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AS CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS CLÁUSULAS DE HARDSHIP À LUZ DA

No documento A cláusula de Hardship numa visão comparada (páginas 115-118)

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS COMERCIAIS

1.2. AS CARACTERÍSTICAS COMUNS DAS CLÁUSULAS DE HARDSHIP À LUZ DA

É possível conceber características comuns entre as cláusulas de hardship concebidas a partir dos Princípios UNIDROIT ou da cláusula-tipo de hardship da CCI. De partida, assume a cláusula de hardhsip o desígnio de um «instrumento de conservação do negócio jurídico448». Isto porque, como efeito primeiro da confirmação de hardship, quando se cumprirem, dentre outras, a condição de ter a sua execução contratual se tornado excessivamente onerosa para uma das partes em virtude de uma modificação das circunstâncias económicas fundamentais daquela contratação, traz como dever às partes investirem em tratativas para renegociarem o contrato449. Nesta medida, os contratantes terão de se esforçar para readaptar os termos contratuais e assim ao menos tentar viabilizar a conservação da fase de execução do contrato para que possam obter os benefícios, conforme foram intentados aquando do fecho da contratação, o que demonstra ser a cláusula referida, desenhada com a finalidade de proporcionar a longevidade do contrato.450

Reflete, a cláusula de hardship, a intenção não só de atender ao interesse económico respeitante as atividades comerciais, mas também de funcionalização do contrato. Tendo em vista que o contrato contemporâneo somente será funcional se lograr êxito em relacionar a segurança que se pretende no tráfego jurídico, com valores como o equilíbrio do contrato e a justiça social, que através dele deve se operar451. Disto se extrai o senso de justiça contratual subjacente à cláusula de hardship452 (sobretudo porque esta imprime a ideia de que ninguém contrata para experimentar prejuízos). Na hipótese de se vir a configurar uma alteração fundamental das circunstâncias, nos termos da cláusula, deverá haver uma readaptação do conteúdo do contrato. Eis que o que

448 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339.

449 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339 e ss ; GLITZ, Frederico

Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 137 e ss.; COSTA, José Augusto Fontoura/NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas de força maior e de hardship nos

contratos internacionais. In Revista de Direito Mercantil, n 97. São Paulo. RT, janeiro/março,

1995, p. 77.

450 OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos privados…, 2015. p. 339 e ss ; GLITZ, Frederico

Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008, p. 137 e ss.; COSTA, José Augusto Fontoura/NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas…, 1995, p. 77.

451 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 179 e ss. 452 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 149 e ss.

se pretende é conciliar o interesse individual da parte com a necessidade social453 e, diante do contexto internacional, com os demais princípios concebidos com o fito de promover ou permitir a circulação de riquezas.

De mais, pode-se considerar deter tal cláusula um componente moral454, o qual se faz presente por meio do apelo à equidade, que compõe o processo de remodelação do clausulado. Apesar de não constar menção expressa à equidade, ela atua como sinalizadora do caminho que a adaptação do contrato deverá perseguir. Nesta medida, com fundamento na equidade, levando-se em conta as circunstâncias do caso concreto455, dar-se-á a correção do contrato por intermédio da atuação do julgador, seja judicial ou arbitral, notadamente para que não haja locupletamento de uma das partes em detrimento da outra456.457

453 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula…p. 5; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos Privados…2015. p. 340 e ss.

454 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Os contratos …, 2008, p. 154.

455 ASCENSÃO, José de Oliveira. O Direito: Introdução e Teoria Geral. 13ª ed. Coimbra:

Almedina, 2006, p. 246.

456 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula… p. 6; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos Privados…2015. p. 341 e ss.

457 A equidade ainda hoje remete a ideia de justiça do caso concreto. Nesta medida, o julgador,

ao decidir terá de se preocupar apenas com o caso que lhe é trazido, sem, no entanto, ter de ponderar a necessidade de adotar a mesma decisão para caso que, mais tarde, venha a ter de decidir (Cfr: CORDEIRO, António Menezes. A decisão segundo a equidade. In: O Direito. a. 122, v. 2, p. 261-280, 1990. p. 267. CORDEIRO, António Menezes. Tratado… , 2012, p. 598-560). Quando oportunizado recurso à equidade como critério de decisão à luz das circunstâncias do caso deverá, o julgador, solucionará a problemática de forma bastante particular e com o intuito de chegar ao mais próximo do que seria a justiça para a situação em voga (Cfr: VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado..., 2015, p. 139-142). Especialmente porque a equidade se trata de uma «régua maleável» e não rígida como a norma positivada (Cfr: ASCENSÃO, José de Oliveira.

