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O papel da solução negociada e as suas implicações

No documento A cláusula de Hardship numa visão comparada (páginas 134-152)

CAPÍTULO I: A INTRODUÇÃO DA CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SUJEITOS

1.1. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO

1.1.2. O papel da solução negociada e as suas implicações

Devidamente negociada cláusula de hardship válida e eficaz perante o ordenamento jurídico português, o qual preveja como efeito primeiro a renegociação contratual, tem-se de ter atenção à vinculatividade que esta gera às partes521.

De antemão, o cumprimento da obrigação trazida em uma cláusula de hardship deve se dar em razão do princípio da pontualidade, o qual se encontra consagrado na ordem jurídica portuguesa no artigo 406º do Código Civil522. Este princípio assegura que o contrato seja cumprido ponto a ponto, a satisfazer todos os deveres, obrigações, ónus, nele estabelecidos523, de forma que haja uma correspondência integral entre a prestação realizada e a prestação que o vinculou. Nesta medida, terão de ser cumpridos todos os aspetos exigidos contratualmente com relação à prestação524.

Para além disto, o dever de readaptação contratual diante da superveniência de acontecimentos que venham a desequilibrar o contrato, cria, às partes, obrigações. Obrigações que as vinculam, pois, em razão da boa-fé negocial consagrada na ordem jurídica portuguesa, deve ser honrada a palavra dada pelos contratantes525.

A primeira obrigação a que se refere é a de reunirem-se, os contratantes, para renegociar os novos termos do contrato. A segunda, advém no sentido de que, aquando da reunião para fins de renegociação, atuem os contratantes de modo a «formular proposições sérias, relativas ao contrato, às suas bases originárias, às circunstâncias atuais e à economia contratual globalmente

521 Importa ter em atenção que os contratos, uma vez válidos e eficazes, tornam-se vinculativos

as partes contratantes e, nesta medida, as partes ficam vinculadas aos efeitos nele previstos. Por assim dizer, as cláusulas que constem em um contrato que válido e eficaz em sua integralidade, também são vinculativas. Acerca dos efeitos dos contratos, cfr: TELLES, Inocêncio Galvão. Direito das Obrigações. 1997. Editora Coimbra. 7ª ed. p. 82 e ss.

522 ARTIGO 406º (Eficácia dos contratos) 1. O contrato deve ser pontualmente cumprido, e só

pode modificar-se ou extinguir-se por mútuo consentimento dos contratantes ou nos casos admitidos por lei. 2. Em relação a terceiros, o contrato só produz efeitos nos casos e termos especialmente previsto na lei.

523 TELLES, Inocêncio Galvão. Direito… 1997, p. 82 e ss.

524 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações…, vol. II, 2017, p. 138 e ss. 525 CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017. p. 540 e ss.

considerada»526. A renegociação contratual deverá se dar conforme os ditames da boa-fé527.

Por esta razão, os contratantes terão de proceder em conformidade aos deveres acessórios de conduta – proteção, informação e lealdade – aquando da renegociação que se der em razão de cláusula de hardship. Fazê-lo nestes moldes é atender às exigências do artigo 762º, nº 2 do Código Civil, o qual diz: «2. No cumprimento da obrigação, assim como no exercício do direito correspondente, devem as partes proceder de boa fé.». 528

O devedor, no momento do cumprimento da sua prestação, não poderá realizá-la apenas respeitando formalmente a vinculação assumida. Deve agir de modo adequado à satisfação do interesse do credor, empregando todas as medidas cabíveis para evitar os danos que possam vir a ser causados. Diga-se, de forma leal, proba, razoável.529

Na hipótese de enviar propostas inaceitáveis para a outra parte, agindo assim de forma protelatória, artimanhosa, desleal ou de modo a empregar renitências irrazoáveis, estará atuando em contrariedade à boa-fé. Tal proceder não será tolerado, pois a verdade é que neste caso só aparentemente é que se estará sendo tentada a renegociação do contrato, mas na realidade não se quer chegar a um termo razoável530.531

Referida falta poderá se vir configurada como hipóteses de incumprimento ou cumprimento defeituoso do contrato, tendo em vista que a prestação ou não foi voluntariamente cumprida ou foi cumprida de forma defeituosa532. Estas situações se confirmam como hipóteses de violação positiva

526 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de hardship…, 2010, p. 25-26.

