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CAPÍTULO III – A EXPERIMENTAÇÃO NO ENSINO DE QUÍMICA

3.3 ATIVIDADES EXPERIMENTAIS: DESAFIOS E POSSIBILIDADES

Por sua natureza experimental, é comum os alunos associarem o ensino de química às atividades práticas em laboratório, gerando certa expectativa em alguns, quando a disciplina é apresentada inicialmente, na 1ª série do Ensino Médio. Mas a ausência das experimentações nas escolas está se tornando recorrente e, por conta disso, atrelam-se, também os problemas da qualidade de ensino de ciências (SILVA, MACHADO, TUNES; 2011). Pesquisadores da área de ensino de ciências buscam identificar as causas da subtração das atividades experimentais nas aulas de química, e por mais diferente que seja o contexto, as dificuldades se apresentam, praticamente as mesmas.

Nesse entorno, estudos apontam (SILVA, MACHADO, 2008; SILVA, MACHADO, TUNES, 2011; FIRME, GALIAZZI, 2014) que para a realização de uma

aula experimental é necessário tempo para o planejamento, organização do material utilizado e teste prévio da experiência. Mostram algumas dificuldades que interferem nesse processo como: a carga horária elevada, do professor; a grande quantidade de turmas e alunos por classe; a falta de espaço físico adequado; e a carência de reagentes, acentuando o problema em se tratando de experimentos que não sejam, meramente, demonstrativos.

Apesar de todos esses entraves, os autores alertam que os obstáculos precisam ser superarados pelos professores, sem maiores resistências. Assim, o professor, enquanto responsável pelo processo de ensino, precisa compreender que a dinâmica das experimentações extrapola o entendimento do laboratório enquanto espaço físico estagnado, seu conceito deve ser ampliado para todo contexto que possa ser investigado, como fundamentam Silva, Machado e Tunes (2011, p. 244):

há a necessidade de se modificar drasticamente o que entendemos por laboratório, ampliando o conceito de atividades experimentais. Nessa ampliação cabem como atividades experimentais aquelas realizadas em espaços tais como a própria sala de aula, o próprio laboratório (quando a escola dispõe), o jardim da escola, a horta, a caixa d’água, a cantina e a cozinha da escola; além dos espaços existentes no seu entorno, por exemplo parques, praças, jardins e estabelecimentos comerciais (feiras livres, supermercados, farmácias, oficinas de marcenaria, metalúrgicas, mecânicas, etc.) Também podem se inserir nessas atividades visitas planejadas a museus, estações de tratamento de água e esgoto, indústrias, etc.

Dessa forma, os autores sugerem repensarmos o conceito de laboratório, ampliando para a compreensão de que não precisamos nos remeter a um determinado local para mostrar as atividades da química.

Com isso, o laboratório admite inúmeras possibilidades, cabendo ao professor oportunizar essa aproximação entre o estudo da química e o cotidiano dos alunos, contribuindo para desmistificar a visão positivista do conhecimento químico, como sendo de bancada, demonstrando o caráter interdisciplinar da ciência por meio da contextualização do conhecimento e do seu entendimento enquanto atividade humana.

Conceber a amplitude do laboratório como todos os espaços que, dentro das possibilidades e normas legais, podem ser explorados pelo professor e pelos alunos, contribui para minimizar muitos dos fatores descritos para a ausência das atividades experimentais.

Porém, da mesma forma como ocorre como nas experimentações nos moldes tradicionais de laboratório de ciências, a utilização de atividades experimentais nos diversos contextos de laboratório, poderão trazer resultados pouco significativos para o processo de aprendizagem se o professor não valorizar o questionamento do aluno e sua resposta, de modo a promover situações de construção de argumentos orais ou escritos, favorecendo a análise das teorias do grupo relativas aos fenômenos como forma de explicitar o conhecimento do aluno (FIRME; GALIAZZI, 2014, p. 147).

Nessa proposta, estimular a problematização nas aulas experimentais a partir do que os alunos sabem, explorando seus conhecimentos prévios e trazendo questionamentos sobre como interpreta o fenômeno, pode contribuir para contextualizar o conhecimento científico e trazer para a discussão em sala aspectos sociocientíficos cotidianos (FIRME; GALIAZZI; 2014).

