• Nenhum resultado encontrado

O CONCEITO DE HARDSHIP E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS

CAPÍTULO I: TEORIA DO HARDSHIP NO DIREITO DO COMÉRCIO INTERNACIONAL

1.1. O CONCEITO DE HARDSHIP E OS INSTRUMENTOS INTERNACIONAIS

Durante o período de aproximadamente um ano, que se iniciou em Novembro de 1956 até Abril de 1957, em consequência da guerra do Oriente Médio, inúmeros operadores do comércio internacional viram o cumprimento dos seus contratos tornar-se demasiadamente difícil, mormente porque ou não lograram êxito em atender aos prazos estabelecidos nas contratações para a entrega de mercadorias, ou porque cumprir com a prestação devida tornou-se excessivamente oneroso, em termos económicos, eis que implicava em uma alteração de rota e, como consequência, em um aumento dos custos para fazê- la286. Nesta altura, tribunais ingleses e norte-americanos foram chamados a se pronunciar para decidir o que ocorreria no seio destes contratos alterados. Para ilustrar o que estava por acontecer na altura, cabe referir um caso em que o encerramento do Canal gerou infortúnios no âmbito contratual.

O caso diz respeito a um litígio oriundo de dois contratos celebrados pelos mesmos vendedores e compradores. Um deles datado de 12 de Outubro de 1956 e o outro de 31 de Outubro deste mesmo ano. Fora acordada a venda de 2.500 toneladas de amendoins do Sudão, não descascados, pela Albert D. Goan & Company para a Société Interprofissionelle des Oléagineux Fluides Alimentaires. A expedição deveria acontecer com destino a Nice e Marseille, no mais tardar até Novembro de 1956. O preço ficou estabelecido, no primeiro contrato em £49 10s e, no segundo contrato, em £54 5s por tonelada. Ambas as transações referidas, estavam sujeitas à incidência do nº 38 do «Incorporated Oil Seed Association Forms of Contract». Segundo a regra incorporada, no caso de proibição de exportação ou importação, bloqueio, guerra, epidemia, greve ou em

285 Sobre o encerramento do Canal de Suez e as consequências econômicas que isto

desencadeou no seio dos contratos comerciais internacionais, cfr: BIRMINGHAM, Robert L. A

second look at the Suez Canal cases: excuse for nonperformance of contractual obligations in the light of economic theory. In The Hasting Law Journal, vol 20, May 1969, p. 1393-1416.

Disponível em: http://www.repository.law.indiana.edu/facpub, p. 1400 e ss.

todos os casos de força maior, que impedissem a realização da expedição no prazo estabelecido ou a entrega da mercadoria no prazo permitido, o prazo deveria ser estendido, mas não deveria exceder dois meses. Depois disto, se a situação de força maior persistisse, o contrato teria de ser cancelado.287

Em razão do encerramento do Canal de Suez neste período, nenhuma entrega, pôde acontecer, diga-se, por esta rota. Não obstante os esforços na altura dados no sentido de desobrigar-se do cumprimento da prestação, a decisão final para o caso operou-se no sentido de que nenhuma alteração substancial na natureza do contrato se deu com o encerramento do Canal de Suez, a ponto de ensejar a incidência de teorias, à época, já utilizadas pelos tribunais, de desobrigação contratual. Isto porque, a despeito de os custos serem maiores, em razão da distância, ao utilizar-se de outra rota marítima (que no caso seria costear a região do Cabo da Boa Esperança na África) a entrega da mercadoria poderia ser feita à mesma. De mais, o cumprimento do contrato não estava condicionado à rota que passaria pelo Canal de Suez.288

Principalmente na sequência dos acontecimentos que decorreram em razão do encerramento das operações do Canal de Suez, algumas soluções, sobretudo a nível de instrumentos destinados à interpretação e integração dos contratos, passaram a ser ensaiadas para abranger as necessidades do contexto comercial internacional e permitir a desobrigação contratual em determinados casos. Dentre estas destaca-se a Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional Mercantil (CISG, sigla em inglês, ou CVIM, sigla em francês), aberta para assinatura em abril de 1980, com entrada em vigor no dia 1º de janeiro de 1988.289

Esta Convenção destina-se a reger os contratos internacionais de compra e venda mercantil dos países signatários, consoante expressa seu artigo 1º290, desde que as partes não tenham rejeitado sua aplicação nos seus

287 «In case of prohibition of import or export, blockade or war, epidemic or strike, and in all cases of force majeure preventing the shipment within the time fixed, or the delivery, the period allowed for shipment or delivery shall be extended by not exceeding two months. After that, ig the case of force majeure be still operating, the contract shall be cancelled.» Cfr: ALBERT D. Goan & Co. v.

