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Interpretação estática ou dinâmica dos Comentários à CM

CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

2.4. Definição de contexto para fins do artigo 3(2)

2.4.3. Comentários à CM OCDE

2.4.3.4. Interpretação estática ou dinâmica dos Comentários à CM

Após explicarmos a discussão envolvendo os Comentários da OCDE no processo interpretativo dos acordos contra a bitributação, abordaremos outra questão intrinsecamente relacionada a estes, notadamente, saber qual a versão dos Comentários que deve ser considerada: a versão existente no momento da celebração do acordo (interpretação estática) ou a versão mais atual, vigente na data de sua interpretação e aplicação (interpretação dinâmica).

De um lado, não aplicação dos Comentários mais recentes leva ao congelamento hermenêutico372, em virtude da não inclusão das novas modificações que acompanham a evolução no pensamento da sociedade e na forma de se tributar operações transnacionais. Ademais, implicam em dificuldades práticas na obtenção (e conciliação) dos Comentários da época frente aos Comentários posteriores, que podem ter entre si algumas décadas de separação.

Assim, na interpretação estática as mudanças na CM e nos Comentários somente serão utilizadas no processo interpretativo dos acordos contra a bitributação no que forem iguais à versão anterior daqueles. Em outras palavras, novos termos na CM e novos esclarecimentos nos Comentários não poderão ocasionar interpretações distintas quanto aos dispositivos anteriores.

of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice, cit., p. 45; BIZIOLI, Gianluigi. Tax treaty interpretation in Italy. In: LANG, Michael (Coord.). Tax treaty

interpretation. The Hague. Kluwer Law International, 2000. p. 217; BELLAN, Daniel Vitor. Interpretação dos tratados internacionais em matéria tributária. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Direito tributário

internacional aplicado. São Paulo: Quartier Latin, 2005. v. 3, p. 652.

371ROCHA, Sérgio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda, cit., p. 161-162. 372JONES, John F. Avery. The effect of changes in the OECD commentaries after a treaty is concluded, cit,

Do outro lado, a aplicação de Comentários elaborados após a assinatura do acordo faz com que as inovações sejam retroativas373 e trazem o problema de que, na época da negociação e conclusão do acordo, não era essa a interpretação e o conhecimento das partes sobre os termos a serem nele utilizados.

Neste tocante, a interpretação dinâmica dos Comentários pode trazer disposições não desejadas pelas partes, com relação ao momento em que contrataram.

De acordo com GARBARINO, a questão acerca da interpretação estática ou dinâmica consiste, na realidade, na disputa entre os princípios pacta sunt servanda (o contrato é lei entre as partes) e rebus sic stantibus (as coisas devem permanecer como estão), haja vista se tratarem dos limites à modificação do significado originário de um termo por outro posterior374.

VOGEL destaca que a interpretação estática deve prevalecer, uma vez que na ausência de regra específica da CVDT sobre o peso dos Comentários na interpretação dos acordos tributários, uma alteração nos Comentários não poderia modificar um acordo já celebrado e existente, tampouco novas interpretações deles derivadas de forma retroativa375. Interessante notar que o autor anteriormente adotara posicionamento distinto, sustentando a interpretação dinâmica376.

Também contra a interpretação dinâmica, BAKER377, ENGELEN e PÖTGENS378 e JONES379, sendo que este último lista, inclusive, os argumentos favoráveis e desfavoráveis a tal interpretação, para justificar sua opinião.

Posição intermediária é a de AULT380 e de GIULIANI381, para quem as alterações nos Comentários da OCDE, se forem feitas apenas para esclarecer os conceitos anteriormente implícitos nos acordos, podem ser aplicadas. O que não se pode, com a interpretação dinâmica, é contrariar a intenção das partes manifestada no momento da

373Id. Ibid., p. 103-104.

374GARBARINO, Carlo. op. cit., p. 535-536.

375VOGEL, Klaus. Influence of the OECD commentaries on treaty interpretation, cit., p. 615.

376VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US

model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice, cit., 1997, p. 64.