Nessa perspectiva, o ensino é motivado pelo questionamento do que realmente os alunos precisam saber de química para exercerem melhor sua cidadania, levando ao entendimento das abordagens sociocientíficas que permeiam nossas vidas (SANTOS, 2007; MARCONDES, 2008).

Sobre esse processo de contextualização, Santos (2007) apresenta como objetivos: o desenvolvimento de atitudes e valores em uma perspectiva humanística diante das questões sociais relativas à ciência e à tecnologia; auxilia o aluno na aprendizagem de conceitos científicos e de aspectos relativos à natureza da ciência e; encoraja-os a estabelecer relações entre suas experiências escolares em ciências, com problemas do cotidiano.

Nessa perspectiva, o enfoque CTS se apresenta como proposta que pode contribuir para contextualizar os conhecimentos científicos de maneira interdisciplinar, facilitando a construção de uma concepção mais adequada de ciência, pois, como relatam Santos e Schnetzler (2003, p. 99), “o aluno deixa de achar que a química é um conhecimento de iniciados, que só pode ser dominada por especialistas”, rompendo com a visão de senso comum sobre a química que ainda perdura no contexto escolar.

A teia de relações estabelecida pela contextualização dos conceitos científicos permite que o aluno compreenda que a natureza do conhecimento está ligada à tecnologia, às questões sociais, à ética e à moral. Desse modo, a contextualização social de conceitos é possível pela relação com problemas da comunidade, de forma interdisciplinar, com perspectivas à sua formação cidadã (SCHNETZLER, 2002;

GONÇALVES, 2009; SANTOS; SCHNETZLER, 2003; NIEZER; SILVEIRA; SAUER, 2011).

Pelo exposto, o encaminhamento metodológico das atividades experimentais com foco na contextualização e na interdisciplinaridade, torna-se fundamental para a construção de princípios éticos e ambientais, pautados no trabalho pedagógico dialógico, que poderá contribuir para promover uma mudança do papel da escola na sociedade, ampliando a análise sobre os fenômenos, de modo a revelar a complexidade da vida moderna, por meio de diferentes abordagens (SILVA; MACHADO; TUNES, 2011, p. 245).

Se valer desses princípios, na escolha de uma atividade experimental para ser desenvolvida com os alunos, evidencia o caráter social e histórico do conhecimento científico, sendo que as ações da ciência podem interferir na sociedade, com repercussão ao longo dos tempos.

A preocupação com o desgaste dos recursos naturais, proveniente da atividade humana, pode ser um tema controverso a ser trabalhado nas atividades experimentais, mas pode ser trabalhado de forma contextualizada e interdisciplinar, como proposta de discutir e promover uma consciência mais responsável para com o ambiente no qual nos encontramos (SILVA; MACHADO, 2008).

Mesmo na preparação e realização da experimentação, o professor pode conduzir a prática de modo que o aluno perceba que também é de sua responsabilidade dar o devido fim para os resíduos resultantes da atividade, assim também com os materiais que, diariamente, descarta. Com isso, ações de redução e reaproveitamento podem se tornar práticas cotidianas efetivas na vida dos alunos, por vivenciarem isso nas aulas experimentais.

Nesse aporte, Lenardão et al. (2003) discutem a proposta dos 12 princípios da “Química Verde”, no ensino, para que sejam desenvolvidas e implementadas atitudes de conscientização sobre a aplicação de produtos químicos e processos para reduzir ou eliminar o uso ou geração de substâncias nocivas à saúde humana e ao ambiente. Também merecem destaque ações que buscam introduzir, de forma sistemática, a educação ambiental (EA) em aulas de química, que contribuem para que o conhecimento químico “possa alicerçar uma visão ampla de meio ambiente, incluindo seus aspectos sociais em direção ao desenvolvimento de atitudes que busque a construção de um modelo de sociedade sustentável, centrada na justiça e igualdade social” (SANTOS et al, 2010, p. 261).

O aspecto ambiental, vinculado à experimentação, pode possibilitar reflexões sobre os impactos das atividades da ciência e da tecnologia no contexto social, e deve ser levado em consideração ao se preparar a atividade, sendo este, um momento propício para ensinar atitudes, conceitos e procedimentos ligados à química.