527 Sobre o dever de observância dos ditames da boa-fé, designadamente deveres de conduta,

como deveres de informação e de consideração dos interesses da contraparte (deveres de participar das negociações, de prestar as informações necessárias, apresentar propostas e contrapropostas razoáveis, de não retardar as negociações, nem criar fatos que tornem impossível a adaptação do contrato), aquando da renegociação do contrato, cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 240 e ss.;

528 LEITÃO, Luis Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 140 e ss;

CORDEIRO, António Menezes. Tratado… vol. II, 2017, p. 61 e ss.

529 LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 140 e ss. 530 Este raciocínio desenvolve: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 24 e ss. 531 Para maiores esclarecimentos em relação a boa-fé cfr: CORDEIRO, António Menezes. Da Boa fé…, 2015.

532 O princípio da pontualidade assegura que aquele que não cumprir com as obrigações contidas

na cláusula de hardship, quais sejam: a de reunirem-se para proceder as renegociações contratuais; e, durante as renegociações, trocar propostas sérias, leais, probas; estará deixando de cumprir com a obrigação nos termos que se vinculou. Caso assim proceda, poderá incorrer em situação de cumprimento defeituoso, na medida em que, em caso como este, o contrato terá

do contrato. Nesta medida, poderá o credor exigir judicialmente o cumprimento da prestação e de executar o património do devedor, nos termos do artigo 817º do Código Civil. Ainda, nos termos do artigo 798º do Código Civil, por que houve falta culposa por parte do devedor, poderá o credor exigir reparação pelos prejuízos que tenham lhe sido causados533.534

Entretanto, caso as partes tenham se disposto a renegociar o contrato, mas não logrem êxito com a renegociação, tendo sido prevista a possibilidade de intervenção de um terceiro, poderão, o juiz ou o árbitro, atuarem no sentido de proceder à readaptação ou resolução contratual nos termos dos artigos 437º a 439º do Código Civil. Atuação esta que dependerá do que tiver sido previsto pelas partes no corpo da cláusula, revisão e/ou revisão e resolução do contrato – sobretudo porque nem o juiz, nem o árbitro, poderão se fazer substituir de forma arbitrária a uma das partes535. E também porque, no caso de a incidência da norma legal ter sido afastada por vontade das partes, que acertaram solução a elas adequada, terá de ser dado atenção ao que foi estipulado e as consequências legais que então passarão a ser cabíveis.536

Entretanto, cumpre ter atenção que não se está a dizer que no caso de haver recusa ou renitência das partes em adaptarem o contrato alterado e houver sido derrogada a regra da alteração das circunstâncias este subsistirá sempre de forma desequilibrada. Eis que tendo sido caracterizada culpa contratual terá o julgador a possibilidade de recorrer a outras regras legais, valores e princípios

sido cumprido de forma inexata ou incumprido. Neste sentido coloca o artigo 799º do Código Civil, o qual coloca: «(Presunção de culpa e apreciação desta) 1. Incumbe ao devedor provar

que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não procede de culpa sua. 2. A culpa é apreciada nos termos aplicáveis à responsabilidade civil». Ainda neste sentido,

cfr: LEITÃO, Luís Manuel Teles. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 138 e ss.; Para outras notas sobre o cumprimento das obrigações, cfr: CORDEIRO, António Menezes. Tratado… v. IX, 2017.

533 Sobre a possibilidade de responsabilização civil pelo incumprimento, cfr: TELLES, Direito…,

1997, p. 135 e ss; LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das Obrigações… vol. II, 2017, p. 141 e ss.

534 Cfr: PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial…, 2005, p. 240 e ss.; Sobre a execução

específica e reparação por perdas e danos, confrontar: VICENTE, Dário Moura. Direito

Comparado…, 2017, p. 276-282.

535 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28 e ss.

