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CAPÍTULO V – CONTRIBUIÇÕES DA FORMAÇÃO CONTINUADA NA

5.2.2 Enfoque CTS e Contextualização dos Conteúdos Químicos no Processo de

5.2.2.1 Discussão do planejamento 1

O Planejamento 1 foi construído e aplicado em dupla por P3 e P8, em uma turma de 3ª série do Ensino Médio. Em seus relatórios eles destacam que o trabalho objetivou pesquisar sobre compostos organoclorados e organofosforados, suas aplicações e possíveis danos à saúde humana por meio de discussões sobre o manuseio e os riscos dos agrotóxicos utilizados na agricultura familiar. Sendo que, neste planejamento foram realizadas as AEIs de uso de vídeos e a de exploração dos espaços sociais.

Os docentes justificam a importância de se tratar o tema controverso por haver um número significativo de alunos que moram na zona rural e utilizam agrotóxicos na

propriedade familiar, além dos demais, que são consumidores diretos dos produtos locais.

Segundo eles o tema foi abordado, inicialmente, com a explanação de artigos divulgados na internet do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas e da Organização Mundial de Saúde, conforme Apêndice F. Após a leitura das informações do artigo, os professores realizaram uma sondagem inicial para saber o quanto os alunos sabiam sobre os riscos do uso dos agrotóxicos, tanto para o produtor, como para consumidor, e sobre a necessidade do manuseio correto dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s).

Para isso, solicitaram aos alunos que respondessem no caderno as seguintes questões: Você sabe o que são agrotóxicos? Você sabe o quanto ingerimos de agrotóxicos? Sabe informar quais os danos que os agrotóxicos podem ocasionar à saúde? Quais os principais compostos orgânicos presentes nos agrotóxicos? Por que devemos usar corretamente os EPI’s no trabalho agrícola?

Com isso, os docentes perceberam que nem todos os alunos conheciam os riscos e os cuidados necessários que a comunidade precisa ter na aplicação de agrotóxicos em suas plantações, apesar de muitos auxiliarem suas famílias na produção familiar (Dados dos relatórios deles).

Foi levantada a seguinte problemática controversa: Quais as implicações do uso dos agrotóxicos tanto para o produtor como para o consumidor? Da qual surgiu as seguintes hipóteses: O uso dos agrotóxicos pode trazer riscos à saúde tanto do produtor como do consumidor; Não se consegue uma boa produção sem utilizar agrotóxicos nas plantações; É indispensável o uso de EPI’s no manuseio com agrotóxicos.

Os alunos foram instigados a pesquisar no laboratório de informática da escola, sobre os compostos da química orgânica, organoclorados e organofosforados, presentes nos agrotóxicos, relacionando suas aplicações, possíveis danos a saúde entre outros aspectos. Esta atividade foi apresentada e discutida em sala de aula, oportunizando o estabelecimento da relação entre o conhecimento científico e sua aplicação social, como sugere Marcondes (2008).

Referente à atividade de pesquisa sobre os compostos organoclorados e organofosforados, os docentes descreveram em seus relatórios que:

Muitos alunos nem ao menos tinham conhecimento destas substâncias, e menos ainda dos que estas impõem à saúde de quem as utiliza. Quanto ao teste de colinesterase, não realizado por nenhum deles, muitos sequer o conheciam. Os alunos se demonstraram preocupados com cada item da pesquisa, mesmo aqueles que não residem no interior e nem tem contato direto com agrotóxicos. (P3; P8)

Assim, os conceitos sobre química orgânica, em específico os estudos sobre os compostos organoclorados e organofosforados presentes nos agrotóxicos, permitiram estabelecer as reflexões sobre os impactos da ciência no meio ambiente e na vida cotidiana.

A realização da AEI com enfoque CTS com uso de vídeos contribuiu para demonstrar os cuidados necessários no manuseio adequado dos agrotóxicos e a finalidade dos EPIs como forma de proteção contra as ações dos compostos

organoclorados e organofosforados (https://www.youtube.com/

watch?v=ukgkopXUHnQ e https://www.youtube.com/watch?v=V5g3i2BwIL4).