Société Interprofissionelle des Oléagineux Fluides Alimentaires. (1960), 2 Q.B. 334 335 (1959).

288 BIRMINGHAM, Robert L. A second…, 1969, p. 1400-1402. 289 Cfr: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.3 e ss.

290 «Artigo 1. (1) A presente Convenção aplica-se aos contratos de compra e venda de mercadorias celebrados entre partes que tenham o seu estabelecimento em Estados diferentes: (a) quando estes Estados sejam Estados contratantes; ou (b) quando as regras de direito internacional privado conduzam à aplicação da lei de um Estado contratante. (2) não é tomado

contratos (artigo 6º291)292. Referido instrumento reuniu as matérias que anteriormente eram tratadas nas duas Convenções de Haia de 1964, quais sejam, a Lei Uniforme sobre Venda Internacional de Mercadorias e a Lei Uniforme sobre a Formação dos Contratos de Venda Internacional de Mercadorias293. E mais, teve como escopo harmonizar regras a serem aplicadas aos contratos de compra e venda mercantil internacional dos diferentes sistemas domésticos, que se encontram em diferentes níveis de desenvolvimento económico294 e que são dela signatários.

Nomeadamente em seu artigo 79295, trouxe regras sobre a exoneração de uma das partes com relação ao cumprimento de sua prestação contratual, em um contrato de compra e venda internacional. Isto, desde que tenha havido um impedimento que esteja além do controle das partes; razoavelmente imprevisível no momento da conclusão do contrato; e razoavelmente impossível de se evitar

em conta o fato de as partes terem o seu estabelecimento em Estados diferentes quando este fato não ressalte nem do contrato nem de transações anteriores entre as partes, nem das informações dadas por elas em qualquer momento anterior à conclusão deste. (3) não são tomadas em consideração para aplicação da presente Convenção nem a nacionalidade das partes nem o caráter civil ou comercial das partes ou do contrato.» CONVENÇÃO da ONU sobre

os contratos de compra e venda de mercadorias. Uncitral: Viena, 1980. [Em linha]. Disponível em: http://www.globalsaleslaw.org/__temp/CISG_portugues.pdf. Acesso em: 20 set. de 2017.

291 «Artigo 6. As partes podem excluir a aplicação da presente Convenção ou, sem prejuízo do disposto no artigo 12, derrogar qualquer das suas disposições ou modificar-lhe os efeitos.»:

UNCITRAL. Convenção da ONU…, 1980.

292 A Convenção de Viena de 1980 fora projetada pela Comissão das Nações Unidas para o

Direito Mercantil Internacional (United Nations Comission in International Trade Law -

UNCITRAL). Neste sentido: GLITZ, Contrato e sua conversação…, 2008, p.. 140, nota 511. 293 PRADO, Maurício Almeida. Interpretação e aplicação da regra de “Exoneração” da Convenção de Viena. Disponível em http://www.cisg-brasil.net/doc/Art%2079%20- %20CISG%20WEBSITE%20-%2004%20maio.pdf; Cfr, disponível em: http://www.cisg- brasil.net/a-cisg;

294 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.13

295 «Seção IV- Exoneração. Art. 79. 1) Uma parte não é responsável pela inexecução de qualquer de suas obrigações se provar que tal inexecução deve-se a um impedimento alheio a sua vontade e que não se poderia razoavelmente esperar dela que o levasse em consideração no momento da conclusão do contrato, que o evitasse ou superasse, ou que evitasse ou superasse suas consequências. 2) Se a inexecução por uma das partes dever-se à inexecução por um terceiro que a parte contratou para executar todo o contrato ou parte dele, essa parte só fica exonerada de sua responsabilidade nos casos em que: a) o for em virtude das disposições do parágrafo precedente; e b) o terceiro contratado também seria exonerado se as disposições desse parágrafo fossem aplicadas a ele. 3) A exoneração prevista no presente artigo produz efeito enquanto durar o impedimento. 4) A parte que não executou suas obrigações deve comunicar a outra parte do impedimento e de seus efeitos sobre sua capacidade de executá-las. Se a outra parte não receber a comunicação em um prazo razoável a partir do momento em que a parte que não executou tomou conhecimento ou deveria ter tomado conhecimento do impedimento, esta deverá pagar perdas e danos devidos à falta de recebimento. 5) As disposições do presente artigo não impedem nenhuma mas partes de exercer outros direitos além de demandar perdas e danos nos termos da presente Convenção.» Tradução por: PRADO,

ou superar296. Inobstante, por diversas ordens de razões, o regramento trazido acabou não sendo suficiente para o fim de desonerar as partes em decorrência da alteração superveniente das circunstâncias basilares do contrato297. Dentre os argumentos apresentados naquela altura, destaca-se o que foi posto no sentido de que o artigo 79 da CISG respeitava aos casos de inexecução contratual devido ao motivo de força maior298/299.