536 Conforme sobredito este é um ponto controverso frente a sistemática jurídica portuguesa. Isto

porque não há unanimidade no que toca a possibilidade de derrogação da regra dos artigos 437º a 439º do Código Civil. Há forte corrente que manifesta a impossibilidade de derrogação completa da regra da alteração das circunstâncias, assumindo, então, esta regra uma imperatividade subsidiária. Pelo que, em um caso como o referido não ficariam as partes sem solução a ser vislumbrada pelos tribunais. Neste sentido, cfr: FRADA, Manuel Carneiro da.

que compõem o sistema para resolver eventuais injustiças que poderão vir a ser ocasionadas com a manutenção do contrato desequilibrado de forma superveniente537.

1.2. A CLÁUSULA DE HARDSHIP NOS CONTRATOS SOB A ÉGIDE DO DIREITO BRASILEIRO

De forma similar ao que ocorre na sistemática jurídica portuguesa, embora exista a possibilidade de modificação do contrato ou ainda a sua extinção em razão de alteração superveniente no seu circunstancialismo, esta somente se verificará no caso de restarem comprovados, de forma cumulativa, os requisitos legais e pressupostos de admissibilidade exigidos, seja para a inteligência das normas do Código Civil ou das normas do Código de Defesa do Consumidor. Entretanto, mais uma vez cabe dizer, embora haja solução igualmente para os contratos de consumo, as implicações da utilização da norma a seguir tratadas serão relativas, na integralidade, às relações paritárias, entre iguais538.

Também no que toca a esta sistemática jurídica, cabe referir, a despeito de haver tratamento legal para a questão do desequilíbrio superveniente, que a aplicação das regras positivas pelos tribunais implica em soluções, por vezes, não satisfatórias aos interesses concretos dos contratantes.

Em suma, isto decorre em razão de se estar permitindo a intervenção de um terceiro, o qual não tem a mesma expertise das partes contratantes, no seio do contrato, ou porque a regra deste sistema privilegia a heteronomia e não a autonomia e deste modo subtrai dos negociantes o dever de se empenharem nas negociações para arranjar soluções a fim de reaver o equilíbrio do contrato alterado, o que acaba por desencadear inseguranças neste sentido.

A perspectiva contratual no sistema jurídico civil brasileiro também se faz no sentido de que o contrato não se trata de um vínculo de antítese entre as partes, mas de um instrumento de cooperação para que os contratantes possam

537 Nestes termos coloca MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 28, 33-34, ao referir

sobre o sistema jurídico brasileiro.

538 Embora algumas soluções possam ser aplicadas também com relação as relações de

atingir um objetivo comum, que se perfaz através do cumprimento das prestações.539

Partindo-se, então, desta premissa, procede analisar também a viabilidade de deixar na mão das partes a responsabilidade por arranjarem soluções para reaver o equilíbrio do contrato alterado em razão de alteração superveniente das circunstâncias contratuais. Ou seja, a viabilildade da modelação de forma válida e eficaz de cláusula de hardship de adaptação no sistema jurídico brasileiro, doravante referida simplesmente como cláusula de hardship540.

O fundamento da possibilidade de negociação de cláusula de hardship no Direito interno brasileiro não está na lei. Mas, mais uma vez, se concentra na autonomia privada dos contratantes541. O princípio da autonomia privada no Direito brasileiro é, do mesmo modo como ocorre em Portugal, um dos princípios vetores do Direito dos Contratos. Por autonomia privada se deve entender o poder que as partes têm para contratar e estabelecer, por intermédio da declaração de vontade manifesta, os efeitos que pretendem decorram com aquela contratação - efeitos estes que são reconhecidos por lei.542

A autonomia privada se trata de um princípio «que exprime o reconhecimento pelo direito positivo da eficácia jurídica da vontade dos contratantes»543. Correlaciona-se com o princípio da autonomia privada, o princípio da liberdade contratual544. Em sentido amplo, a liberdade contratual engloba a liberdade de contratar ou não contratar; liberdade de fixação de

539 Neste sentido trata MARTINS-COSTA ao fazer uma introdução geral as diretrizes da

sistemática adota pelo Código Civil brasileiro de 2002. Cfr: MARTINS-COSTA, Judith.

Comentários…2009, p. 1-76.

