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Condição para aplicação do artigo 3(2) na definição de beneficiário efetivo

CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

3.6. Condição para aplicação do artigo 3(2) na definição de beneficiário efetivo

Os argumentos favoráveis à aplicação da definição de beneficiário efetivo decorrente de lei doméstica, em razão da remissão a lei interna, se baseiam na interpretação literal (plain language) do Artigo 3(2) da CM OCDE516. Esse artigo estabelece que, nos casos em que a CM OCDE faz uso de um termo ou expressão que não possui definição expressa em seu texto, a lei interna do Estado da Fonte dos rendimentos será competente para fornecer tal definição, exceto se o contexto exija diferente. A versão na língua portuguesa da CM OCDE do referido Artigo 3(2) assim dispõe517:

Artigo 3º.

Definições Gerais 1. (...)

2. No que se refere à aplicação da Convenção, num dado momento, por um Estado Contratante, qualquer termo ou expressão não definidos de outro modo terão, a não ser que o contexto exija interpretação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação diferente, o significado que lhe for atribuído nesse momento pela legislação desse Estado que regula os impostos a que a Convenção se aplica, prevalecendo a interpretação resultante da legislação fiscal sobre

a que decorre de outra legislação desse Estado. (g.n.)

De acordo com WALSTER518 é usualmente aceito entre os especialistas que esta regra de exceção exceto se o contexto exija diferente é de aplicação bastante restritiva nos acordos internacionais contra a bitributação. A razão para esse entendimento é de que o termo exija (em inglês, requires) é uma palavra muito forte e que, por isso, requer que o contexto efetivamente demande a remissão a outra definição para que esse desvio para a lei interna do Estado de Fonte seja realizado519.

Conforme analisamos no Capítulo II, os termos que se encaixem na categoria de linguagem fiscal internacional devem ser interpretados no contexto dos acordos contra a

516No original, em ingles:

Article 3. General Definitions 1. (…)

2. As regards the application of the Convention at any time by a Contracting State, any term not defined therein shall, unless the context otherwise requires, have the meaning that it has at that time under the law of that State for the purposes of the taxes to which the Convention applies, any meaning under the applicable tax laws of that State prevailing over a meaning given to the term under other laws of that State.( RAAD, Kees van. Materials on international & EC tax law: 2009-2010, cit., p. 9.)

517OCDE. Modelo da convenção fiscal sobre o rendimento e o património - Versão condensada, cit., p. 32-33. 518VOGEL, Klaus (Chair). op. cit., p. 15.

bitributação e não por meio de referência à lei interna dos Estados Contratantes. Neste sentido, deve-se aplicar uma interpretação autônoma, que reconheça que os termos utilizados no acordo devem ser interpretados no contexto do acordo.

Todavia, a posição de OLIVER et al520, baseia-se na premissa de que o significado dessa expressão deve ser conferido por meio da legislação doméstica dos países de common law, em razão de ela existir antes de 1977, data em que primeiro foi utilizada na CM OCDE. Corroborando essa posição, TOIT521 aponta que, uma vez que nenhum Estado Membro da OCDE fez qualquer reserva sobre o uso do referido termo à época, levar-se-ia a crer que o significado seria aquela decorrente da common law, qual seja, pessoa de quem os direitos de propriedade ultrapassam os de qualquer outra pessoa522.

Ademais, para os defensores da interpretação por meio de remissão ao direito interno, a eventual ausência de definição do termo nas leis não impediria que, nos países de common law, isso fosse possível, uma vez que o termo beneficiário efetivo não necessitaria de uma definição precisa na lei interna, mas somente que existisse um significado na legislação do tributo objeto do acordo contra a bitributação. Por essa razão, ao menos dos países de common law, o uso do Artigo 3(2) seria justificável523.

Alguns países como os EUA utilizaram-se dessa oportunidade para editar normas internas, consideradas controversas à luz de uma relação bilateral originada com base em acordos contra a bitributação celebrados com outros Estados, versando sobre conduit companies (empresas-canal), conhecidas como anti-conduit regulations524. Todavia, não há referência ao termo beneficiário efetivo nessa legislação.

Como analisamos no Capítulo I, são poucos os países que possuem uma definição específica de beneficiário efetivo, sobretudo para fins tributários. Assim, WIMAN525 aponta que a remissão com base no Artigo 3(2), ainda que possível, é um mecanismo infrutífero, na maior parte das vezes.

Essa constatação serve, inclusive, de indício para sustentar que, em razão da existência de um significado ou sentido fiscal internacional da expressão, os países sequer criaram leis internas para definir esse conceito. A partir da análise da própria história da

520OLIVER, J. David B.; LIBIN, Jerome B.; WEEGHEL, Stef van; TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 319-320. 521TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 201.

522Em inglês, no original, person whose ownership attributes outweight that any other person (TOIT, Charl

P. du. Beneficial ownership of royalties in bilateral tax treaties, cit., p. 201).

523TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 173. 524US Treasury Regulations, Section 1.881-3. 525VOGEL, Klaus (Chair). op. cit., p. 18.

CM OCDE, bem como do fato de que vários Estados Membros da OCDE não possuíam, à época da inclusão do termo no modelo de 1977 e, muitos desses, até hoje não possuem, definições precisas ou específicas em suas leis internas do que se entende por beneficiário efetivo, sobretudo no que tange a relações jurídicas envolvendo (i) direito tributário; e (ii) situações internacionais envolvendo acordos contra bitributação, estes são bons indícios de que a exceção para remissão à lei interna para interpretação de tal termo não é a opção original sob o ponto de vista teleológico526.

Para VOGEL, o conceito de beneficiário efetivo não deve ser definido exclusivamente por meio da remissão à lei interna do Estado da Fonte, mas deve ser interpretado com referência ao contexto do tratado como um todo e particularmente em vista ao objetivo perquirido pelas restrições que o conceito de beneficiário efetivo visava trazer para a CM OCDE527.

Assim, a questão central para a interpretação do termo beneficiário por meio de norma de direito interno reside em saber se o contexto dos acordos contra a bitributação permite ou não a remissão à lei interna dos Estados Contratantes. Ao se definir o significado do contexto dos acordos, aplicando essa definição especificamente para o termo beneficiário efetivo, definir-se-á a resposta da indagação sobre a possibilidade de aplicar o Artigo 3(2) e, portanto, definir o termo com base em norma interna ou se, pelo contrário, o contexto não permite a remissão ao direito interno por já conferir a definição de beneficiário efetivo para fins de interpretação e aplicação dos acordos internacionais contra a bitributação.

3.7. Contexto na construção do significado de beneficiário efetivo: linguagem fiscal

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