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CAPÍTULO II. A INTERPRETAÇÃO DOS ACORDOS INTERNACIONAIS

3.2. Uso do termo beneficiário efetivo pela OCDE

3.2.1. Origem e objetivo

Como previamente e explicado no curso do Capítulo I, a origem do termo beneficiário efetivo decorre do termo em inglês beneficial owner, existente na lei doméstica dos países que adotam o sistema jurídico de common law, principalmente o Reino Unido (UK), onde esse termo surgiu pela primeira vez, no contexto da trust law460 para diferenciar o conceito de legal ownership – que se referia basicamente aos atributos

459Para uma análise específica sobre o tema da qualificação, vide, dentre outros: LANG, Michel. Taxation of

income in the hands of different taxpayers from the viewpoint of tax treaty law, cit., p. 596-600; ENGELEN, Frank A.; POTGENS, Frank P. op. cit., p. 265-269; JONES, John F. Avery. Conflicts of qualification: comment on Prof. Vogel’s and Alexander Rust’s articles. Bulletin of International Bureau of

Fiscal Documentation – Tax Treaty Monitor, p. 184-186, May 2003.

460JONES, John F. Avery et al. The origins of concepts and expressions Used in the OECD Model and their

formais da propriedade do trustee – do beneficial ownership – detido pelos verdadeiros beneficiários, que podiam exercer seu direito em relação à propriedade perante terceiros461.

Em âmbito internacional, o termo (ou requisito462) beneficiário efetivo foi originalmente introduzido, e pela primeira vez utilizado, na CM OCDE de 1977463. De acordo com os Comentários464, este termo foi incluído no parágrafo 2 do Artigo 10 (Dividendos), parágrafo 2 do Artigo 11 (Juros) e parágrafo 1º do Artigo 12 (Royalties) para esclarecer o significado da expressão pagos a um residente (paid to a resident) utilizada nesses artigos da CM daquele ano tratando-se, portanto, de regra relacionada a atribuição da renda.

Contudo, RUSSO465 salienta que o termo beneficial owner já tinha sido utilizado em acordos internacionais tributários antes de sua inserção na Convenção Modelo OCDE de 1977. Em meados dos anos 40 o primeiro uso dessa expressão no contexto internacional tributário, no acordo internacional sobre heranças celebrado entre EUA e UK datado de 1945466 em referência a ações ou quotas detidas por um mandatário em que o beneficiário efetivo é evidenciado por certificados ou de outra forma467. Também, em 1966, essa expressão foi utilizada no Protocolo referente ao acordo contra a bitributação celebrado entre EUA e UK468.

461RUSSO, Raffaele. Fundamentals of international tax planning. Amsterdam: IBFD, 2007. p. 229.

462Em inglês, o termo beneficiário efetivo é conhecido como beneficial owner e é referido diversas vezes na

doutrina ora como beneficial owner clause (i.e., cláusula de beneficiário efetivo); beneficial owner

requirement (i.e., requisito de beneficiário efetivo); e beneficial owner concept (i.e., conceito de beneficiário efetivo)., variando de acordo com a preferência terminológica dos autores. Independentemente da terminologia adotada, entendemos todas como sinônimos sendo importante o significado comum que todas essas expressões guardam entre si: o beneficiário efetivo é uma condição adicional às pessoas visadas nos acordos contra a bitributação que, além de terem que ser residentes em um ou em ambos os Estados Contratante, devem ser consideradas como o beneficiário efetivo dos rendimentos previstos nos Artigos 10 (dividendos), 11 (juros) e 12 (royalties) – onde tal termo é expressamente mencionado na CM OCDE (e também no Modelo U.S.) – restando claro que a utilização dessa expressão no texto dos referidos acordos constitui uma limitação ao direito de usufruir dos benefícios por eles concedidos (treaty entitlement). Pessoalmente, entendemos que a expressão mais adequada em inglês seria beneficial owner requirement e, em português, o simples uso de beneficiário efetivo para fazer menção ao termo, conceito ou definição de tal expressão seria suficiente para o entendimento necessário.

463Cf. VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US

model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice, cit., p. 561; TOIT, Charl P. du. op. cit., p. 146.