540 Acerca da aferição da existência e validade dos negócios jurídicos frente ao Direito brasileiro,

confrontar os ensinamentos de: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de

Direito Privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1974, atualizado em 2012, t.III, p. 196 e ss, 244 e

ss, 443 e ss; PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1974, atualizado em 2013, t.IV, p. 66 e ss, 78 e ss; AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio Jurídico - Existência, Validade e Eficácia. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 31 e ss; 126 e ss.

541 Neste sentido: MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010, p. 22.

542 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil: Contratos. Série Leituras Jurídicas. 2ªed. 2006. Editora

Atlas. p. 7 e ss. Também neste sentido: MELO, Leonardo Machado de. Princípios do direito

contratual: autonomia privada, relatividade, força obrigatória, consensualismo. (p. 67-96) In:

Teoria Geral dos Contratos. coord. LOTUFO e NANNI. Editora Atlas: São Paulo. 2011. p. 78 e ss.

543 MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 82.

544 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil…, 2006, p. 7 e ss. MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 78 e ss

conteúdo, o que garante às partes a possibilidade de modelação de cláusulas que entendam pertinentes aos seus contratos; assim como a liberdade de escolher com quem será formalizada a contratação e sob qual forma será procedida.545

A liberdade contratual546, assim como a autonomia privada, atinentes às partes de um contrato, sofrem, no âmbito negocial, delimitações547. Na ordem jurídica brasileira tais derivam da ordem pública e dos bons costumes, conceitos cuja interpretação varia consoante a época548. Igualmente derivam em razão e nos limites da função social do contrato549, consoante dispõe artigo 421550 do Código Civil; da boa-fé objetiva, consagrada no artigo 422 do Código Civil551; do equilíbrio económico no seio dos contratos (como a lesão, art. 157 do Código Civil e onerosidade excessiva art. 317 e 478 a 480, ambos do Código Civil); assim como das regras imperativas constantes na sistemática jurídica brasileira. Embora as delimitações a que estão sujeitas a autonomia privada e a liberdade contratual por outras regras e princípios, tais delimitações não são capazes de afastar a possibilidade de negociação de uma cláusula de hardship em um contrato sob a égide do Direito Civil brasileiro, conforme se verá a seguir.

545 MELO, Leonardo Machado de. Princípios…, 2011. p. 83.

546 Mais uma vez cabe ter em atenção que a liberdade contratual não se confunde com a

liberdade de contratar. Em virtude dos ditames constitucionais do Direito brasileiro, a liberdade de contratar não sofre delimitações. Isto, pois, é direito inerente ao ser humano, celebrar o contrato. Entretanto, o que sofre limitações é a liberdade contratual. Neste sentido coloca José Fernando Simão, ao esclarecer a imprecisão terminológica do dispositivo legal do Código Civil brasileiro. Crf: SIMÃO, José Fernando. Direito Civi…, 2006.

547 Acerca da relação entre a vontade e a lei, cfr: PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti. Tratado de Direito Privado…, 1974, t.III.p. 97 e ss.

548 SIMÃO, José Fernando. Direito Civil…, 2006, p. 7 e ss.

549 A função social do contrato é considerada por TARTUCE como um regramento de ordem

pública, conforme coloca o parágrafo único do artigo 2.035 do Código Civil (Parágrafo único. «Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os

estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos»).

Nesta medida não poderá ser afastado por vontade das partes. TARTUCE, Flávio. A função social dos contratos. 2005. p. 201. A função social do contrato detém função em dois momentos. Relativamente as partes de um contrato. Assim como, na relação dos contratantes com terceiros. Com relação aos contratantes a função social representa a justiça interna do contrato. Assim sendo, as cláusulas iniquas ou abusivas são contrárias a função social do contrato e por isto podem ser consideradas nulas. Isto tendo em conta que estas cláusulas contrárias à função social do contrato, desvirtuam o fim a que o contrato se presta, qual seja, de oportunizar a circulação de riquezas e o alcance de fins comuns aos contratantes. Considera a função social como um delimitador do exercício da autonomia privada e da liberdade contratual: NEGREIROS, Teresa. Teoria do Contrato: novos paradigmas. Editora Renovar. Rio de Janeiro. 2002. p. 205 e ss.

