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CAPÍTULO III – A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

3.2 CONCEPÇÕES ACERCA DAS ATIVIDADES EXPERIMENTAIS

A experimentação, no ensino de química, assume diferentes intencionalidades se considerarmos a formação profissional e o encaminhamento metodológico do professor. Admite-se, nesse contexto, a interferência de diversos fatores, entre eles

os de caráter histórico, político, cultural e social, que acabam direcionando o trabalho pedagógico das atividades experimentais (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; SILVA; MACHADO; TUNES; 2011).

Assim, na análise sobre as atividades experimentais, entende-se que estas constituem um recurso pedagógico importante que pode ser utilizado pelo professor para auxiliar na construção de conceitos científicos, pelos alunos (FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010). Porém, é a visão de educação e a maneira como o professor conduz a atividade docente, dentro do objetivo da sua aula, que vai delinear o significado da experimentação no processo de ensino e aprendizagem.

De acordo com Gonçalves e Marques (2006), algumas características metodológicas devem ser repensadas sobre as atividades experimentais no ensino de química. Para tanto, verifica-se a importância de ampliar o foco de análise sobre alguns conceitos que estão atrelados à utilização de experimentos, como recurso didático, nas aulas de química.

Numa concepção tradicional sobre o processo educativo, as atividades experimentais têm como premissa comprovar, na prática, o que está estabelecido na teoria. Trata-se da visão empirista que considera a supremacia da ciência, em sua neutralidade, e verdade inquestionável da sua produção. Ratificando, Galiazzi e Gonçalves (2004, p. 326) citam que a experimentação empirista, relaciona o “fazer para extrair a teoria, com uma abordagem tradicional do demonstrar para crer, contribuindo para manter a hegemonia de uma visão de ciência objetiva, neutra, apoiada nas teorias surgidas da observação”.

No entanto, Gonçalves e Marques (2006) discutem que a condução das experimentações por meio de problematizações, com discussões de cunho epistemológico, pode contribuir para que os alunos percebam que a relação entre observação e interpretação não é neutra.

Tal colocação sugere que o professor explore a singularidade e diversidade dos indivíduos, proporcionando situações de debates sobre o fenômeno observado, tendo em vista que cada um apresenta seu conhecimento prévio e realiza percepções diferentes para um mesmo acontecimento. Dessa forma, uma atividade experimental pode assumir diferentes significados e interpretações, no contexto da sala de aula que comporta vários alunos.

Nesse contexto, Lôbo (2012) atenta que a concepção empirista da ciência trata o conhecimento científico como verdadeiro e inquestionável, considerando que o

experimento deve corroborar para os enunciados teóricos. Essa concepção está atrelada à perspectiva tradicional sobre as atividades experimentais, que neste entorno, possuem a finalidade de propiciar a transmissão passiva de conhecimentos teóricos e práticos.

Muitos estudos (GALIAZZI; GONÇALVES, 2004; GONÇALVES, 2009; FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA; 2010; LÔBO, 2012) discutem a intenção de “demonstrar” os conteúdos pelas atividades experimentais, nas quais os alunos seguem etapas de um roteiro pré-determinado, como se estivessem com uma “receita”, sem refletirem propriamente sobre o procedimento. O encaminhamento metodológico dado com esse propósito restringe a atividade apenas para comprovar a teoria com a obtenção de resultados esperados, sem maiores reflexões sobre o fenômeno.

A crença de que a atividade experimental tem como finalidade introduzir ou verificar uma teoria, pode influenciar no entendimento dos alunos, no foco do indutivismo ingênuo, que estabelece que a ciência começa com a observação neutra (GONÇALVES, 2009). Dessa forma, ignora-se a atividade humana do observar que pode assumir uma variedade ampla de interpretações ao se considerar a singularidade de cada pessoa.

Nesse enfoque, Guimarães (2009) pontua a necessidade de nortear a observação dos alunos para que compreendam que toda observação não é feita num vazio conceitual, mas a partir de um corpo teórico que orienta a observação. Logo, é necessário nortear o que os estudantes observarão.

A condução da atividade experimental por demonstração e observação pode ser conduzida pelo professor de forma a promover situações de diálogo e reflexão, tirando os alunos da passividade. Se por algum fator de ordem externa, como falta de estrutura física, material, quantidade de alunos nas turmas ou de organização do tempo escolar, o professor optar por esse procedimento prático, não configura que sua postura metodológica seja positivista.