464Comentários da OCDE ao Artigo 10(2), item 12; Artigo 11(2), item 9; Artigo 12(1), item 4 (Cf. RAAD,

Kees van. Materials on international & EC tax law: 2009-2010, cit., p. 215; 244; 257).

465RUSSO, Raffaele. op. cit., p. 229.

466UK-US treaty on estates of deceased persons (1945).

467No original: “shares or stock held by a nominee where the beneficial ownership is evidenced by scrip

certificates or otherwise” (Cf. OLIVER, J. David B.; LIBIN, Jerome B.; WEEGHEL, Stef van; TOIT, Charl P. du. Beneficial ownership. Bulletin - International Bureau of Fiscal Documentation, Amsterdam, n. 7, p. 310, July 2000).

Adotando entendimento distinto sobre a utilização desse termo nos acordos contra a tributação, AULT sustenta que o conceito de beneficiário efetivo surgiu, de fato, no contexto do combate a elisão fiscal (tax avoidance) originando-se nos acordos celebrados pelo Reino Unido, nos quais havia cláusulas de subject to tax469 que foram eliminadas e substituídas pelo termo beneficiário efetivo470. Por tal razão histórica, o autor sustenta ser claro que o contexto por trás da inserção desse termo nos acordos contra a bitributação é o de anti-abuso.

Na opinião de VOGEL, o uso do referido termo na CM OCDE teve como objetivo principal restringir o acesso aos benefícios proporcionados pelos acordos contra a bitributação à recebedores meramente formais dos rendimentos que, originalmente, não fariam jus ao usufruto de tais benefícios (por ex., bancos). Para dar supedâneo ao seu entendimento, o autor menciona que, antes de concordar com a redação do termo beneficiário efetivo para sua inclusão na versão de 1977 da Convenção Modelo, a OCDE considerou incluir dispositivo que visava condicionar os benefícios dos acordos à incidência tributária dessas rendas no Estado da Residência, além de ter considerado incluir a expressão recebedor final (final recipient) para esse mesmo propósito de prevenção da elisão (tax avoidance) fiscal internacional471.

Em sentido semelhante, RUSSO472 aponta que a razão para essa inclusão teria sido a prevenção do treaty shopping, para ele entendida como a prática pela qual um residente de um terceiro Estado reivindica os benefícios de um acordo contra a bitributação em relação a investimentos realizados em um Estado Contratante (Estado da Fonte) por meio de uma entidade intermediária residente no outro Estado Contratante (Estado da Residência da entidade intermediária), para usufruir dos benefícios aos quais tal residente não teria direito inicialmente473 (se não fosse por meio da estrutura intermediária).

469A cláusula subject-to-tax é um tipo de cláusula de limitação de benefícios nos acordos contra a bitributação

e será analisada especificamente ao final deste Capítulo III.

470VOGEL, Klaus (Chair). The OECD Model Convention – 1998 and Beyond; The Concept of Beneficial

Ownership in Tax Treaties - Proceedings of a Seminar held in London, in 1998 during the 52nd Congress of

the International Fiscal Association. The Hague: Kluwer Law International, 2000. v. 23a, p. 21.

471VOGEL, Klaus. Klaus Vogel on double taxation conventions: a commentary to the OECD, UN and US

model conventions for the avoidance of double taxation of income and capital with particular reference to German treaty practice, cit., p. 561-562.

472RUSSO, Raffaele. op. cit., p. 229.

3.2.2. Evolução do termo na Convenção Modelo e Comentários

A análise da evolução e do desenvolvimento do termo beneficiário efetivo na CM OCDE começa, na realidade, com a Convenção Modelo de 1963, na qual essa expressão não existia. A redação do Artigo 10, que tratava de dividendos, era a seguinte:

1. Dividends paid by a company which is a resident of a Contracting State to a resident of the other Contracting State may be taxed in that other State.

2. However, such dividends may be taxed in the Contracting State of which the company paying the dividends is a resident and according to

the laws of that State, but the tax so charged shall not exceed: (…)474

Como dito, a expressão beneficiário efetivo foi inserida pela primeira vez na Convenção Modelo de 1977, na qual o Artigo 10 era assim redigido:

“2. However, such dividends may also be taxed in the Contracting State of which the company paying the dividends is a resident and according to the laws of that State, but if the recipient is the beneficial owner of the

dividends the tax so charged shall not exceed: (…)”475 (marcamos).