Sobre esta AEI, no seu relatório o P3 afirmou que: “Nas aulas com exposição dos vídeos, atividade 2, o comportamento dos alunos foi de atenção, sendo que muitos se mostraram preocupados com suas ações na prática agrícola e a falta do uso de EPI’s”.

Para contextualizar ainda mais essas informações, os professores organizaram uma AEI utilizando os espaços sociais da região:

As visitas foram feitas em duas propriedades rurais: Sítio Franco, localizado na comunidade de Taquara Lisa, com 22,99 ha de área, onde o proprietário cultiva batata baroa, batata salsa, milho e feijão. Na chácara Flor de Lis, localizada na divisa de municípios de Agudos do Sul e Tijucas do Sul, com área de 4,84 ha onde produz diversos tipos de orgânicos, com destaque a morangos. (P3-R3; P8-R8)

Os professores utilizaram as propriedades rurais da região para mostrar aos alunos como é realizada, na prática, a aplicação dos agrotóxicos em variedades diferentes de alimentos. Dessa forma, foi possível aos alunos perceberem como os produtores manuseiam esses produtos, se utilizam adequadamente os EPIs e as dificuldades que encontram no trabalho agrícola e, inclusive, perceberam a dificuldade que os alunos que moram no campo para frequentarem a escola, o que pode ser constatado no relato de P3 e P8 (G4):

Durante as visitas nas propriedades, atividade 5, os alunos demonstraram muito interesse. Os alunos que nunca tiveram contato com lavouras,

propriedades rurais e com as dificuldades enfrentadas pelos agricultores, tiveram seus conceitos mudados [...] até mesmo a postura frente aos colegas de sala de aula. [...] Falaram também da distância percorrida pelos alunos que moram no campo até a escola, as dificuldades com máquinas pesadas, o frio e calor e demais condições de trabalho.

Pelo exposto, considera-se que a AEI no enfoque CTS, foi determinante para a mudança conceitual e de postura dos alunos no que diz respeito ao trabalho agrícola, com foco de estudo sobre os agrotóxicos e o uso dos EPIs. Os alunos perceberam que a dificuldade para se produzir uma determinada cultura, demanda o uso de agrotóxicos para controlar as pragas e doenças, e de equipamentos e máquinas adequados para o trabalho. Além disso, como esclarece P8 (R8) o agricultor depende da situação climática, que é uma variável incontrolável e que coloca em risco sua produção.

Na percepção dos docentes, a realização das AEIs no enfoque CTS, contribuiu para a mudança conceitual dos alunos sobre o tema, como representa a descrição de P3 e P8:

O contato direto com a produção, ocorrido durante as visitas, promoveu uma mudança de conceitos naqueles que não vivenciavam a prática da lavoura; o envolvimento dos alunos, alcançado pelas abordagens em diversas atividades, teóricas e práticas, culminou por alcançar os familiares e sensibilizá-los. (P3-R3, P8-R8)

Dessa maneira, a contextualização dos conceitos trabalhados em sala de aula, por meio das AEIs no enfoque CTS, potencializou o aprendizado e despertou a percepção dos alunos sobre os impactos da ciência e da tecnologia na sociedade.

Como resultado do trabalho sobre o uso dos agrotóxicos, os alunos perceberam a necessidade de oportunizar, também aos seus familiares e demais membros da comunidade, informação e conhecimento sobre os riscos a que estavam expostos, de maneira a se conscientizarem para que possam no exercício de sua profissão, tomar decisões mais conscientes e responsáveis em relação ao uso dos agrotóxicos (P3- R3).

Assim, a tomada de decisão inicial partiu dos alunos, que se envolveram em toda estrutura e organização de um seminário com palestra sobre o tema, o qual foi realizando na escola e com convite para participação dos familiares e demais membros da comunidade escolar. A palestra relacionou o tema agrotóxico e saúde,

contando com a participação do farmacêutico Paulo Roberto Santos e do agrônomo do Instituto Emater.