377BAKER, Philip. Double tax conventions. London: Sweet & Maxwell, 2002. p. E-26. 378ENGELEN, Frank A.; POTGENS, Frank P. op. cit., p. 267.

379JONES, John F. Avery. The effect of changes in the OECD commentaries after a treaty is concluded, cit.,

p. 102-104.

380AULT, Hugh J. op. cit., p. 148.

celebração acordo382. Parece ser esta, também, a posição consignada nos parágrafos 35 e 36 dos Comentários à CM OCDE, no sentido de que diversas modificações têm como objetivo a mera aclaração e não uma alteração do sentido dos artigos ou dos comentários383.

Essa é a posição que nos filiamos. Para nós, a interpretação estática é aquela que melhor condiz com o tema, uma vez que não vislumbramos correta a inserção automática de novas disposições ou novos elementos interpretativos se as partes assim não desejaram, no momento em que firmaram, consensualmente, um acordo entre elas.

Todavia, em razão da maior facilidade e aplicabilidade prática da interpretação e utilização dos Comentários mais recentes, e em função do seu papel de esclarecimento e aperfeiçoamento de conceitos e interpretações, reconhecemos a possibilidade de aplicação da interpretação dinâmica, desde que seja para esclarecer ou elucidar e não alterar ou inovar termos, expressões e interpretações no acordo contra a bitributação anteriormente assinado384.

Admitimos, contudo, que essa aplicação subsidiária da interpretação dinâmica pode se tornar demasiadamente casuística bem como de difícil definição do que se entende por esclarecimento (clarification) e inovação (modification) em função dos novos Comentários. Nesse ponto, o princípio da razoabilidade terá especial importância.

Talvez precisamente por esse motivo, ROCHA tenha se manifestado no sentido de que a versão dos Comentários que será utilizada na interpretação do acordo dependerá do processo argumentativo, sendo, portanto, casuística a decisão a respeito de qual versão será aplicável385.

382SILVEIRA, Rodrigo Maitto da. Aplicação de tratados internacionais contra a bitributação: qualificação

de partnership joint ventures, cit., p. 154.

383Introdução aos Comentários da OCDE, itens 35 e 36 (OCDE: Modelo de Convenção Fiscal sobre o

Rendimento e o Património. Versão condensada, cit., p. 26-27).

384Nesse sentido, entendemos que os Comentários da OCDE ao parágrafo 1º do Artigo 4º, item 8.4, são um

exemplo da possibilidade de interpretação dinâmica. Trata-se do esclarecimento de que as subdivisões dos Estados Contratantes são consideradas como residentes do Estado, para fins da Convenção Modelo. De acordo com os Comentários, essa inclusão das “subdivisões políticas” só foi inserida em na versão de 1995 da CM, mas já refletia o entendimento geral dos Estados-Membros da OCDE, sendo sequer necessária sua previsão expressa. Ora, nesse caso, os Comentários trouxeram um “esclarecimento” de que as subdivisões políticas são residentes dos Estados Contratantes, e não uma “modificação” na interpretação vigente anteriormente, pois isso já era assim entendido pelos Estados.

385ROCHA, Sérgio André. Interpretação dos tratados contra a bitributação da renda, cit., p. 162-163.

Também nesse sentido ARNOLD, Brian J. Tax treaties and tax avoidance: the 2003 revisions to the commentary to the OECD Model. Bulletin for International Taxation, Amsterdam, June 2004. p. 260.

Por fim, corrobora em favor da interpretação estática o fato de que, se os Estados Contratantes desejarem aplicar os Comentários mais novos, assim o podem fazer por meio da celebração de protocolos, anexos, notas, ofícios e outros instrumentos acordados posteriormente entre ambos consignando, se desejado, que os meios suplementares de interpretação consistirão na versão mais recente ou daquela de determinado ano dos Comentários386. Já o contrário, isto é, toda a vez que um novo Comentário surgir, ser necessário que os Estados se manifestem no sentido de não aceitá-los para fins interpretativos do tratado ora celebrado, não faz sentido e seria demasiadamente custoso e desgastante para as partes realizar essa negação periódica.

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