O Direito..., 2005, p. 246). no âmbito da decisão que deverá ser tomada pelo julgador em razão

de hardship, caberá ao tribunal, ao decidir fundado na equidade, considerar o contrato real, fruto da autonomia privada das partes e ainda, aquilo que ele deveria ser diante das circunstâncias alteradas. Aquando da decisão deverá fazer um cotejo entre as duas situações referidas para definir o que prevalecerá, se o contrato modificado ou a extinção da relação contratual. Ainda, a decisão deverá se dar de modo a não contundir com o princípio da boa-fé, eis que este é princípio que norteia as relações negociais internacionais. Também, deverá ser feita de forma a se tentar reaver a equivalência entre as prestações. Por esta razão não está em cogitação, através da modificação que porventura vier a se operar pelo tribunal, possibilitar que a parte lesada venha realizar as mais-valias que previa e que poderiam ter sido computadas no caso de não ter se operado situação de hardship. E, por esta mesma razão, quando se operar a modificação a parte lesada sempre sofrerá algum prejuízo ou, ao menos, um não-lucro. (Cfr: Neste sentido MENEZES CORDEIRO, ao falar da equidade no âmbito da alteração das circunstâncias. CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1105-1106 e ss). No entanto, no caso de ter o contrato perdido a sua razão de ser porque não era mais possível reaver o equilíbrio contratual, a resolução contratual será a medida a se impor (Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida,

Direito..., 2009, p. 348-349). Sobretudo, porque o que se pretende ao admitir a intervenção de

um terceiro no âmbito de um contrato internacional é a individualização da justiça do caso concreto. Todavia, assim não deverá decorrer quando dela resultar uma injustiça ainda maior do que àquela que adviria com a revisão contratual (Também neste sentido pondera MENEZES CORDEIRO ao tratar da equidade no âmbito da alteração das circunstâncias no direito português. CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017, p. 567).

Para além disto, trata-se a cláusula de hardship de cláusula flexibilizadora e dinâmica. Flexibiliza à parte prejudicada reduzir os danos que viria a sofrer em razão de uma alteração fundamental das circunstâncias do contrato no caso de ter de cumprir o contrato alterado, através da remodelação contratual458. De mais, flexibiliza também a noção de que o contrato é algo inatingível, que representa pontos de interesses opostos entre os contratantes, sobretudo porque trata a relação contratual como uma relação em que há manifestação de interesses comuns dos contratantes, no decorrer de sua evolução459. Ainda, reforça a ideia de se tratar o contrato de um instrumento de consecução de objetivos mútuos e de interesses recíprocos, pelo que sua execução, por vezes, será mais vantajosa do que sua extinção, mesmo que readaptados os seus termos à nova realidade, o que traz à cláusula um cunho colaborativo.

Do mesmo modo, é dinâmica e, por consequência, considerada como cláusula-processo. Eis que concede às partes, através do exercício da sua autonomia privada, a oportunidade de «converter uma relação estática em uma relação evolutiva». Estabelece o modo que operar-se-ão soluções para a avença no decorrer da execução contratual, fazendo com que permaneça em nas mãos dos contraentes a forma que poderá decorrer a evolução do contrato460. E mais, somente se torna perfeita no decurso da execução do contrato, muito embora os elementos essenciais para a adaptação do contrato no caso de hardship devam constar determinados, ou ao menos determináveis antes da fase de execução do contrato.461

Outrossim, detém a expressão do princípio da boa-fé, pois condiciona a colaboração que se dará aquando da renegociação à luz da boa-fé462. A boa-fé impregnada nas cláusulas de hardship se trata da boa-fé obrigacional, também chamada de objetiva. Este sintagma não traduz uma condição psicológica, um

458 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula… p. 5-6; OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos Privados…, 2015. p. 340 e ss.

459 COSTA, José Augusto Fontoura /NUSDEO, Ana Maria de Oliveira. As cláusulas…, 1995, p.

87.

460 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula… 2010. p. 18.

461 MOSER, Luiz Gustavo Meira. A cláusula…, p. 5-6. OLIVEIRA, Fernando Baptista de. Contratos Privados…, 2015. p. 340 e ss.

estado de fato, no sentido de «estar de boa-fé», situação esta que, por antinomia, viria a ser tratada como má-fé. Contudo aponta, de forma concomitante, para:

«um instituto ou modelo jurídico (estrutura normativa alcançada pela agregação de duas ou mais normas); a um standard ou modelo comportamental pelo qual os participantes do tráfico jurídico obrigacional devem ajustar o seu mútuo comportamento (standard direcionador de condutas, a ser seguido pelos que pactuam atos jurídicos, em especial os contratantes); e a um princípio jurídico (norma de dever ser que aponta, imediatamente, a um «estado ideal de coisas»)463».

Nas cláusulas de hardship a função da boa-fé obrigacional é de «ajustamento do conteúdo do contrato», «direcionando-o e ajustando-o à licitude». Nesta medida, deve haver um direcionamento das condutas dos contratantes aquando da renegociação do contrato desequilibrado – desequilibrado em razão do advento de dadas circunstâncias supervenientes -, o qual se perfaz por um standard comportamental que determina o ajustamento da própria conduta conforme faria um sujeito reto, honesto, leal e probo.464

1.3. ENSAIOS CONCLUSIVOS SOBRE A TEORIA DO HARDSHIP NO

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