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As exigências da solução positiva em matéria de Direito do Consumidor

CAPÍITULO I: DA CLÁUSULA (DOUTRINA) MEDIEVAL ‘REBUS SIC STANTIBUS’ ÀS

1.5. A SOLUÇÃO BRASILEIRA

1.5.1. As exigências da solução positiva em matéria de Direito do Consumidor

A despeito de não serem o foco principal deste trabalho as relações consumeristas, ainda que sejam estas relações civis, cabe, primeiramente, referir a solução trazida para os contratos consumeristas, haja vista a relevância que este desenvolvimento teve para o instituto da onerosidade excessiva superveniente adentro do contexto jurídico brasileiro e ainda porque é também solução positiva trazida por este sistema de direito.

De antemão deve-se ter em atenção que os dispositivos deste regramento se aplicam tão somente aos consumidores nas relações de consumo, relação entre desiguais, não sendo, entretanto, extensível a disciplina aos fornecedores. Assim decorre primeiro porque o fornecedor é um profissional que assume, na contratação, maiores riscos que o consumidor124. Segundo em virtude da vulnerabilidade do consumidor, a qual sustenta toda a linha axiológica do Código de Defesa do Consumidor, doravante CDC, e explica terem sido as normas desta codificação sistematizadas a partir da ideia de proteção do consumidor, posto que é o ponto de partida de toda a teoria e aplicação do CDC.125/126

Consoante a disciplina do CDC, poderá, o próprio consumidor, pleitear pela revisão da(s) cláusula(s) do(s) contrato(s) que tenham se tornado excessivamente onerosa(s) em razão de fatos supervenientes. Neste sentido se

124 Importa ter em atenção que no Brasil, a rigor, a quase totalidade dos riscos nos contratos

consumeristas é tentada de ser repassada aos consumidores. Daí porque a maior proteção legislativa a esta categoria concedida.

125 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Direito do Consumidor. São Paulo: Editora Atlas,

2008, p. 8 e 106.

126 Não obstante, em que pese seja o fornecedor o profissional da relação contratual e não goze

dos mesmos direitos que o consumidor, ele não é imune à superveniência de fato que venha a lhe causar excessiva onerosidade no cumprimento de sua prestação. Nos termos do artigo 4º, inciso III do CDC, a Política Nacional de Relação de Consumo tem por objeto a “harmonização

dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”. Nesta

medida, não se pode conceber que uma relação contratual que deve ser equilibrada vede ao fornecedor, que prejudicado excessivamente pela eclosão de evento superveniente, beneficiar- se de qualquer medida que venha a desonerá-lo da excessiva onerosidade superveniente. Por esta razão, na hipótese de ser afetado por evento superveniente, para invocar o instituto da onerosidade excessiva, deverá fazê-lo consoante o regime regulado no Código Civil – artigos 317º, 478º a 480º do Código Civil -, demonstrando, todos os requisitos exigíveis (Cfr: KHOURI, Paulo R. Direito..., 2013, p. 106).

coloca o artigo 6º, segunda parte do inciso V do referido diploma legal127. Esta hipótese verificar-se-á no âmbito dos contratos consumeristas comutativos de execução continuada, seja periódica ou de execução única, mas diferida.

Ainda que, excepcionalmente, possa haver revisão contratual no âmbito consumerista de contratos findos128, o que demonstra, que em casos excepcionais haverá a possibilidade de revisão dos contratos extintos129. Referida hipótese somente poderá se operar desde que haja demonstração do advento de um evento superveniente, responsável por promover a rutura do equilíbrio económico-financeiro da relação contratual.130

Relativamente ao evento, basta que seja este superveniente. Não é relevante tratar-se de um fato imprevisível, extraordinário, irresistível ou até mesmo que poderia ter sido previsto, mas não foi. Entretanto, ainda que careça da comprovação da extraordinariedade da eclosão do evento, deve este estar fora da álea contratual típica do contrato de consumo. Não é, entretanto, permitido ao consumidor beneficiar-se do instituto da onerosidade excessiva quando a onerosidade decorrer de um risco ordinário ao contrato, nomeadamente porque, muito embora seja o consumidor vulnerável dentro da relação de consumo, não pode ser considerado imune a todos os riscos que possam dela decorrer.131/132

127 «Artigo 6º. São direitos básicos do consumidor: (…) V – a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas; (…)». LEI n. 8.078, de 11 de setembro

de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. [Em linha]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8078.htm>; Acesso em: 05 de Janeiro de 2018.

