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CAPÍTULO III – A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

3.1 AS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS NO ENSINO DE QUÍMICA

Frente a um contexto mundial de globalização que abriga modificações políticas, econômicas, culturais e sociais, os documentos sobre a legislação educacional no Brasil buscam inovações, principalmente, com a formulação dos PCNs, PCN+, DCEs que amparam o Ensino Médio.

Em se tratando de prática pedagógica e estrutura das instituições de ensino, ainda ocorre certa dificuldade de se aplicar o que está descrito nos documentos legais, deixando a desejar sobre a responsabilidade da educação com a mudança social, no propósito de tornar as pessoas mais críticas, reflexivas, conscientes e humanas, como declaram os discursos públicos (SANTOS; SCHENETZLER, 2003; SILVA; MACHADO; TUNES; 2011).

Pesquisadores do ensino das ciências não poupam esforços para alertar que embora sejam propostas alterações nas leis da educação, algumas poucas inovações são realmente percebidas na realidade escolar. Sutis efeitos são percebidos no contexto escolar no que se refere às formas particulares de organização e às consequências do conhecimento científico na compreensão das interações entre realidade social e natural (GURGEL, 2003; SANTOS, 2007; GONÇALVES, 2009).

Como resultado, os alunos ainda continuam apresentando dificuldades em reconhecer tanto a natureza sócio-histórica, quanto provisória do conhecimento científico, mantendo a postura de receptores passivos do saber, que minimiza sua

capacidade de assumir posturas críticas e problematizadora, frente aos impactos da ciência e da tecnologia no mundo global.

Para Gurgel (2003), o ensino das ciências precisa atender e responder aos anseios de uma sociedade envolvida pela cultura tecnológica, relacionando conceitos de senso comum sobre fatos observados na vida cotidiana, pelos sujeitos, com os conceitos científicos.

Para que isso ocorra, entende-se a necessidade de contextualizar os conceitos químicos, aproximando-os da realidade dos alunos e possibilitando situações de debates e diálogos, na sala de aula, rompendo com a crença de uma ciência neutra, segura, racional, mecânica, fragmentada e a-histórica (GURGEL, 2003; SANTOS, SCHENETZLER, 2003).

Santos (2011) enfatiza que para aprender química é preciso desmistificá-la como ciência inacessível e popularizar seu conhecimento para uma vida melhor. O autor ainda alerta que o propósito desse ensino na educação básica seria o de

promover a educação científica e tecnológica dos cidadãos, auxiliando o aluno a construir conhecimentos, habilidades e valores necessários para tomar decisões responsáveis sobre questões de ciência e tecnologia na sociedade e atuar na solução de tais questões (SANTOS, 2007, p. 2).

Inerente à compreensão da ciência enquanto atividade humana historicamente construída, a utilização das atividades experimentais no ensino de química vem sofrendo transformações, tanto em sua aplicação no contexto da sala de aula, quanto na sua intencionalidade educativa (SILVA; MACHADO, 2008; GONÇALVES, 2009; FIRME; GALIAZZI, 2014).

Gonçalves e Marques (2006) apontam para a importância de maiores estudos e discussões para algumas questões relativas ao ensino de química e ao encaminhamento metodológico do docente, por meio das atividades experimentais. Assim, os autores sugerem maiores reflexões sobre:

a relação entre a atividade experimental e a motivação; a necessidade de refletir acerca da natureza epistemológica da experimentação no ensino; a importância de um contexto dialógico para a aprendizagem; as condições materiais para desenvolvimento de atividades experimentais; as características dos conteúdos ensinados por meio dos experimentos. (GONÇALVES; MARQUES, 2006, p. 219)

Nesse cenário, vários estudos convergem no entendimento de que as atividades experimentais nas aulas de química e das ciências em geral, se constituem em um recurso didático válido para a compreensão dos conceitos científicos, pelos alunos (GIORDAN, 1999; GONÇALVES, 2009; FERREIRA; HARTWIG, OLIVEIRA, 2010; LÔBO, 2012; FIRME; GALIAZZI, 2014). Contudo, salienta-se a importância do professor, nesse processo, para que explore a função pedagógica desse recurso, no sentido de ampliar os debates acerca da influência da ciência e da tecnologia na sociedade (MARCONDES et al., 2009).

