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As exigências da solução positiva frente à sistemática jurídica portuguesa

CAPÍITULO I: DA CLÁUSULA (DOUTRINA) MEDIEVAL ‘REBUS SIC STANTIBUS’ ÀS

1.4. A SOLUÇÃO PORTUGUESA

1.4.1. As exigências da solução positiva frente à sistemática jurídica portuguesa

Primeiramente, a inteligência dos artigos em atenção, pela natureza da norma, respeita aos contratos de execução continuada, os quais podem conter obrigações reiteradas ou prestações de execução divididas. Assim como àqueles que comportem execução instantânea, contanto que diferida66/67. A aceitação incide com relação aos contratos bilaterais, bilaterais imperfeitos e também unilaterais. Contudo, desde que sejam verificáveis todos os pressupostos exigíveis para a eficácia do instituto, os quais serão enumerados na sequência68.

Do mesmo modo se aceita a inteligência da norma aos contratos aleatórios, de execução continuada69. Contratos estes que têm a álea, a sorte, como fator de risco principal e que detém ao menos uma das prestações incertas70. Poderá o instituto da alteração das circunstâncias incidir sobre estes

65 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 336 e 342-343.

66 Afirma, CORDEIRO, António Menezes. Tratado de Direito Civil. 3ª. ed. Coimbra: Almedina,

2017. v. IX p. 533 e ss, veementemente que se exclui da temática da alteração de circunstâncias os contratos de execução imediata.

67 Pela aceitação do instituto da alteração de circunstâncias aos contratos de execução

continuada: SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo 876/12.9TVLSB.L1.S1. Lisboa, 26 de janeiro de 2016; TRIBUNAL da Relação de Guimarães. Processo 1387/11.5TBBCL.G1. Julgamento em 31 de janeiro de 2013.

68 Neste sentido: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 343; LIMA, Fernando

Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código Civil Anotado. v. 1. 4. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 1987. p. 412-416.

69 Sobre os contratos comutativos de execução continuada não há divergência, pois estes detêm

as prestações bem definidas já na celebração do contrato e todos os aspectos contratuais são devidamente determinados, não havendo riscos atinentes ao negócio que não restem bem definidos.

70 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações. v. I. 14ª ed. Coimbra:

quando a modificação exceder, excepcionalmente, o âmbito da álea contratual típica, que se puder verificar e definir.71

De mais disto, deverá ser demonstrado ter havido alteração anormal, decorrente de situação excepcional e superveniente, nas circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar. São entendidas por circunstâncias que fundaram a contratação aquelas, existentes aquando da celebração do contrato, e que tenham sido causais, objetivas, ao tempo da contratação72.

Diz-se que as circunstâncias a que a norma se refere, cuidam-se das que compõem a base negocial objetiva73/74, em que ambas as partes fundaram

71 Neste sentido: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 344.; SERRA, Adriano Paes

da Silva Vaz. Resolução..., 1957, p. 35-87. VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 370.; LEITÃO, Direito... vol. II, 2017, p. 131.; FRADA, Manuel A. Carneiro da. Crise financeira

mundial e alteração das circunstâncias: contratos de depósito vs. contratos de gestão de carteira.

In: Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Sérvulo Correa. v. 3. Coimbra: Almedina, 2010. p. 481-482.; SILVA, João Calvão. Contratos Bancários e Alteração das circunstâncias. In: Boletim da Faculdade de Direito, Coimbra, v. 90, tomo 2, 2014, p. 539-566.

72 Ainda, leciona CORDEIRO, António de Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555-556, que a falsa

representação da base do negócio leva ao erro, previsto no artigo 252º, nº 2 do Código Civil. Diversamente, no âmbito do artigo 437º não há erro. As partes contratantes tinham presente determinada realidade, seja ou pela natureza das coisas ou, ainda que não o digam, porque este conhecimento se prova, a qualquer título.

73 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129; Refere o que é a base

do negócio que está em causa no âmbito da alteração de circunstâncias: SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1. Julgamento em 10 de outubro de 2013.; TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de setembro de 2014.