Deste modo, por não haver na altura uma regra a ser aplicável no contexto do tráfego jurídico internacional a tratar das situações de desequilíbrios supervenientes; por inexistirem regras e princípios comuns aos contratos internacionais, estruturados de modo a possibilitar a mitigação do princípio ‘pacta sunt servanda’ em razão do ‘rebus sic stantibus’ 300; muitas vezes acabava vedada a possibilidade de intervenção de um tribunal competente nos contratos internacionais alterados para reestabelecer o equilíbrio inicialmente intentado pelas partes301, salvo se a lei interna eleita à interpretação e integração do contrato comercial internacional admitisse os efeitos da cláusula ‘rebus sic stantibus’ no âmbito do contrato que estivesse em atenção.

296 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 15 e ss. 297 RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 15 e ss. 298 Cfr: RIMKE Joern. Force majeure…, 1999-2000, p.15 e ss.

299 Não obstante este entendimento, atualmente se deve considerar que o referido dispositivo

abarca também a possibilidade de exoneração contratual em razão de situação de hardship. Isto porque o termo «impedimento» não se restringe as situações em que a execução contratual tornou-se impossível. Compreende, do mesmo modo, as situações em que houve uma alteração das circunstâncias contratuais as quais não puderam ter sido razoavelmente consideradas e que tornaram a execução contratual excessivamente onerosa para uma das partes. (Neste sentido se coloca o parecer nº 7 do Conselho Consultivo da Convenção de Viena sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (CISG-AC), sobre a exoneração de responsabilidade por perdas e danos conforme o artigo 79, em que foi relator o Prof. Alejandro M. Garro, Columbia University School of Law, Nova Iorque, N.Y. EUA. Adotada pela CISG-AC na sua 11ª reunião realizada em Wuhan, República Popular da China, em 12 de outubro de 2007. CONVENÇÃO de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias. Parecer nº 7 sobre exoneração de responsabilidade por perdas e danos conforme artigo 79 da CISG. (p. 1-24). 2007. [Em linha]. Disponível em: http://www.cisg- brasil.net/downloads/cisgac/op7.pdf.). Acesso em: 10 de fev. 2018.

300 Refere RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 3 e ss que tentativas haviam sido feitas

no tráfego jurídico internacional, em particular através da CISG. Porém, o conceito trazido por este instrumento internacional não foi suficiente para solucionar o problema integralmente. Pode- se apontar como um dos motivos a validade da Convenção apenas pelos países que havia ratificado seus termos; ou ainda em virtude do próprio artigo 79 da Convenção que por muito se discutiu se serviria para solucionar os chamados casos de hardship. Cfr: CISG. Parecer nº 7…, p. 1-24, 2007; Ainda que a doutrina se posicionasse pela impossibilidade de mitigação do princípio ‘pacta sunt servanda’, a jurisprudência arbitral por algumas vezes reconheceu a existência do princípio ‘rebus sic stantibus’ no comércio internacional (lex mercatoria). É o que se pode notar das sentenças proferidas nos casos da Câmara do Comércio Internacional de nº 1512 e nº 4761, cfr:PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p 33-34 e ss.

Disto resultou que os contratantes internacionais passaram a desenhar soluções para salvaguardar a economia do contrato. Isto, para a hipótese de contratos que a execução perdurasse no tempo serem acometidos pela superveniência de acontecimentos capazes de alterar as circunstâncias econômicas do contrato como um todo e tornar a sua execução muito mais onerosa para uma das partes302/303. Fora, então, inicialmente interpretando o princípio da autonomia da vontade304 e, de certa forma, inspirados nas diversas teorias desenvolvidas pelos sistemas jurídicos domésticos que partiram da cláusula ‘rebus sic stantibus’, assim como nas diretrizes da CISG, que passaram os contratantes internacionais a arranjar soluções para as hipóteses de desequilíbrio superveniente. Por este mesmo motivo que passaram a definir em seus próprios contratos o que deveria ser entendido por hardship, designadamente através de cláusulas que passaram a ser conhecidas como cláusulas de hardship305/306.307