128 Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) brasileiro, consoante súmula

nº 286, a qual admite a possibilidade de revisão de contratos extintos, quando houver abusividade nos casos de renegociação de contrato bancário e confissão de dívida.

129 Cfr: LYNCH, Maria Antonieta. Da cláusula..., 2009, p. 17; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 107.

130 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 37, 90 e 107; ASCENSÃO, José de Oliveira. Alteração..., 2004, p. 9 ss.

131 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: o novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. 2002. p 783.; NUNES,

Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao Código De Defesa do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 146-147; LYNCH, Maria Antonieta. 2009, Da cláusula..., p. 16-17; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 108; KHOURI, Paulo R. Roque A. Direito do Consumidor:

Contratos, Responsabilidade Civil e Defesa do Consumidor em Juízo. 6. ed. São Paulo: Atlas,

2013. p. 103-104.

132 Cfr: TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal. Apelação Cível nº 20050111058729APC.

Julgamento em 13 de janeiro de 2010, faz referência expressa de que a onerosidade excessiva possibilitada pelo Código de Defesa do Consumidor dispensa a prova da imprevisibilidade e extraordinariedade do evento, sendo tão somente importante a demonstração objetiva de uma onerosidade excessiva superveniente ao consumidor. No mesmo sentido: SUPERIOR Tribunal de Justiça. T3 – Terceira Turma. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 374.351/RS –

Cabe ter em atenção que existe, nas relações de consumo, um sistema diferenciado de riscos. Nestas há uma imposição de risco maior para o fornecedor e de um risco menor ao consumidor. Tanto é assim, que o fornecedor não está autorizado a se valer do artigo 6º, inciso V do CDC para requerer a revisão do contrato de consumo em virtude do instituto da excessiva onerosidade superveniente. De mais, esta distribuição diferenciada que se faz verificável é capaz de distinguir o alcance do instituto trazido pela legislação consumerista, daquele trazido pela lei civil, aplicável aos contratos paritários.133

Ademais disto, necessário que o evento superveniente ocasione desequilíbrio no contrato, capaz de fazer desaparecer o seu fim essencial, a equivalência entre a prestação e contraprestação. Isto, mormente porque houve a quebra da base negocial objetiva e causou excessiva onerosidade ao consumidor.134/135

De mais, não pode o consumidor estar em mora ao tempo do pedido revisional. Mais uma vez, conquanto seja o consumidor vulnerável, permitir a revisão do contrato consumerista de um consumidor em mora, seria forma de privilegiar aquele que deu causa à situação de desequilíbrio superveniente e ainda gerar uma insegurança no âmbito dos contratos de consumo.136

Por fim, a onerosidade ocasionada deve ser expressiva. A despeito de não haver aqui a necessidade de demonstrar que o fato gerou excessiva onerosidade para o lesado e extrema vantagem para a contraparte, não se admite a aplicação do instituto às situações em que tenha sido insignificante a onerosidade.

2001/0150325-9. Julgamento em: 30 de abril de 2002; TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação nº 19990110089935APC. Julgamento em 6 de agosto de 2014.