74 A despeito de haver entendimento no sentido de que a delimitação das circunstâncias deve se

dar com recurso à base do negócio, CORDEIRO, António Menezes de. Da boa fé... 2015, p. 1056, 1088, 1091-1092 e 1106 e ss, entende que a base do negócio é uma fórmula vazia reconhecida, mormente porque uma série diferenciada de doutrinas, trouxeram inúmeras explicações do que se deve entender por base do negócio, porém não foram capazes de esclarecer o que se pretende com este conceito até o fim. Por esta razão, ensina que a determinação das circunstâncias com recurso à base do negócio não é medida de solução. Defende, no entanto, que a delimitação das circunstâncias para fins de modificação ou resolução contratual por alteração de circunstâncias deve ser determinada em concreto e a nível normativo, com recurso à boa fé – desde que para a boa-fé se encontre um conteúdo material. Isto porque, somente interessarão para fins da incidência do preceito nº 437º do Código Civil as circunstâncias que, quando atingidas, tornarem a exigência do cumprimento do negócio contrária aos princípios da boa-fé. Não obstante, leciona ainda que a impossibilidade subjetiva do cumprimento do contrato pelo devedor não pode motivar o recurso aos preceitos que tratam da alteração das circunstâncias, uma vez que a alteração diz respeito ao circunstancialismo que circunda o contrato, objetivamente considerado. E mais, o faz neste sentido interpretando que os ensinamentos do art. 791º do Código Civil, que dispõe sobre a hipótese de extinção da obrigação nas situações em que o devedor restar impossibilitado de cumpri-la e não puder se fazer substituir por terceiro - ou seja, que tratam da impossibilidade subjetiva do devedor -, excluem a possibilidade de abranger, o artigo 437º e seguintes, a hipótese de alteração fundada na impossibilidade subjetiva. Em que pese o posicionamento constante do livro «Da boa fé no

Direito Civil», em obra mais recente, refere o mesmo autor que as circunstâncias relativas ao

instituto da alteração das circunstâncias concentram-se na base negocial objetiva. Nesta medida, assegura, estar em causa, nos termos da lei, o circunstancialismo objetivo, que integra a base do negócio objetiva, ou seja, as circunstâncias em que as partes assentaram, objetivamente, a decisão de contratar. Garante que não relevam: i) superveniências a nível de aspirações

a contratação. Não sendo, entretanto, importantes para fins de eficácia destas normas75 alterações supervenientes a nível de aspirações subjetivas das partes - que compõem a base negocial subjetiva -76, ou seja, aquelas derivadas da falsa representação das partes acerca das circunstâncias presentes ou futuras. Do mesmo modo também não são aquelas que apesar de existentes não sejam causais relativamente à celebração do negócio77.78

Devem ainda, as circunstâncias alteradas terem sido significativas para levar as partes à contratação da forma que fizeram, de modo que se fossem outras as circunstâncias causais existentes no momento da contratação, possivelmente, as partes não teriam contratado nos termos em que contrataram79/80. Em verdade, o que está em causa aqui é o desequilíbrio ocasionado pela alteração nas circunstâncias que fundaram a contratação.

subjetivas extracontratuais das partes, sendo necessária a ocorrência de uma superveniência que afete o contrato e que implique em mudanças para ambos os contratantes; ii) modificações no campo das aspirações contratuais de apenas uma das partes, uma vez que o que está em causa é o contrato como um todo e não as esperanças de lucro, ou de não perda, de somente um dos intervenientes (Cfr. CORDEIRO, António Menezes. Direito... v. IX, 2017, p. 555).

75 A despeito de respeitáveis razões que sustentam posições diversas, no sentido de admitir que

as circunstâncias alteradas devem se apresentar notórias, segundo o fim típico do contrato em voga, e que estas deverão compor tanto a base negocial subjetiva, quanto a base negocial objetiva. E mais, que explicam concentrar-se na base negocial subjetiva os fundamentos - que tenham sido representados mental e psicologicamente pelas partes contratantes aquando das negociações ou que comportem razoável notoriedade - necessários para orientar, de forma comum, o fechamento do negócio. Ainda, que na base negocial objetiva, concentra-se o conjunto de circunstâncias que são objetivamente respeitantes a relação negocial em atenção, mesmo que não haja consciência das partes contratantes a respeito destas, sob pena de o fim do negócio sobejar frustrado ou desequilibrado na sua origem (Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida.