Desse modo, Silva e Machado (2008, p. 236) colaboram para o entendimento da importância de se abordar questões socioambientais nas atividades experimentais:

o conceito de atividade prática não pode limitar-se somente àqueles que são criados e reproduzidos na sala de aula ou no laboratório, mas também materializados na vivência social e que permeiam as negociações de significado do ponto de vista dos alunos. Nesta perspectiva, as questões socioambientais passam a ter um papel crucial, na medida em que propiciam a percepção individual motivadora para uma consciência coletiva, que pode resultar em mudanças de atitudes em relação ao conceito de meio ambiente.

Entendemos que a atividade experimental engloba diversos momentos pedagógicos, que devem ser explorados pelo professor e aproveitados para contextualizar o conhecimento e favorecer a aprendizagem.

A relação com questões socioambientais pode direcionar a análise dos alunos para a compreensão das consequências da atividade humana sobre o contexto em que vivemos. Isso possibilita demonstrar que a ciência e a tecnologia são resultados da produção do homem, sendo, portanto, imbuídas de intencionalidades.

Outro fator importante a ser considerado é a preocupação com a integridade física dos alunos na elaboração da atividade experimental, exigindo cuidados adicionais do docente (MARCONDES et al., 2009; GONÇALVES, 2009). Essa atitude primeira pode contribuir para o entendimento dos alunos de que as atividades da ciência são fruto da construção histórica do conhecimento humano, e não podem interferir, negativamente, na qualidade de vida das pessoas.

Dessa forma, possibilitar a compreensão de que a atividade científica não resulta de um processo isolado, individualista, sendo resultado do coletivo humano e da validação pelos pares, torna-se fundamental no reconhecimento do caráter humano, também, dos processos científicos e tecnológicos.

Com viés sobre a epistemologia de Kuhn (1998), entende-se que mesmo nos estudos da ciência tradicional é necessário o diálogo e o trabalho conjunto de pessoas para que, em consonância, haja a compreensão e sistematização do fenômeno estudado, evidenciando o conhecimento científico como resultado da atividade humana.

A realização do diálogo na experimentação pode ocorrer de inúmeras formas, principalmente no trabalho em equipe, evidenciando a função socializadora da atividade. Dentre suas contribuições, Gonçalves e Marques (2006) apontam o auxílio à melhoria das habilidades sociais, citando como exemplo, a concordância sobre um assunto, entre diferentes sujeitos, sustentada no diálogo e na comunicação. Segundo os autores, dessa maneira,

os alunos aprendem a conciliar suas intenções e necessidades com as dos demais integrantes e com aquelas do próprio grupo. Outra possível função do trabalho em grupo é favorecer a interação entre os pares em sala de aula, o que para a abordagem sociocultural significa apostar na aprendizagem dos alunos, pois esta, embora não se reduza à dimensão social, está intrinsecamente alicerçada na interação entre os sujeitos. Por esses motivos, apostamos no trabalho em equipe como conteúdo de aprendizagem, da mesma forma que nos demais componentes tácitos nesse tipo de atividade, como: o diálogo, a autonomia coletiva, a co-responsabilidade e o respeito à opinião do outro. (GONÇALVES; MARQUES, 2006, p. 228)

Tanto o professor em seu trabalho pedagógico, quanto o aluno em sua atividade discente, estão engajados na dinâmica educacional que requer o convívio e a relação entre pessoas. É nesse coletivo que as informações circulam e o conhecimento é socializado, portanto também a formação continuada e as atividades de classe poderão ser mais bem aproveitadas se houver o diálogo, abrangendo todas as suas relações.

Gonçalves (2009, p. 94) contribui ao afirmar que a realização das atividades experimentais em grupo “pode ser um modo de promover o diálogo entre os estudantes e, por conseguinte, a aprendizagem do conteúdo estudado, pois se acredita que esta possui um caráter social, sem desconsiderar a contribuição de cada indivíduo”.

No coletivo, a riqueza de troca de ideias e percepções sobre o fenômeno, potencializa o aprendizado e estimula a argumentação dos alunos que se sentem envolvidos com a investigação e a resolução de problemas sobre o que está sendo estudado. Dessa forma, o conhecimento científico e tecnológico assume significado para os estudantes e pode ser mais bem interpretado e compreendido.