Além do mais, os resultados de uma formação docente distorcida podem reforçar a concepção simplista sobre o ensino de química, acreditando que basta saber o conteúdo químico e usar algumas estratégias pedagógicas para controlar ou entreter os alunos, como alerta Schnetzler (2002). Isso repercute em um ensino de química fragmentado e desarticulado da realidade do aluno, trazendo uma visão da química de laboratório, restrita a uma minoria, que pouco poderá contribuir na sua reflexão sobre as interferências dos aspectos científicos e tecnológicos, no contexto social.

Com essa preocupação, muitas pesquisas (GIORDAN, 1999; SILVA; MACHADO, 2008; GONÇALVES, 2009; FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010; LÔBO, 2012; FIRME; GALIAZZI, 2014) discutem as diferentes percepções para as atividades experimentais no ensino de química, considerando momentos históricos, marcados por posturas ideológicas que influenciam a postura metodológica do professor, os quais nos fazem repensar nas características desse recurso didático, no processo de ensino e aprendizagem.

É consenso entre os pesquisadores do ensino de química que as práticas experimentais ocupam papel importante na elucidação e entendimento dos conceitos da ciência (LÔBO, 2012; GONÇALVES, 2009; SILVA; MACHADO, 2008; GIORDAN, 1999; FIRME; GALIAZZI, 2014; FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010). Desde sua base histórica, a química é conhecida por sua aplicação prática nos laboratórios, abarcando uma concepção positivista da ciência, considerada pela sociedade em geral como abstrata e restrita aos químicos. Essa visão resulta do processo histórico ao qual a química vem sendo submetida.

Nesse aspecto, Giordan (1999) descreve que a experimentação ocupou papel de destaque na consolidação das ciências naturais, a partir do século XVII, na formulação de hipóteses e verificação da consistência das leis elaboradas. O autor

descreve ainda que nesse período considerava-se a experimentação como a proposição de uma metodologia de ensino pautada na racionalização de procedimentos, estabelecendo formas de pensamento características, dentre elas a indução e a dedução.

As ideias positivistas atribuíram às atividades experimentais papel de legitimadora no fazer ciência, na medida em que os dados obtidos dos experimentos constituíam a palavra final sobre a explicação do fenômeno em causa, objetivo que, de acordo com Giordan (1999), perdurou no ensino de química em específico, até o final da década de 60.

Ainda nessa década, Galiazzi e Gonçalves (2004) relatam que países como Estados Unidos e Inglaterra enfatizaram a importância das atividades experimentais com o objetivo de formar cientistas, no contexto da “guerra-fria”, desenvolvendo projetos de ensino como o Chemical Educational Material Study (CHEMS) e o

Chemical Bond Aproach Project (CBA), (GALIAZZI et al., 2001). No Brasil, os autores

dão destaque aos projetos Introductory Phisical Science (IPS) e Nuffield, que visavam trazer maneiras estimulantes e eficazes às demonstrações e confirmações dos fatos apresentados pelos livros-textos ou explanados pelo professor (GALIAZZI et al., 2001).

No estudo sobre os objetivos das atividades experimentais no ensino médio, Galiazzi et al. (2001, p. 252) descrevem que:

A origem do trabalho experimental nas escolas foi, há mais de cem anos, influenciada pelo trabalho experimental que era desenvolvido nas universidades. Tinha por objetivo melhorar a aprendizagem do conteúdo científico, porque os alunos aprendiam os conteúdos, mas não sabiam aplicá- los.

No entanto, o trabalho experimental reprodutivista como o citado, ainda é desenvolvido nas escolas, reproduzindo conceitos positivistas sobre o ensino de ciências, na crença de que esta efetiva o processo de aprendizagem dos conceitos científicos pelos alunos.