133 KHOURI, Paulo Roque A. Direito..., 2013, p. 105 134 MARQUES, Cláudia. Contratos..., 2002, p. 783.

135 No caso de leasing em dólar o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul decidiu pela revisão

da cláusula que determinava como índice de correção monetária o dólar norte-americano, em decorrência da desvalorização da moeda nacional com relação à moeda estrangeira, porque houve a quebra da base objetiva do negócio (Cfr: TRIBUNAL de Justiça do Rio Grande do Sul. Apelação Cível nº 70001377498. Julgamento em 19 de outubro de 2000. Também neste sentido: TRIBUNAL de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Apelação 19990110089935APC. Julgamento em 6 de agosto de 2014).

136 ARAUJO NETO, Nabor B. de. A revisão contratual no Código de Defesa do Consumidor: análise do art. 6º, inciso V, da Lei 8.078/90. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, v. 14, n. 88, 2011.

Disponível em: <http://www.ambito-

Corroborados os elementos exigidos, frise-se, de forma cumulativa, poderá o consumidor gozar da revisão de cláusulas que estejam a desencadear excessiva onerosidade. A possibilidade trazida pelo CDC é de revisão contratual e, nos termos deste dispositivo legal, não cabe o pedido de resolução do contrato. Sobretudo em virtude dos princípios da conservação do contrato, da boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores (art. 4º, inciso III do CDC), na reconhecida e tutelada vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, inciso I do CDC) decorrente do princípio constitucional da igualdade (art. 5º, caput da Constituição Federal). Para além disto porque, nos termos do §2º do art. 51 do CDC, sempre que possível deverá prevalecer a manutenção do contrato, mesmo que ele esteja contaminado com cláusulas abusivas ou nulas de pleno direito.137

Para se beneficiar da modificação das cláusulas contratuais em virtude da excessiva onerosidade superveniente deve, o pleito judicial, restar fundamentado de modo a combinar os artigos 6º, inciso V e 51, inciso IV do CDC. Nesta medida, de antemão, caberá o reconhecimento da nulidade da cláusula que uma vez alterada, se tornou abusiva consoante o art. 51, inciso VI do CDC. Havendo a possibilidade de apenas isolar a cláusula contratual abusiva e preservar o contrato, em nome do princípio da conservação do contrato e desde que provocado pelo consumidor nos termos do artigo 6º, inciso V do CDC, poderá o julgador revisá-lo.138/139

O acima referido decorre da regra do artigo 51, §6º do CDC, o qual determina que a nulidade somente afeta a cláusula abusiva e não o contrato como um todo. Relativamente à revisão da cláusula contratual abusiva, por vezes, haverá cláusula supletiva na lei que deverá substituir a cláusula abusiva. Contudo, quando não houver, caberá ao julgador, por equidade, formular nova cláusula a fim de reaver o equilíbrio e a equivalência das prestações. Na hipótese de a nulidade da cláusula afetar o contrato como um todo e não ser possível o

137 NUNES, Luiz Antônio Rizzatto. Comentários..., 2007, p. 190; KHOURI, Direito..., 2013, p. 117. 138 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa..., 2008, p. 163-165.

139 Ressaltando a pretensão de reequilíbrio contratual estar amparada na alegação de nulidade

de cláusula iníqua ou abusiva, a teor do artigo 6º, incisos IV e V, e artigo 51, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor: TRIBUNAL de Justiça de Santa Catarina. Acórdão nº 20130369540 SC 2013.036954-0. Julgamento em 20 de novembro de 2013; SUPERIOR Tribunal de Justiça. T4 – Quarta Turma. Recurso Especial nº 437.660 - SP (2002/0056040-9). Julgamento em 08 de abril 2003.

contrato subsistir sem ela (como, por exemplo, quando a nulidade for declarada com relação a cláusula que trata do objeto, diga-se cláusula essencial para a sobrevivência do contrato) a relação contratual será nula nos termos do artigo 51, inciso IV e §1º, inciso III do Código de Defesa do Consumidor. Situação esta que implica na liberação das partes com relação as suas prestações contratuais, mas por razão diversa daquela que advém do Código Civil. Esta é a solução brasileira para os desequilíbrios supervenientes no seio dos contratos consumeristas.140