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A comparação operada nesta Parte I, de forma ampla, abrangente, demonstrou que os sistemas jurídicos integrantes à família jurídica romano- germânica analisados (França, Alemanha, Itália, Portugal e Brasil) e os sistemas jurídicos integrantes ao Common Law também analisados (Inglaterra e Estados Unidos da América) através de suas fontes de direito à revelação das regras jurídicas, em termos gerais, apresentam soluções para o problema da manutenção do vínculo entre as partes dos contratos privados quando houver alteração das circunstâncias. Não obstante o façam em termos gerais, ficou do mesmo modo demonstrado que há pontos de afastamento entre as soluções trazidas.

Outrossim, a investigação empreendida revelou que as nuances trazidas pelas soluções dos sistemas jurídicos romano-germânicos e do Common Law são capazes de firmar a autonomização destas famílias jurídicas a respeito das soluções para o problema da alteração das circunstâncias. Ainda que haja, até mesmo entre os países que integram a mesma família jurídica, distinções no tocante aos requisitos para a eficácia das regras e efeitos jurídicos a se produzirem aquando de sua eficácia. Veja-se.

Entre os sistemas jurídicos nacionais pertencentes a família jurídica romano-germânica e os pertencentes a família jurídica do Common Law perfaz- se como ponto de distinção as fontes de direito à revelação das regras jurídicas nesta seara. Enquanto que frente aos ordenamentos integrantes da família

jurídica romano-germânica as soluções são oriundas da lei e nesta medida se cuidam de soluções positivadas. Face aos sistemas jurídicos analisados que integram ao Common Law as soluções vêm mormente dos precedentes. Em que pese frente ao sistema jurídico norte-americano haja lei específica, designadamente o Uniform Commercial Code, esta não tem a mesma função e alcance que as codificações dos sistemas romanistas, eis que se presta a atender os casos nos exatos termos que dispõe, não indo além.

Também é ponto de distinção entre os sistemas a resistência operada pelos tribunais para eficácia da norma. Seja no que toca à confirmação dos requisitos à sua eficácia, seja no que toca aos efeitos que das regras podem advir. Os sistemas jurídicos romano-germânicos são estruturados tendo como base ideias sociais em que o Estado assume um papel mais paternalista e visa coibir injustiças. Disto resulta, embora haja o devido cuidado ao se verificar a confirmação dos requisitos à eficácia das regras e devam ser os elementos comprovados de forma cumulativa, admitirem com maior facilidade, quando comparados com os Direitos do Common Law, a interferência heterónoma no domínio dos interesses privados para reaver o equilíbrio no seio dos contratos. Aos sistemas jurídicos do Common Law estão subjacentes ideias liberais, que reforçam o não paternalismo estatal e o que implica em maior liberdade para as partes acertarem os termos com os quais se obrigam e menor possibilidade de interferência heterónoma no âmbito dos acertos entre privados - situação que reforça ser menor a eficácia das regras trazidas por estes Direitos.

Noutra senda, a comparação revelou que frente aos sistemas jurídicos romanistas a alteração das circunstâncias, por si só, desencadeia a possibilidade de incidência das regras legais aos casos de alteração das circunstâncias. Notadamente, frente ao contexto jurídico inglês é necessário que haja, para além da alteração das circunstâncias, a frustração do propósito do contrato para a eficácia da doutrina por este sistema de Direito trazido, eis que tão somente a alteração de circunstâncias é caso de hardship.

Ademais reforçou a autonomização destas famílias no tocante às soluções para o problema da alteração das circunstâncias o que tange aos efeitos jurídicos previstos a partir da eficácia das regras. De forma geral (com exceção da França, que traz como efeito a renegociação contratual), os sistemas romano-germânicos trazem como possibilidade a revisão ou resolução dos

contratos alterados. Já os sistemas do Common Law, mais uma vez devido ao pensamento vetor destes contextos jurídicos, trazem como solução, nas escassas hipóteses de eficácia das regras jurídicas, a possibilidade de extinção do vínculo contratual.

Destarte, do exposto se pode concluir da comparação macro empreendida que a despeito de todas as ordens jurídicas nacionais em atenção trazerem, de modo geral, soluções para os casos de alteração das circunstâncias, não o fazem de forma a solucionar necessariamente os mesmos problemas. Designadamente porque as regras não visam resolver os exatos mesmo casos e não terão eficácia, indubitavelmente, perante ocorrências similares - e, portanto, não estabelecem necessariamente os mesmos efeitos jurídicos.

Noutro passo, foi ainda possível aferir da investigação empreendida que as distinções neste tocante para além de se verificarem entre as famílias jurídicas romano-germânicas e do Common Law, também se vislumbram entre os Direitos nacionais insertos nas próprias famílias-jurídicas investigadas, diga- se umas, com as outras. Especificamente porque em verdade todos trouxeram cláusulas gerais que carecem de interpretação aquando a integração contratual e também porque em muitos dos sistemas não há unanimidade acerca do entendimento dos fatos que provocam a eficácia das regras. Daí porque se considera, frente as particularidades que individualizam os Direitos nacionais, que embora as regras tenham sido trazidas com o intento de, ao menos nalguma medida, solucionarem os mesmos problemas jurídicos, o alcance prático poderá ser diferente.

PARTE II

A CLÁUSULA DE HARDSHIP NO COMÉRCIO INTERNACIONAL

CAPÍTULO I: TEORIA DO HARDSHIP NO DIREITO DO COMÉRCIO