A preocupação de estender os conhecimentos e informações que tiveram na escola, à família e comunidade, configura-se como tomada de decisão na perspectiva da formação cidadã dos alunos, que entenderam que para que as pessoas tomem decisões mais conscientes e responsáveis em relação às questões científicas e tecnológica se faz necessário que tenham informações e conhecimento, como defendem Santos e Schnetzler (2003).

Sobre esse momento, os professores P3 descreve:

As discussões e questionamentos foram feitos também por seus pais, pois, na maioria das vezes, estes não tinham conhecimento dos riscos associados aos agrotóxicos. Não se pode culpar somente o produtor rural pelos agraves ocasionado pela utilização dos agrotóxicos. As empresas e indústrias fabricantes destas substâncias são responsáveis, como os políticos que legislam nesse país, pois os mesmos podem e devem elaborar leis mais severas com relação ao uso e a fabricação dos insumos químicos. (P3-R3)

Por meio do exposto, percebe-se que os docentes conseguiram estabelecer, em suas aulas, as reflexões CTS a partir do tema controverso agrotóxicos, questionando não só o uso dos produtos químicos, mas toda a indústria e os interesses que estão envolvidos por trás do setor agrícola e que acabam recaindo sobre o agricultor e consumidor final.

Durante o desenvolvimento das atividades, o professor descreve que “ficou muito clara a falta de conhecimento dos alunos e seus familiares sobre os possíveis danos à saúde decorrentes do uso de agrotóxicos, mas na medida com que foi sendo trabalhado, a consciência e o senso de responsabilidade foram se transformando” (P8-R8).

Isso demonstra que trazer para a sala de aula discussões sobre temas controversos como agrotóxicos, pode contribuir para que os alunos, e a comunidade escolar em geral, percebam as interferências das atividades da ciência e da tecnologia para o contexto social, como defendem Pinheiro, Silveira, Bazzo (2007).

Entende-se assim, a importância do trabalho realizado pelos docentes que possibilitou aos alunos perceberem a necessidade de se tomar os devidos cuidados com o manuseio e uso de agrotóxicos na agricultura familiar e de como é imprescindível o uso dos EPIs, pois após o desenvolvimento das AEIs no enfoque

CTS os alunos passaram a se preocupar mais com os efeitos dos agrotóxicos e com a necessidade de utilização dos EPI’s, como retrata a descrição do professor:

Alunos que trabalham na agricultura, acompanhando seus pais, já demonstraram conhecimento e preocupação com agrotóxicos e seus EPI’s. Os alunos que não residem no interior também demonstraram preocupação com o uso dos agrotóxicos, por entender que somos consumidores. (P3-R3)

Isso demonstra que o tema controverso escolhido foi relevante tanto para os alunos como para a comunidade escolar, por se tratar de uma problemática que interfere nas suas vidas.

Os professores P3 e P8 destacam em seus relatórios de forma objetiva as considerações sobre a controvérsia trabalhada em sala:

Falta informação, sobretudo, informação de qualidade quanto a severidade do manuseio dos agrotóxicos; falta informação sobre as formas de diagnóstico da intoxicação por agrotóxicos; falta uma ação direta do poder público em divulgar, obrigar e disponibilizar o teste de colinesterase; há necessidade premente de manifestação das autoridades competentes quanto a regulação do uso destas substâncias, quanto à pesquisa de equipamentos de proteção eficientes, e incentivo à produção por técnicas alternativas como a agricultura orgânica; os equipamentos de proteção individual, reconhecidamente importantes que, muitas vezes, são pesados, desconfortáveis e tornam-se por si só ineficazes, pois inabilitam o trabalhador. Possivelmente, o conhecimento pouco aprofundado da rotina do agricultor seja a razão de não haver no mercado EPI’s que cumpram sua função sem penalizar o trabalhador.