Ainda sobre as atividades experimentais em grupos, Galiazzi et al. (2001, p.251) fundamentam que contribui para que os alunos:

aprendam a buscar o conhecimento existente para, a partir dele, construir novos argumentos e contra-argumentos; que aprendam a escrever seus

projetos de pesquisa e seus relatórios; que participem de comunidades argumentativas cada vez mais amplas por meio da divulgação de seus trabalhos na sala de aula e em comunidades apropriadas, como podem ser as semanas acadêmicas e os eventos de divulgação científica, sem considerar esses eventos como única possibilidade de validação do conhecimento construído em aula. É preciso que se percebam como sujeitos agentes de produção de conhecimento e de sua aprendizagem.

Como sugerem os autores, possibilitar momentos de diálogo entre os alunos e entre os grupos de atividade, pode contribuir para o desenvolvimento de outras atitudes e valores fundamentais para a formação cidadã dos alunos como a cooperação, a comunicação, a argumentação, o respeito, a relação de consenso e, ainda, favorece o foco ambiental com a redução de possíveis resíduos e consumo de reagentes.

Nas palavras de Marcondes (2008, p. 73),

Essa maior dialogicidade é importante no processo de ensino-aprendizagem, pois os alunos manifestam suas ideias, suas dificuldades conceituais e seus entendimentos. O professor tem a oportunidade de acompanhar o desenvolvimento de seus alunos, podendo, nesse processo, redirecionar ou refazer percursos que facilitem a aprendizagem. As inter-relações de conteúdos e de conhecimentos científicos, sociais, políticos que se procuram estabelecer, bem como as reflexões provocadas, contribuem para o desenvolvimento de competências nos estudantes, tais como a argumentação, o enfrentamento de situações, o controle de variáveis, de trabalho em grupo e outras competências importantes para a vida adulta, tanto no mundo do trabalho quanto na sociedade.

Fica evidente que o diálogo pode agregar muitas oportunidades de aprendizagens ao processo de ensino por meio das atividades experimentais. Firme e Galiazzi (2014) afirmam que sua importância vai além da construção de argumentos pelos alunos, proporcionando a interlocução com autores, com outros professores e com a comunidade, que pode ser divulgada pela leitura e escrita, socializando, assim, os resultados de sua atividade.

No mais, “expor os resultados das atividades experimentais ao grande grupo pode possibilitar a discussão crítica, ao mesmo tempo em que é um reconhecimento tácito ou explícito de que o outro tem algo a dizer”, como descreve Gonçalves (2009, p. 93).

No que se refere à sistematização dos conceitos apresentados pelo fenômeno, Oliveira (2010) considera importante ser realizado o desenvolvimento da escrita científica com a orientação do professor, sendo inicialmente necessário o

fornecimento de informações sobre as características de textos científicos, orientado por modelos como, por exemplo, de relatório.

O registro escrito pelos alunos sobre as transformações do fenômeno torna-se fundamental para que ampliem sua atenção e observação sobre as etapas da atividade, ultrapassando a mera orientação da experimentação por roteiros pré- estabelecidos que restringe análises e questionamentos dos alunos. Essa etapa da atividade experimental possibilita organizar as observações e percepções dos alunos sobre o fenômeno, sistematizando-os aos conceitos interdisciplinares, numa construção coletiva, potencializando sua riqueza de concepções e informações.

Como se pode observar, os estudos sobre ensino mostram a necessidade de uma ação docente diferenciada, em que se promova reflexões sobre os impactos da ciência e da tecnologia na sociedade de forma interdisciplinar e contextualizada, dialogando, promovendo a construção do conhecimento com atitudes proativas dos estudantes, a fim de que tomem decisões conscientes e responsáveis pautadas em princípios éticos, sociais e ambientais.

Todavia, apesar da legislação estabelecer que isso aconteça, estudos9 mostram que isso ainda não vem acontecendo na maioria das escolas públicas do Paraná, e que muito se deve à formação inicial do docente que, muitas vezes, são pautadas numa formação tradicional, sendo tal postura reforçada na maioria dos cursos de formação continuada.

Assim, com o intuito de colaborar para vencer esta “tradição”, entendemos que uma formação continuada no enfoque CTS pode colaborar em muito para mudar esse perfil e, dentre as várias estratégias didáticas para experimentação10, escolhemos as atividades experimentais investigativas.