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ENSAIOS CONCLUSIVOS SOBRE A TEORIA DO HARDSHIP NO CONTEXTO

No documento A cláusula de Hardship numa visão comparada (páginas 118-122)

CAPÍTULO II: A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS COMERCIAIS

1.3. ENSAIOS CONCLUSIVOS SOBRE A TEORIA DO HARDSHIP NO CONTEXTO

Destarte, do exposto, possível vislumbrar que as cláusulas de hardship de adaptação modeladas a partir dos dispositivos 6.2.1 a 6.2.3 dos Princípios UNIDROIT ou que se cuidem de incorporar a cláusula modelo da CCI trazem, para o contexto do contrato, a teoria do hardship. Subjacente a esta teoria desenvolvida no âmbito internacional465 está o princípio ‘rebus sic stantibus’. Situação que resulta em uma aproximação entra a solução internacional e as soluções trazidas pelos contextos jurídicos nacionais da família jurídica romano- germânica.

463 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé… 2015. p. 261 e 263.

464 MARTINS-COSTA, A boa-fé… 2015. p. 231 e ss, 571 e ss; 590 e ss; ainda sobre a boa-fé,

cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da boa fé… 2015.

Não obstante existam semelhanças entre a solução negociada pelas partes por meio de uma cláusula de hardship, a qual incorpora a teoria do hardship conforme trazido pelas regras dos Princípios UNIDROIT, com as roupagens atribuídas pelos sistemas jurídicos nacionais à cláusula (doutrina) ‘rebus sic stantibus’, mormente romano-germânicos, a solução referida não se confunde.

À partida, porque não há de se falar em um alcance geral no comércio internacional para a regra do hardship, tampouco para a cláusula de hardship. Designadamente porque a primeira somente poderá incidir caso haja acordo entre as partes sobre a incidência do instrumento internacional que a traz (Princípios UNIDROIT) à integração do contrato466/467. E a segunda somente

poderá incidir caso tenha sido expressamente negociada pelas partes. Nesta medida, não se trata a regra referida de um elemento normativo do contrato e não tem uma cláusula de hardship alcance geral.

Ainda porque enquanto na maioria dos sistemas jurídicos nacionais romano-germânicos analisados a eficácia das regras que trazem soluções para os casos de alterações das circunstâncias se dê no sentido de revisão ou resolução do contrato, com exceção de França. Nos termos da teoria do hardship desenvolvida no domínio internacional o efeito principal da incidência dos dispositivos que a trazem é a renegociação contratual e não a revisão por terceiro. Isto implica dizer que terão as partes de acertar os novos termos do contrato quando reconhecida a existência de hardship, sem haver, contudo, necessariamente, a intervenção de um tribunal, seja arbitral ou judicial, para se chegar a um novo termo no contrato.

466 PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005, p. 219.

467 Não obstante assim se entenda, através da decisão da Corte de Cassação Belga no caso Scafom International BV vs Lorraine Tubes s.a.s., se pode notar entendimento de forma diversa.

Eis que esta Corte considerou um alcance geral aos Princípios UNIDROIT no momento da integração contratual, pois entendeu, mesmo não tendo as partes escolhido vincular-se aos Princípios referidos, recuso a regra que traz solução para os casos de hardship. Cfr: SUPREME Court. Court of Cassation. Scafom International BV v. Lorraube Tubes S.A.S), 19 de Junho de 2009. [Em linha]. Disponível em: http://cisgw3.law.pace.edu/cases/090619b1.html. Acesso em: 04 de jul. de 2018.

PARTE III

A CLÁUSULAS DE HARDSHIP E OS DIREITOS NACIONAIS

Conforme demonstrado na parte antecedente, deparou-se a prática contratual internacional, para atender aos anseios dos contratantes internacionais e diminuir a insegurança no tráfego internacional, com a necessidade de desenhar soluções às situações de hardship468, por dois motivos principais: primeiramente em razão do amplo privilégio concedido ao princípio ‘pacta sunt servanda’ no contexto do comércio internacional e depois porque quando não existissem cláusulas negociadas pelas partes prevendo soluções para desequilíbrios supervenientes no seio dos contratos, as questões de dificuldades para o cumprimento acabariam por ser levadas para serem resolvidas pela legislação a ser aplicável ao caso concreto, situação esta que desencadearia uma insegurança aos contratantes469.