Na descrição dos docentes percebe-se que as discussões sobre o tema controverso abordaram reflexões sobre os interesses que envolvem a comercialização dos agrotóxicos sem maiores preocupações com a saúde dos produtores. A falta de orientação e de fiscalização sobre o uso dos agrotóxicos demonstra o descaso da indústria de defensivos agrícolas e do próprio poder público, com o bem-estar da sociedade, sendo poucos os investimentos destinados para pesquisas que desenvolvam equipamentos de proteção adequados para o trabalho agrícola sem expor o produtor ao risco de contaminação.

Dessa forma, foi oportunizado aos alunos refletirem sobre as intencionalidades do desenvolvimento científico e tecnológico relacionado aos produtos agrícolas, evidenciando a supremacia da pelo setor aos aspectos financeiros decorrentes do aumento da produtividade, sem maiores preocupações com a saúde humana e o desgaste ao meio ambiente pela contaminação de seus compostos tóxicos.

Com relação à interdisciplinaridade, os professores realizaram as atividades no trabalho em conjunto com as disciplinas de: Física; Língua Portuguesa; Geografia; Biologia e Sociologia, demonstrando que os conceitos químicos se interligam com outras áreas do conhecimento, fazendo parte de nossas atividades diárias, num processo dinâmico sobre as aplicações da ciência e da tecnologia, na sociedade.

As sistematizações das interferências entre ciência, tecnologia e sociedade que permeiam as controvérsias trabalhadas pelos professores, na aplicação de seu planejamento, estão apresentadas nos quadros sobre os nove passos das relações CTS (MACKAVANAGH; MAHER, 1982; apud SANTOS; SCHNETZLER, 2003).

Quadro 10 – Adaptação dos nove aspectos da abordagem de CTS

Aspectos de CTS Encaminhamento metodológico

Natureza da Ciência Conceito de compostos orgânicos e suas aplicações na composição dos agrotóxicos organoclorados e organofosforados.

Natureza da Tecnologia Compostos organoclorados e organofosforados como tecnologia na produção agrícola;

desenvolvimento de EPI’s.

Natureza da Sociedade O uso de agrotóxicos na produção agrícola, fonte de renda familiar; a importância dos EPI’s.

Efeito da Ciência sobre a Tecnologia Desenvolvimento de organoclorados e organofosforados.

Efeito da Tecnologia sobre a Sociedade Implicações do uso dos agrotóxicos para a sociedade; a importância do uso dos EPI’s. Efeito da Sociedade sobre a Ciência A busca pelo aumento da produtividades agrícola;

análise social sobre os impactos dos agrotóxicos ao homem e ao meio.

Efeito da Ciência sobre a Sociedade Consequências e interferências dos compostos organoclorados e organofosforados para a saúde dos consumidores e produtores agrícolas e na produtividade da agricultura.

Efeito da Sociedade na Tecnologia A responsabilidade do uso consciente dos agrotóxicos e dos EPI’s.

Efeito da Tecnologia sobre a Ciência Desenvolvimento de produtos agrícolas que sejam menos prejudiciais aos homens e ambiente; aperfeiçoamento dos EPI’s

Fonte: Mackavanagh e Maher (1982) apud Santos e Schnetzler (2003).

Na elaboração do quadro em questão, os professores centravam suas análises sobre a natureza da ciência, da tecnologia e da sociedade e dos efeitos que cada um desses eixos estabelece sobre o outro.

Na estrutura do quadro, verifica-se que as reflexões CTS se estabelecem numa teia de relações que possibilita ao docente desenvolver sua prática pedagógica articulando as discussões sobre a controvérsia demonstrando aos alunos como as atividades científicas e tecnológicas interferem no contexto social.

Nesse foco, a temática controversa contribuiu para aproximar as discussões entre as áreas, no processo de desenvolvimento da formação cidadão dos alunos, com perspectivas à alfabetização científica e tecnológica (SANTOS; SCHNETZLER, 2003; CHASSOT, 2010).