O aprender a observar se faz necessário na atividade experimental, e como a observação não é neutra, é preciso que o professor planeje discussões em sala acerca da experimentação, como forma de favorecer o aprendizado dos conceitos químicos, pelos alunos.

A respeito disso, Silva, Machado e Tunes (2011, p. 236) salientam a importância dos alunos dialogarem com os conhecimentos da ciência para conseguirem observar e interpretar os fenômenos de um experimento:

quando os alunos realizam uma atividade experimental e observam determinados fenômenos, geralmente solicita-se que os expliquem. A explicação de um fenômeno utilizando-se de uma teoria é o que denominamos de relação teoria-experimento, ou seja, é a relação entre o fazer e o pensar. Quando fazemos uso de uma teoria para explicar um fenômeno não significa que estamos provando a veracidade desta, mas sim testando sua capacidade de generalização.

Os autores argumentam ainda que a capacidade de generalização e de previsão pode dar ao ensino um caráter investigativo, por meio das atividades experimentais, porém, cabe ao professor incluir no roteiro, de além dos materiais e procedimentos, outras atividades que contemplem tal capacidade.

Caso contrário, corre-se o risco da experimentação se tornar meramente reprodutiva e de lógica comprobatória, sendo parca para atingir a relação entre a teoria e o mundo real humano, no ensino de química (SILVA; MACHADO; TUNES; 2011).

A visão das experimentações como artefato motivador dos alunos é também um fator a se analisar. Esta concepção parte tanto dos professores, quanto dos alunos. Giordan (1999, p. 43) relata que muitos alunos “costumam atribuir à experimentação um caráter motivador, lúdico, essencialmente vinculado aos sentidos”, vinculando-se à crença de que irá facilitar a aprendizagem dos alunos por sua finalidade de concretizar a teoria.

Estudos apontam que essa concepção está equivocada e advertem que a realização em sala, de uma experimentação, envolve planejamento sobre objetivos de aprendizagem e sobre os conceitos químicos a serem explorados (GONÇALVES, 2009; GONÇALVES; MARQUES, 2006; SILVA; MACHADO; TUNES, 2011).

Nesse sentido, Galiazzi e Gonçalves (2004) apontam que o professor deve estar atento ao discurso em sala de aula, ao conhecimento prévio dos alunos, para que a partir do fator surpresa da experimentação se agreguem problematizações8 que contribuam no entendimento dos fenômenos e conceitos químicos.

8 A problematização neste estudo é compreendida como a atividade de propor problemas reais que

permitam a contextualização e o estímulo de questionamentos de investigação (GUIMARÃES, 2009).

Ainda a respeito do caráter motivador das atividades experimentais, vê-se que é imprescindível repensar a intenção de motivar para aprender, visto que os alunos precisam aprender para sentir e manter-se motivados, como sugerem Gonçalves e Marques (2006, p. 223):

aprendizagem e motivação são constituintes de um contexto mais amplo que o das atividades experimentais. A problematização inicial sobre o assunto estudado, o modo de trabalho (individual ou coletivo) em sala de aula, a autonomia e a avaliação, são exemplos de aspectos que não são exclusivos e nem obrigatoriamente inerentes às atividades experimentais, porém podem estar relacionados com a motivação dos estudantes. Cabe salientar ainda que mesmo nos casos em que os docentes têm como foco principal da sua atenção a aprendizagem dos alunos é possível a presença de aprendizes desmotivados, o que revela, em parte, a complexidade das relações entre motivação e o processo de ensino e aprendizagem.

Em suma, atrelar a aprendizagem dos alunos ao papel motivador das experimentações por suas características estéticas, simboliza uma compreensão superficial e dogmática da relevância das atividades práticas para a construção do conhecimento científico, pelos alunos.

Essa percepção pode reduzir o caráter educativo da atividade experimental tornando-a, meramente, um artefato ilustrativo nas aulas de química, sem considerar ainda, que os experimentos esteticamente bonitos estão intrinsecamente ligados às questões éticas como o respeito à integridade física dos discentes e a preocupação com os aspectos ambientais, relativos ao descarte e uso de produtos (GONÇALVES, 2009; SILVA; MACHADO; 2008).