Direito..., 2009, p. 328, nota 1 e p. 337; PINTO, Carlos da Mota. Teoria..., 2012, p. 611-612;

VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria..., 2015, p. 371). Considera-se, para que haja a inteligência da norma, apenas as circunstâncias que compõem a base negocial objetiva. Isto, no mesmo sentido que leciona CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555 e que fora retro explicitado. Sobretudo porque recorrer ao subjetivismo para determinar as circunstâncias é rejeitado pela Ciência Jurídica mais recente.

76 Neste sentido: LEITÃO, Luís Manuel de Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129.

77 Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 328, notas 1 e p. 337; PINTO, Carlos

da Mota. Teoria..., 2012, p. 611-612; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria..., 2015, p. 371.

78 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado. Vol II. Almedina: Coimbra, 2017, ISBN

9789724071206, p. 235 e ss; SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo 187/10.4TVLSB.L2.S1.

79 ASCENSÃO, José de Oliveira. Onerosidade excessiva por “alteração de circunstâncias”. In:

Estudos em memória do Professor Doutor José Dias Marques. Coimbra: Almedina, 2007. p. 516.

80 Considera, COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 337, a boa-fé critério para aferir

a gravidade da alteração. Nestes termos, ressalta que cabe observar se o contratante que pleiteou a resolução ou revisão contratual por alteração de circunstâncias aceitaria ou deveria aceitar, se agindo de boa-fé, vincular-se à contratação nos moldes que sua base se apresenta diante das novas circunstâncias vigentes. Também neste sentido contribui CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 558, na medida em que admite importar a boa-fé na determinação das circunstâncias que, ao serem afetadas, possibilitam a utilização do disposto no art. 437º e ss. do Código Civil. Isto, porque somente importarão as circunstâncias que, ao se modificarem, afetem gravemente a boa-fé.

Assim se entende porque nas situações em que houver a quebra da base do negócio, como consequência, haverá um desequilíbrio no contrato como um todo. Por esta razão, ambas as partes serão atingidas em seus cálculos porque afetada a lógica do negócio. Ainda, a relação negocial modificada, tornar-se-á, em verdade, uma não-relação. Isto porque não mais haverá correspondência com as circunstâncias, objetivamente consideradas, as quais ensejaram a contratação.81

Outrossim, a alteração a relevar deve ser anormal, nesta medida, significativa82. A anormalidade da alteração se define por excepcional, haja vista que será anormal a modificação que esquivar à regra, porque não provável de acontecer e, em virtude da sua excepcionalidade, causar uma proeminência com relação ao que ocorreria quando se seguisse o curso ordinário da contratação ou dos fatos. Nos resultados a anormalidade da alteração, em regra, coincidirá com a imprevisibilidade da alteração – quando considerada a imprevisibilidade objetivamente - tendo em vista que, porque excepcional, extraordinária àquele tipo de contratação, não poderia ter sido prevista pelas partes83/84. São exemplos

81 CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 555; ASCENSÃO, José de Oliveira. Onerosidade..., 2007, p. 522-524 e 526-527; «A questão que é colocada pelo instituto da alteração das circunstâncias no caso concreto é a de saber se as partes contratariam como contrataram se soubessem que as vendas das moradias aos clientes finais nos prazos previstos e por preços superiores aos pagos pelos Réus seria praticamente impossível: é por demais evidente que não o fariam, nem uma nem outra.» Cfr: TRIBUNAL da Relação de Lisboa.

Processo n. 1320/11.4TVLSB.L1-8. Julgamento em 19 de fevereiro de 2015.

82 VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss.

83 COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 338; LEITÃO, Luís Manuel Teles de

Menezes. Direito... vol. II, 2017, p. 129; CORDEIRO, António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 556.

84 Identifica, COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 338, que a boa-fé assume papel

relevante também no âmbito da anormalidade. Por esta razão, diz que seria contrário à boa-fé exigir que a parte fique vinculada ao contrato modificado diante de uma alteração anormal, a qual, nem sempre nos resultados, coincidirá com a imprevisibilidade, em razão da boa-fé. Isto porque, quando a boa-fé assim exigir, uma alteração anormal, embora previsível, poderá ensejar a resolução ou modificação do contrato por recurso à norma da alteração das circunstâncias. Elucida a questão referida através do exemplo do aluguel de uma janela para assistir ao cortejo. Nesta situação refere que pode ser previsível que o cortejo não venha a se realizar ou que modifique o trajeto a executar. Mas seria o caso de possibilitar a resolução (ou revisão, se couber) do contrato, porque seria contrário à boa fé exigir que a parte permaneça vinculada àquela contratação que tinha como fim possibilitar-lhe assistir ao cortejo que se sabe, não irá mais passar pelo local em que contratou o aluguel da janela. De forma semelhante entende VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 372. Tal se nota, ao referir a inexistência de confusão entre os conceitos de anormalidade e imprevisibilidade, na medida em que nem tudo o que é anormal (excecional), pode ser previsto ou imprevisível. Para melhor explicar a questão cita o seguinte exemplo: é normal que um partido do Governo ganhe as eleições e também que as perca, porém não é normal que haja uma revolução ou uma outra ruptura constitucional. Também considera que a boa-fé vai intervir na concretização da anormalidade CORDEIRO,