Nesta fase, as diversas cláusulas de hardship utilizadas nos contratos do tráfego internacional assumiram contornos variados. Entretanto, certo era que o termo hardship trazia a ideia de um rigor excessivo capaz de gerar aos contraentes um estado de aflição ou até mesmo um grave problema308 e que a salvaguarda efetivada por cláusulas desta natureza dar-se-ia quando esta

302 PINHEIRO, Luis de Lima. Direito Comercial Internacional… 2005, p. 216.

303 Para algumas notas sobre a cláusula de hardship, confrontar: FUCCI, Frederick R. Hardship and Changed Circumstances as Grounds for Adjustment or Non-Performance of Contract: Practical Considerations in International Infrastructure Investment and Finance. American Bar

Association. Section of International Law. Spring Meeting – April 2006. New York. Disponível em: http://www.cisg.law.pace.edu/cisg/biblio/fucci.html.

304 Acerca do princípio da autonomia privada no domínio dos contratos internacionais, cfr:

VICENTE, Dário Moura. A autonomia privada e os seus diferentes significados à luz do Direito

comparado. In: Revista de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nº 2,

2016, Almedina: Coimbra, 2016, ISBN 9780216355354.

305 GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008. p. 138.

306 «Quando se menciona a contemporaneidade contratual analisada pelo viés do Direito nacional, costuma-se destacar a mudança de enfoque do principio da autonomia da vontade. Este teria se tornado limitado, motivo pelo qual nos referimos à autonomia privada. No Direito Internacional, contudo, não haveria tal limitação, motivo pelo qual a doutrina se refere à autonomia da vontade.», cfr: GLITZ, Frederico Eduardo Z. Contrato e sua conservação…, 2008.

p.138.

307 Incerto é precisar o momento do nascimento da cláusula de hardship enquanto condição do

contrato. Isto porque, conforme ressaltar-se-á no decorrer deste trabalho, o que está subjacente a ela é a cláusula medieval ‘rebus sic stantibus’. E, nem sequer sobre a cláusula ‘rebus sic

stantibus’ há a absoluta certeza quanto a precisão do seu surgimento, conforme fora retro

referido.

308 MARTINS-COSTA, Judith. A cláusula de hardship e a obrigação de renegociar nos contratos de longa duração. Revista de Arbitragem e Mediação. Ano 7. n 25. Abirl/jun 2010. p.19.

tivesse de produzir efeitos. Tais efeitos, perfazer-se-iam, em regra, no sentido de compelir as partes a renegociar o contrato afetado por graves dificuldades durante a sua fase de execução309/310.

Apenas em um segundo momento, com o desenvolvimento por entidades internacionais do conteúdo teórico efetivamente capaz de auxiliar as partes do comércio jurídico internacional311, que passou a ser vislumbrada a possibilidade de solução aos casos de desequilíbrio superveniente decorrentes de alterações das circunstâncias contratuais com recurso aos instrumentos desenvolvidos para aplicação no comércio internacional. Isto se deu, sobretudo com a publicação da primeira edição dos Princípios UNIDROIT312/313, no ano de

309 Cfr: PRADO, Maurício de Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 59.; MOSER, Luíz Gustavo

Meira. A cláusula… p. 2.

310 Refere PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas… 2004, p 59, que no contexto dos

tribunais internacionais por muito a definição de hardship restou imprecisa e que o tratamento a este termo destinado à época era ainda referido como ‘rebus sic stantibus’. Deste modo, para além de a definição do termo não ser precisa, era também genérica.

311 GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008, p. 137 e ss.

312 «A primeira edição dos Princípios Relativos aos Contratos do Comércio Internacional fora aprovada pelo Conselho de Direção do UNIDROIT em 1994, e continha, a par das disposições gerais, regras sobre a formação do contrato, a validade, a interpretação, o conteúdo, o cumprimento e o incumprimento. A segunda edição foi aprovada em 2004, e oferece cinco capítulos adicionais sobre representação; contrato a favor de terceiro; compensação; cessão de créditos; assunção de dívidas; e transmissão da posição contratual e prescrição» (Cfr:

PINHEIRO, Luís de Lima. Direito Comercial… 2005. p. 175). Ademais, acerca dos princípios UNIDROIT: BONELL, Michael Joachim. A new Approach to International Commercial Contracts:

the UNIDROIT Principles of International Commercial Contracts. Editor M.J. Bonell. Kluwer Law