No entanto, o professor pode se valer da empolgação dos alunos, de acordo com a constatação de Galiazzi e Gonçalves (2004, p. 240): “se os alunos se motivam pela magia das atividades experimentais, cabe ao professor partir desse conhecimento inicial para problematizá-lo na direção da construção de conhecimentos mais consistentes”.

Com base nessas colocações, evidencia-se o estudo de Guimarães (2009, p. 202) sobre a experimentação no ensino de química, ao concluir que “a mera inserção dos adolescentes em atividades práticas não é fonte de motivação”, faz-se necessário a problematização e a reflexão sobre as ideias que eles apresentam sobre o fenômeno estudado.

É válido mencionar que muitos alunos apresentam resistência em realizarem atividades práticas no laboratório, sendo frequente a dificuldade que apresentam em

utilizar os conteúdos abordados nas aulas experimentais em situações extraídas do cotidiano porque as realizam em um contexto não significativo (FERREIRA; HARTWIG; OLIVEIRA, 2010).

Outro entendimento equivocado acerca das experimentações refere-se à visão reducionista da atividade científica, caracterizando esta como inerente ao trabalho dos cientistas.

Sobre isso Gonçalves (2009, p. 109) relata:

A experimentação como um modo de incentivar os estudantes da educação básica a seguirem carreiras científicas é um objetivo bastante antigo. Isso se encontra em desarmonia com o discurso contemporâneo em educação em Ciências, pois se sinaliza um ensino relevante para quem almeja seguir carreiras científicas, e, sobretudo, para aqueles que provavelmente não terão acesso, após o ensino fundamental e médio, ao estudo sistematizado do conhecimento científico. Esse é o argumento de enfoques modernos para o ensino de Ciências, como o denominado de Science for all, ou ‘Ciência para todos’.

Reduzir o papel da experimentação para uso motivacional nas aulas acaba por desvirtuar a química como resultado da produção do conhecimento humano, afirmando a visão positivista de uma ciência restrita, produzida somente em laboratórios e de acesso a poucos.

Dessa forma, o positivismo difunde a concepção de que o conhecimento químico é singular a uma comunidade específica de cientistas de laboratório, estando longe da compreensão e vivência da sociedade em geral. Porém, Thomas Kuhn (1998) conceitua que a comunidade científica como um conjunto de pessoas normais, que tem em comum o objeto de estudo.

Sobre isso, muitos autores da área (GIORDAN, 1999; GALIAZZI et al. 2001; GONÇALVES, 2009; GUIMARÃES, 2009; OLIVEIRA, 2010) abrem discussões para o “experimentalismo”, que sinaliza a crença de que a produção do conhecimento decorre, propriamente, da aplicação do método experimental de: observação neutra, formulação de hipóteses, experimentação e conclusões definidas.

Nessa base, o ensino pautado no experimentalismo reforça a concepção de que o trabalho científico está, fundamentalmente, centrado na atividade experimental, descartando as outras atividades relacionadas à produção do conhecimento científico, que se utilizam dos mais diversificados recursos de pesquisa e que extrapolam o mero uso dos artefatos de laboratório.

De forma análoga, o ensino de ciências precisa transcender o entendimento de que há um método de ensino único ou um método para ensinar por meio de experimentos. Esse ‘mito’ parece estar associado à ideia de que a aplicação de técnicas e metodologias, supostamente universais, pode resolver os problemas da educação. Cabe ressaltar ainda o fato de a defesa ao “experimentalismo” desvalorizar a necessidade do acesso docente e discente aos mais variados recursos, como as novas tecnologias da comunicação e informação, revistas, livros didáticos e paradidáticos etc. Esses recursos podem ser tão importantes quanto as atividades experimentais na promoção da aprendizagem.

Nesse enfoque, compreende-se que a experimentação precisa estar relacionada a uma problemática real e contextualizada, que faça sentido para o aluno investigar. Sendo que, a construção do conhecimento por meio dessa prática de ensino, está relacionada com a relevância dos conceitos científicos apresentados para a vida cotidiana do aluno.

Após serem apresentadas algumas percepções distorcidas sobre o papel das experimentações no ensino de química que perduram em nosso contexto escolar, trazemos para a discussão reflexões sobre o encaminhamento que o professor admite em suas aulas.

Neste estudo, entendemos que a postura docente frente ao planejamento e execução da atividade experimental pode nortear o processo de ensino e aprendizagem, abordando os conceitos químicos de forma a promover a análise e investigação sobre questões sociocientíficas que interferem em nosso modo de vida.