A solução empregada neste ambiente jurídico se deu, todavia, através de instrumentos e cláusulas contratuais que expressam a doutrina do hardship nas negociações internacionais, às quais passou-se a chamar de cláusula de hardship. Relativamente à cláusula de hardship fora ganhando forma delimitada com o decorrer dos anos e com o avanço dos instrumentos internacionais. Em um primeiro momento a conceituação de hardship e os efeitos a se produzirem em caso de hardship foram trazidas nos próprios clausulados, e desenhados em decorrência do exercício da autonomia privada dos contratantes. Em um segundo momento, sobretudo com o desenvolvimento dos Princípios UNIDROIT no ano de 1994, houve expressão do conceito de hardship por meio das regras neste instrumento contidas e uma consequente padronização relativamente a estas cláusulas, não restando, entretanto, prejudicado o exercício da autonomia privada dos contratantes, eis que não sobejam estes estritamente vinculados aos termos trazidos.

468 Para mais notas sobre a cláusula de hardship, confrontar: FUCCI, Frederick R. Hardship…

2006, p. 02-11.

469 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação… 2008, p. 157. Também referindo

que sendo o contrato silente no que toca previsões para as partes no caso de hardship, havendo alteração fundamental das circunstâncias que fundaram a contratação, será a questão submetida a lei a que se submete o contrato: FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006, p. 11.

A despeito de ter sido a cláusula modelada para atender aos anseios do tráfego jurídico comercial internacional, nada obsta, contudo, que seja esta adaptada a fim de atender também as necessidades dos contratos comerciais sujeitos a determinadas jurisdições nacionais. Isto, mais uma vez e de partida em decorrência do exercício da autonomia privada dos contratantes.

É acerca da possibilidade de negociação de cláusulas de hardship, de forma válida e eficaz e interesse em negociá-las nos contratos civis das ordens jurídicas portuguesa, brasileira, inglesa e norte-americana; de mais, da cláusula como expressão da interação dos sistemas jurídicos que se passa a tratar adiante. A restrição a estas jurisdições ocorre porque não seria viável dar conta de forma exitosa, neste trabalho, em razão das especificidades integrantes a cada um dos ordenamentos jurídicos que são responsáveis por desencadear variações na relação havida entre a heteronomia e a autonomia privada, das peculiaridades dos variados sistemas.

Relativamente à família jurídica romano-germânica, os ordenamentos que a esta integram comportam estruturação complexa, baseada em princípios e valores fundantes de todo o sistema, que variam a depender do país que se esteja a falar. Deste modo, não há que se falar no mesmo alcance para, muitas vezes, os mesmos princípios, o que acaba por se revelar em soluções com alcances diferenciados para problemas equivalentes. Relativamente à família jurídica do Common Law cabe ter em atenção que se estima hoje que um terço da Humanidade viva em países que se estruturam de acordo com o Common Law470, fator que torna inviável análise sobre todos.471

470 Acerca dos países que integram a família do Common Law, refere, Dário Moura Vicente:

«Assim, compreende-se nela, na Europa, o Direito vigente na Inglaterra, no País de Gales, na

Irlanda do Norte e na República da Irlanda (o Direito escocês, como se verá adiante, não pertence a esta família jurídica, visto que constituiu um sistema hibrido); na América, o Direito dos Estados Unidos (à exceção do da Luisiana) e do Canadá (salvo o da província do Quebeque); na Oceânia, o da Austrália e o da Nova Zelândia; e em África, os Direitos da Nigéria, do Gana, da Tanzânia, do Quênia, do Uganda e da Libéria. Na Ásia, há países, como a Índia, o Paquistão e Israel, cujos sistemas jurídicos são fortemente tributários do Common Law inglês; mas, como veremos adiante, não se integram nesta família jurídica, antes constituem igualmente sistemas híbridos, dada a relevância fundamental que assumiram na sua formação os Direitos religiosos (respectivamente o hindu, o muçulmano e o judaico) observados pelas populações locais.» VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado..., 2015. p. 228-229.

471 Cfr: VICENTE, Dário Moura. O lugar…, 2012. p. 19 e ss; p. 39 e ss; VICENTE, Dário Moura. Direito Comparado…, 2015, p. 93-216, 225 e ss; Acerca dos princípios que estão subjacentes a

estes sistemas jurídicos, os quais são considerados como princípios de Direito justo, cfr: LARENZ, Karl. O Derecho…; TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. Identidade do sistema jurídico

brasileiro, recepções de direito e função do direito comparado. In: Revista Brasileira de Direito Comparado. 2009. p. 59 e ss (p.70); CORDEIRO, António Barreto Menezes. Do Trust… 2014, p.

CAPÍTULO I: A INTRODUÇÃO DA CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS

No documento A cláusula de Hardship numa visão comparada (páginas 118-122)