração dos Comentários. Assim, como regra, nenhum Estado poderia estar sujeito a seguir interpretação decorrente de negociação e discussão que não foi parte opinante. Mas issto não impede posterior adesão, por parte do Estado não opinante.

A partir dessa premissa, ROCHA conclui que na interpretação dos acordos celebrados pelo Brasil (Estado não-Membro da OCDE) não existem fundamentos para considerar os Comentários como “contexto” para fins do Artigo 3(2), mas devem, ainda assim, constituir um elemento nesse processo hermenêutico371.

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