Em outro estudo, Silva e Machado (2008, p. 236), ao discorrerem sobre a produção de materiais didáticos voltados para a experimentação no Brasil, descrevem que,

Desde o instante que foi instituído, no Brasil, o ensino público secundário, em 1838, os materiais didáticos produzidos influenciaram as metodologias de ensino adotadas pelos professores, fato esse que ainda persiste nos dias de hoje. Até meados do século XX, os livros didáticos adotados no Brasil consistiam em adaptações dos manuais europeus e enfatizavam um ensino baseado na transmissão de conteúdos, dando pouca ênfase às atividades experimentais. Foi a partir de 1946 que as primeiras mudanças começaram a ocorrer no ensino de Ciências. Três foram as instituições brasileiras mais importantes que se dedicaram a realizar essas mudanças no ensino: o IBECC (Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura), o FUNBECC (Fundação Brasileira para o Desenvolvimento do Ensino de Ciências) e o PREMEN (Projeto Nacional para a Melhoria do Ensino de Ciências). Este movimento de mudança teve início em 1950 e durou até fins da década de 1970.

Segundo pesquisa dos autores, o ensino de química na educação básica, até então, era trabalhado de forma estanque, sem o emprego adequado da experimentação com predominância teórica.

Em contrapartida, o Instituto Brasileiro de Educação, Ciência e Cultura (IBECC) desenvolveu, a partir de 1952, entre outros recursos didáticos, os kits de química, que continham materiais para realização de experimentos e manuais com as instruções de manuseio, esperando-se assim que as atividades propostas desenvolvessem nos alunos uma atitude científica, quando confrontados com problemas (SILVA; MACHADO, 2008).

Assim como os “laboratórios móveis”, ou ainda os kits, tinham como propósito instigar a realização da experimentação nas aulas de ciências. Gonçalves e Marques (2006) apontam que a utilização dos kits, apesar de sugerirem características próximas aos chamados laboratórios de bancada, restringia-se a demonstrações, valorizando um empirismo colorido e divertido, que, supostamente, objetivava motivar os alunos.

Em relação ao uso dos kits de experimentação, Silva e Machado (2008, p. 238) apresentam estudos que sinalizam que estes “foram parcialmente utilizados e posteriormente abandonados, tendo em vista que os reagentes eram em pouca quantidade, além do fato de não haver uma política institucional de reposição dos mesmos”.

Com isso, surgem os modismos nas escolas em que o gasto com recursos é mal administrado, já que se investe no material e deixa para segundo plano a formação humana, como no caso dos kits de experimentação, em que pouco se teve preocupação com a preparação do docente para o uso do material (GONÇALVES, 2009).

A inserção desse tipo de material alternativo para a realização de experimentos nas aulas estava arraigado à crença de que poderia ser um facilitador da aprendizagem. No entanto, acentuou o caráter positivista da ciência como sendo atividade meramente produzida em laboratório, excluindo sua função social.

Atualmente, outras propostas estão engajadas para melhorar a articulação das diferentes áreas do conhecimento, abordando a ciência como construção humana em processo.

Na mais recente proposta, surge o Programa Ensino Médio Inovador (ProEMI), que traça estratégias para induzir e reestruturar os currículos do Ensino Médio, com propostas curriculares inovadoras, visando a ampliar o tempo dos estudantes na escola e a garantir a formação integral (BRASIL, 2013).

O ProEMI atribui caráter integrador das atividades escolares nas dimensões do trabalho, da ciência, da cultura e da tecnologia, em suas diferentes áreas do conhecimento. No corpo da proposta estão descritas atividades que visam valorizar inovações curriculares no Ensino Médio, ainda com sutis resultados no contexto escolar, tornando-se uma iniciativa que visa contextualizar o ensino (SILVA; MACHADO; TUNES, 2011).

No entanto, entende-se que os resultados desses programas serão obtidos em longo prazo, sendo que dependem de inúmeros fatores interferentes que extrapolam o entorno da escola.

Para o momento, busca-se discutir e estudar como melhorar o processo de ensino e aprendizagem da ciência no propósito de utilizar as atividades experimentais nas aulas, como forma de promover a reflexão crítica de nossos alunos sobre as interferências da ciência e da tecnologia na sociedade, contribuindo para sua formação cidadã.

Nesse sentido, o foco da próxima seção traz para a análise as diferentes concepções sobre as atividades experimentais que permeiam o contexto pedagógico, por meio do diálogo de pesquisadores da área.