International. 1998. p. 3-17. Breves apontamentos acerca da proposta trazida pelos Princípios UNIDROIT: VICENTE, Dário Moura. Da Responsabilidade Pré-contratual em Direito

Internacional Privado. Almedina: Coimbra. 2001. p. 366 e ss. Com relação aos Princípios

UNIDROIT, cabe dizer que estes não detêm força obrigatória para as partes, porque não têm poder normativo, e serão aplicados na prática em razão de seu poder persuasivo (Cfr: RIMKE, Joern. Force majeure…, 1999-2000, p. 29 e ss; FUCCI, Frederick R. Hardship… 2006, p. 9 e ss). Muito embora não comportem poder normativo, podem obter o status de regra de direito, tornando-se assim vinculativo, quando as partes de um contrato assim aderirem (Cfr: PRADO, Mauricio Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p 49; RIMKE, Joern. Force majeure… 1999- 2000, p. 29 e ss). Ademais, apesar de não dependerem as regras contidas nos Princípios das tradições jurídicas nacionais, as disposições nestes constantes estabelecem uma ponte entre diversas tradições jurídicas (Cfr: VICENTE, Dário Moura. A crise económica mundial e os contratos internacionais. In: Revista de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, nº 3, 2017, Almedina: Coimbra, Separata. 2017, p. 25). De mais, quanto a estes, prudente, qualquer que seja a utilização atribuída pelas partes às normas neles contidas, dimensionar no negócio a medida da incidência dos Princípios (UNIDROIT. Princípios relativos aos Contratos Comerciais Internacionais Unidroit. Versão provisória publicada em língua portuguesa. Publicada pelo Ministério da Justiça. Roma 1995. p. 23 e 30-31; UNIDROIT. Princípios Unidroit relativos aos Contratos Comerciais Internacionais 2010. Tradução Professor

Lauro Gama Jr. [Em linha]. Disponível em:

https://www.unidroit.org/english/principles/contracts/principles2010/translations/blackletter2010- portuguese.pdf. Acesso em: 07 jan. 2018.).

313 Consoante dito anteriormente, fora publicada no ano de 1994 a primeira edição dos Princípios

UNIDROIT, a qual trouxe regras de direito substantivo destinadas a serem usadas no comércio internacional. As normas nestes Princípios contidas encontram-se abertas para várias utilizações

1994, instrumento este que carrega o grande mérito de, desde sua publicação, ter acrescentado «segurança às complexas relações desenvolvidas por meio dos contratos internacionais314». Com o advento do referido instrumento decorreu uma evolução da chamada lex mercatoria315-316, definiram-se regras de direito substantivo a serem usadas no comércio internacional de todo o mundo317 e fora dada expressão à teoria de hardship, através dos artigos 6.2.1 a 6.2.3 que a trouxeram enquanto regra, a ser, possivelmente, aplicada ao domínio dos contratos do comércio internacional318.

Daí para frente as relações comerciais desequilibradas de forma superveniente, em virtude de terem sido alteradas as circunstâncias que deram causa a contratação, deixaram de depender das soluções advindas das tradições jurídicas, das condições políticas e económicas dos países em que as regras devessem ser aplicadas319. Deixaram também de depender de solução negociada no domínio do contrato, de modo que passou a ser possível haver solução com recurso aos instrumentos internacionais, desde que escolhidos pelas partes a incidir no contrato aquando da integração contratual. E mais, houve delimitação do conteúdo e das consequências jurídicas a decorrerem em caso de hardship320.

Para além dos Princípios UNIDROIT também foram trazidas regras neste sentido através dos Princípios Europeus do Direito dos Contratos, Principles of European Contract Law (dovarante PECL). Publicados no ano de 1999, passaram a disciplinar, em suma, sobre questões relacionadas a

ligadas à disciplina dos contratos comerciais internacionais. Entretanto, elegendo, as partes, os Princípios UNIDROIT, para a validade da utilização, deve-se verificar se a jurisdição eventualmente escolhida para julgar o litígio considera válida esta escolha (Cfr: VICENTE, Dário Moura. A crise…, 2017, p. 25 e ss; GLITZ, Frederico. Contrato e sua conservação… 2008, p. 154; PRADO, Maurício Almeida. Novas Perspectivas…, 2004, p. 48).

314 GLITZ, Frederico Eduardo Z. O contrato e sua conservação… 2008, p. 150.

315 A chamada lex mercatoria é, em suma, encarada como um Direito material do comércio