de situações que se mostram excepcionais para a sistemática jurídica portuguesa e podem desequilibrar o contrato porque capazes de desencadear a quebra de sua base objetiva do negócio: ocorrência de uma revolução ou deflagração de um estado de guerra; alterações legislativas inesperadas; mudança radical nos pressupostos de fato determinantes à celebração do contrato85/86.

Igualmente, a modificação no seio do contrato deve ser subsequente à celebração do negócio, o que implica em considerar a superveniência da alteração. Caso não fosse nestes termos considerados estar-se-ia possibilitando adentrar à temática do erro87, constante dos artigos nº 251º e 252º do Código Civil88 situação que leva à anulação do contrato e não à resolução ou modificação por alteração de circunstâncias.89

Ademais, a alteração das circunstâncias deve ocasionar lesão, dano, para uma das partes, seja no plano patrimonial, seja no plano pessoal. Sob pena de, por não provocar prejuízos no domínio contratual, ser irrelevante90. Para se aferir a lesão necessário se ter em conta a perturbação no equilíbrio contratual

António Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 558, uma vez que diz que modificações admissíveis à partida ou de significado menor não afetam gravemente a boa-fé.

85 Ainda, a depender da dimensão de uma crise econômica mundial - como exemplo a crise que

eclodiu em 2008 -, em que nem os mais reputados estudiosos da área pudessem ou conseguissem prever, pode ela ser considerada uma grande alteração de circunstâncias. Neste sentido: FRADA, Manuel A. Carneiro da. Crise..., 2010, p. 492-494.

86 Considerando a crise financeira que se instalou a partir de 15 de setembro de 2008 como

situação excecional e superveniente a contratação capaz de desequilibrar o contrato e dar vasão a aplicação do instituto da alteração de circunstâncias, cfr: SUPREMO Tribunal de Justiça. Processo nº 1387/11.5TBBCL.G1.S1. Julgamento em 10 de outubro de 2013.

87 Posiciona-se VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 368 e 371, no sentido de que

é requisito para a alteração das circunstâncias a superveniência à celebração do contrato. Ainda neste sentido posicionam-se ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 3; ASCENSÃO, José de Oliveira. Onerosidade..., 2007, p. 515-517; LIMA, Fernando Andrade Pires de; VARELA, João de Matos Antunes. Código..., 1987, p. 412-416. Pronunciam-se MOTA PINTO e ALMEIDA COSTA no sentido de desconsiderar a superveniência do evento como requisito para a invocação do artigo 473º do Código Civil Português, admitindo, ALMEIDA COSTA, ser desnecessário que o fato gerador da alteração se inicie somente depois da celebração, mas exige que os efeitos deste fato somente se apresentem após (Cfr: PINTO, Carlos da Mota.

Teoria..., 2012, p. 610; COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 336; CORDEIRO,

António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1090 e ss).

88 A lei distingue o erro quanto à pessoa do declaratário e o erro com relação ao objeto do negócio

(art. 251º Código Civil); assim como há erro sobre os motivos determinantes da vontade (que não reporta à pessoa do declaratário e nem ao objeto do negócio) e o erro sobre a base do negócio (art. 252º Código Civil) (Cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1085 e ss).