550 Artigo 421. «A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.»

551 Artigo 422. «Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios da probidade e da boa-fé».

Os princípios integrantes da teoria contratual do Direito brasileiro552, sobretudo a boa-fé, equilíbrio económico e função social553, que acabam por delimitar a autonomia dos contratantes exercida no Direito brasileiro, serão fundamento para a modelação de uma cláusula de hardship de adaptação que venha a refletir a teoria do hardship trazida pelos Princípios UNIDROIT ou da própria cláusula-modelo da CCI. Tal fato demonstra respeito com relação à principiologia estruturante do Direito dos contratos.554

A boa-fé se fará presente tanto no momento da modelação da cláusula, situação em que a sua influência se revela na fase formativa de um contrato e na fase negociatória, quando nas fases de conclusão e execução contratual, bem como também na fase pós-contratual555. Daí porque é certo que os contratantes devem renegociar o plano contratual sem atuar de forma artimanhosa, protelatória, desleal ou a se utilizar de renitências desarrazoadas. Ou seja, devem deixar, neste momento, guisar sua conduta à luz dos ditames da boa-fé negocial556.

O princípio do equilíbrio económico, um dos princípios basilares da teoria contratual contemporânea do Direito brasileiro, servirá como parâmetro para a avaliação do conteúdo da cláusula e também do resultado que a eficácia desta virá a desencadear para cada um dos contratantes557. E mais, através da cláusula, estar-se-ão sendo ensaiadas soluções para resguardar um equilíbrio

552 A teoria contemporânea do Direito dos contratos consagrou princípios que são considerados

princípios sociais. Estes, o a boa-fé objetiva, equilíbrio económico do contrato e função social do contrato, acabaram assumindo o papel de relativizar os princípios contratuais tradicionais, diga- se, os quais não foram afastados da sistemática jurídico, a despeito de haver mitigação. Neste sentido, cfr: LOTUFO, Renan. Teoria Geral dos Contratos. In: Teoria Geral dos Contrato. IDP – Instituto de Direito Privado. Editora: Atlas. São Paulo. 2011. p.1-21.

553 A fazer menção sobre os princípios que integram a teoria contratual contemporânea do Direito

brasileiro, cfr: NEGREIROS, Teresa. Teoria…2002. p. 24 e ss.

554 Não se pode olvidar que, mesmo na hipótese de não constar expressamente em uma cláusula

de hardship sob a égide do ordenamento jurídico brasileiro a obrigação de renegociar o contrato de boa-fé, caberá aos contratantes agirem em conformidade com a boa-fé negocial. Sob pena de não o fazendo virem a sofrer as sanções cabíveis. Eis que a boa-fé é um dos cânones hermenêuticos dos negócios jurídicos privados no Direito brasileiro, o que implica em uma leitura contratual sempre à luz da boa-fé. Isto implica dizer que em um processo técnico-jurídico no sistema jurídico brasileiro a boa-fé (juntamente com outros critérios), será determinante para interpretação e integração contratual. É assim que se colocam os artigos 113 e 422 do Código Civil brasileiro. Neste sentido, cfr: AGUIAR JUNIOR, Ruy de. Comentários..., 2011, p. 926; MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé..., 2015, p. 441-508; CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa

..., 2008, p. 32.

555 MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé…, 2015, p. 379-437. 556 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula…, 2010 p. 24 e ss.

entre as posições económicas dos contratantes mesmo quando este vier a ser afetado de forma superveniente. Agir deste modo é garantir a justiça no seio dos contratos.558

Outrossim, deste modo não se estará por olvidar que o contrato deve respeitar tanto as partes contraentes, como também as condicionantes sociais que o envolvem e o afetam. Situação que se perfaz em conformidade com o princípio da função social dos contratos (designadamente sua função interna), a qual se trata da função exercida na ordem econômico-social559.560

Como condicionante do princípio da função social dos contratos encontra-se a solidariedade561, a qual traz consigo a ideia de haver necessidade de colaboração entre os contratantes, de respeito pelas partes às situações jurídicas anteriormente constituídas562. Tudo o que oportuniza uma tal cláusula, eis que uma alteração superveniente no circunstancialismo do contrato, altera a situação jurídica que deu causa à sua constituição.

Ademais disto, em virtude da autonomia que as partes detêm, que sedia o princípio da liberdade contratual e por esta razão a liberdade de modelação e

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