Os Comentários da OCDE ao Artigo 10, Convenção Modelo de 1977, no item 12, foram os primeiros a trazer a explicação de que a limitação da tributação sobre os dividendos, por parte do Estado da Fonte, não seria aplicável quando um intermediário, tal como um agente ou mandatário, fosse interposto entre o beneficiário e o pagador, exceto se o beneficiário efetivo fosse residente do outro Estado Contratante476.

Em 1986 a OCDE concluiu o relatório do Comitê de Assuntos Fiscais intitulado Double Tax Conventions and the Use of Conduit Companies477, expressamente mencionado nos Comentários ao Artigo 10478 de 1995 em diante. Esse relatório concluiu

que uma sociedade-canal (conduit company) não pode ser, normalmente, considerada o

474OECD Model Tax Convention on Income and on Capital, (Paris), 1963. 475OECD Model Tax Convention on Income and on Capital, (Paris), 1977.

476Comentários da OCDE ao parágrafo 2 do Artigo 10, item 12, à Convenção Modelo OCDE de 1977. 477Cf. OECD, Double Taxation Conventions and the use of conduit companies, cit.

478Comentários da OCDE ao parágrafo 2 do Artigo 10, item 12.1, no original: “For these reasons, the report

from the Committee on Fiscal Affairs entitled “Doublé Taxation Conventions and the Use of Conduit Companies” [Note: Reproduced in Volume II at page R(6)-1] concludes that a conduit company cannot normally be regarded as the beneficial owner if, though the formal owner, it has, as a practical matter, very narrow powers which render it, in relation to the income concerned, a mere fiduciary or administrator acting on account of the interest parties” (Cf. RAAD, Kees van. Materials on international & EC tax law: 2009-2010, cit., p. 216).

beneficiário efetivo se, embora sendo proprietário formal, na prática ela só dispuser de poderes muito limitados que a tornam, relativamente ao rendimento em questão, um mero fiduciário ou administrador que age por conta das partes interessadas479.

O relatório em comento, coloquialmente conhecido como OECD Conduit Companies Report – que teve parte de seu parágrafo 14(b) reproduzido no item 12.1 dos Comentários ao Artigo 10 – assim advertia, originalmente, sobre o significado de beneficiário efetivo:

The Commentaries mention the case of a nominee or agent. The provisions would, however, apply also to other cases where a person enters into contracts or takes over obligations under which he has a similar function to those of a nominee or an agent. Thus, a conduit company can normally not be regarded as the beneficial owner if, though the formal owner of certain assets, it has very narrow powers which render it a mere fiduciary or an administrator acting on account of the interested parties (most likely the shareholders of the conduit company)480.

A versão de 1995 da CM OCDE trouxe uma alteração na redação anterior, passando a incluir o termo residente, previamente mencionado apenas nos Comentários, mas não no texto da Convenção Modelo em si, para qualificar o beneficiário efetivo. Vejamos a nova redação do Artigo 10, à época:

2. However, such dividends may also be taxed in the Contracting State of which the company paying the dividends is a resident and according to the laws of that State, but if the beneficial owner of the dividends is a resident of the other Contracting State the tax so charged shall not

exceed: (…)481(marcamos)

Os Comentários de 1995, contudo, não trouxeram qualquer inovação em relação àqueles anteriores, especificamente no que se referia à definição do termo beneficiário efetivo nos Artigos 10, 11 e 12, uma vez que o aditamento fora feito diretamente ao texto da CM.

479No original, em inglês: “(...) where a resident of a Contracting State, otherwise than through an agency or

nominee relationship, simply acts as a conduit for another person who in fact receives the benefit of the income concerned”. (Cf. RAAD, Kees van. Materials on international & EC tax law: 2009-2010, cit., p. 216).

480OECD Double Tax Conventions and the Use of Conduit Companies, paragraph 14(b), Paris, 1986. 481OECD Model Tax Convention on Income and on Capital, (Paris), 1995.

Desde então, não ocorreram mudanças relevantes nos Comentários ou no texto da CM OCDE dos anos seguintes de 2003, 2008 e 2010, envolvendo a definição de beneficiário efetivo dos artigos de dividendos, juros e royalties.

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