89 Refere sobre a necessidade de ser a alteração superveniente: TRIBUNAL da Relação de

Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de setembro de 2014.

ocasionada pela alteração das circunstâncias91. Isto, na medida em que a lesão de uma das partes deve ser de tal ordem a determinar o surgimento de um desequilíbrio, particularmente intenso, no contrato.92

Por isto, importa verificar se o contrato alterado é capaz de colocar a pessoa em expressiva dificuldade, ou seja, se houve uma excessiva onerosidade da prestação. Ainda, se a lesão ocasionada trouxe para a parte lesada outros prejuízos como grandes riscos pessoais ou excessivos sacrifícios de natureza não patrimonial. Exigir o cumprimento do contrato alterado no caso de lesão a uma das partes é contrário aos ditames da boa-fé, nesta medida, atuar nestes moldes é assumir um padrão de conduta desleal, desonesto e desarrazoado.93

Outrossim, para fins de incidência da norma, somente importarão as circunstâncias alteradas que não respeitarem aos riscos próprios do contrato94, ou seja com relação aqueles que não tenham sido assumidos de forma expressa, sejam implicitamente atribuídos aos contratantes. A verdade é que todos os contratos comportam riscos respectivos à relação negocial e ainda que estes riscos poderão ser balizados pelas partes na oportunidade da contratação em concreto, de forma a determinar a tomada de maiores ou menores riscos a cada uma delas95. Todavia, somente diante daquilo que for anormal, que exceder a

91 Importante notar que a lesão no Direito português deve ser verificada pelo desequilíbrio,

diferentemente do que ocorre com o Direito comum brasileiro e Italiano, que coloca a lesão na onerosidade excessiva de uma parte em relação a outra (Cfr. CORDEIRO, António Menezes.

Tratado... v. IX, 2017, p. 558). Não obstante, designadamente no domínio do direito brasileiro,

esta questão da lesão vem sendo relativizada, sobretudo por força do Enunciado nº 365 do Conselho de Justiça Federal, consoante se verificará na sequência (Cfr: CONSELHO da Justiça Federal. IV Jornada de Direito Civil. Enunciado aprovados. [Em linha]. Disponível em: http://www.cjf.jus.br/enunciados/enunciado/483. Acesso em: 20 de set. 2017).

92 Cfr: ASCENSÃO, Oliveira. Direito Civil Teoria geral: Relações e Situações Jurídicas. v. 3.

Coimbra: Coimbra Editora, 2002. p. 200; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito.. vol. II, 2017, p. 130 e ss; VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria... 2015, p. 372; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss; Refere que a lesão ocasionada para uma das partes deve ser capaz de provocar um desequilíbrio entre prestação e contraprestação: TRIBUNAL da Relação de Lisboa. Processo n. 400/14.9YRLSB.L1-2. Julgamento em 18 de setembro de 2014.

93 Cfr: COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito..., 2009, p. 339.; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 3; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2017, p. 236 e ss. 94 Segundo CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé... 2015, p. 1107 e ss; CORDEIRO, António

Menezes. Tratado... v. IX, 2017, p. 561, a referência constante no dispositivo acerca das circunstâncias estarem fora dos riscos do contrato não assume relevância. Isto porque, quando a superveniência da alteração ocorrer em circunstâncias integrantes à álea normal do contrato, a exigência das obrigações assumidas não seria contrária aos ‘princípios da boa fé’ de modo que restaria obstado o recurso aos preceitos dos artigos 437º a 439º do Código Civil, mesmo que não houvesse referência ao risco.

álea típica do contrato, da relação negocial, é que se colocará o problema da manutenção do contrato alterado96/97.

Por fim, o artigo 438º do Código Civil exige, expressamente, que para a eficácia da norma da alteração das circunstâncias, não pode existir mora por parte do lesado. A mora aqui referida cuida-se da mora culposa98. Em situações de mora culposa caberá a própria parte lesada suportar seus efeitos. Eis que, se tivesse a parte cumprido com sua obrigação em tempo, teria gozado da condição de fazê-lo antes das circunstâncias se alterarem99, contudo, preferiu assumir o risco da verificação de posteriores desequilíbrios100.

Quando o contrato restar desequilibrado em virtude de acontecimento superveniente que o alterou e esta alteração lesionar uma das partes, concomitantemente, quando ficarem devidamente comprovados todos os requisitos e pressupostos legais alhures referidos, fica a parte lesada autorizada a requerer a resolução ou modificação do contrato por alteração de circunstâncias101. Deste modo, o sinalagma contratual originário poderá ser retomado e consequentemente o seu equilíbrio original. Ou ainda, poderão as partes desvincular-se da obrigação assumida, mesmo no caso de não haver um colapso patrimonial. Isto decorre porque, para além de todos os demais