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As «classes revolucionárias»

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 166-168)

CAPÍTULO V. HUMOR, INSULTO E POLÍTICA NOS PERIÓDICOS DE JOSÉ

V. 18 «Esta pena é um arrocho: pois aí vai uma arrochada»: uma violência «alegre»

V.21. Um jornal sério com «não intempestivos gracejos»

V.22.3. As «classes revolucionárias»

Leitores – e discípulos – dos filósofos encontra-os José Agostinho, «com

manifesta predilecção», em dois grupos socio-profissionais:

Corra-se a Historia d’estas modernas revoluções, ou grandes, ou pequenas, ou geraes, ou particulares, sempre se encontraráõ, sem excepção de huma só, duas classes como obrigadas, Medicos, Jurisconsultos, alta, e baixa Magistratura; a contagião politica abrange com manifesta predilecção estas duas classes (Desengano, Nº 6, p. 8-9).

No entanto, virá mais tarde a alargar o âmbito do «contágio». Primeiro aos

letrados em geral:

[…] desgraçadamente os homens de Letras são, para desgraça sua, e nossa, os Granadeiros destes tão engrossados Batalhoes; as Universidades, cujos Mestres, e cujos alumnos tem por si a justa presumpção de Literatos, são como os depositos e escólas, em que se adéstrão estes guerreiros da impiedade […]os auctores e promovedores das revoluções se encontrão nesta allucinada Classe de Literatura[…] He desgraça, e bem fatal, que se haja convertido em hum motivo de vaidade orgulhosa o alistamento nesta Seita, porque ipso facto se julgão homens em tudo superiores aos outros homens, para quem olhão como para cégos, hebetados, e ignorantes, e eu para elles, como os maiores papelões, e asneirões da Terra (Desengano, Nº 15, p. 5-6).

Depois, ao próprio clero, onde encontra «o malhadismo mais descarado», por

exemplo entre os

Monges do Rastello, que em 1826 tanto de suas mesmas janellas insultavão os homens de bem, mostrão huma inexplicavel alegria, como se já chegasse a hora (como no tal anno lhes chegou) de sahirem para a rua a passeio com gabinardos azues, saiotes de panninho, e botas de hum lustrosissimo verniz Britanico […] o escandalo não pode ser mais público, nem o Malhadismo mais descarado (Desengano, Nº 22, 9).

O extremismo de Macedo fá-lo entrar em polémica com outro expoente do

pensamento absolutista da época, Frei Mateus da Assunção Brandão, a propósito de um

opúsculo em que este afirmara não ser motivo de receio a recente revolução de Julho de

1830 em França. José Agostinho começa por acusá-lo de «moderação» relativamente

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aos liberais e acaba por atribuir-lhe a autoria de uma manobra para fazer calar o

Desengano, à semelhança da «vergonhosa cabala» que fez parar a Besta, assegurando

que «só quem me mandou escrever, me póde mandar calar» (Desengano, Nº 17, p.

11)

311

.

Entre os argumentos esgrimidos contra Brandão, que Macedo insiste em chamar,

em tom pejorativo, «Frade Bento» – numa associação subliminar a outro beneditino, o

malhadíssimo Frei Francisco de S. Luís –, compara a «folha de serviços» de ambos na

luta contra vintistas e cartistas. Aos «tres Folhetos contra os revolucionarios, e Pedreiros

Livres» de Brandão, escritos «debaixo de hum Governo Legitimo, e verdadeiro, com

hum Ministerio Christaõ, e honrado, em que elle nada tem que temer» opõe os seus

«duzentos Artigos, na Gazeta Universal, e avulsos, tendo nas mãos hum Sceptro de

ferro a canalha vinda do Porto», além das «32 Cartas, e bem compridas, quando hum

forte Exercito Estrangeiro se atravessou no meio de Portugal, para auxiliar o dominante

Partido Carteiro dos Pedreiros»

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. Triunfal, Macedo remata com uma pergunta: «E

nestas crises taõ perigosas, nestes transes taõ arriscados […] que fez o Dr. Frade Bento,

que agora […] nos vem arrotando valentias como Campeaõ do Altar, e do Throno?

Esteve callado como hum Rato em sua toca» (Ibidem).

Por fim, o contágio revolucionário alastra à nobreza, cuja arrogância Macedo

sublinha ao usar a alegoria do telescópio e do microscópio para dar conta da falta de

comunicação entre aristocratas e plebeus, «tal é a grandeza e a distância em que o nobre

se considera»:

A Nobreza, ou a classe alta despreza, ou desdenha muito a classe popular. Ha Nobres tão intrataveis, e soberbos, que mostrão não poderem supportar que os plebêos tenhão como elles a figura humana, e por que estão em huma condição elevada, não querem conhecer nos outros a igualdade da Natureza. Para se communicarem hum grande, e hum plebêo são precisos dois instrumentos, dos quaes hum em Astronomia se chama Telescopio, outro em Fysica se chama Microscopio, hum aproxima, outro augmenta; para o plebêo fallar a hum destes Grandes precisa do Telescopio, que lho aproxime; tal he a grandeza, e a distancia em que o Nobre se considera, ou quer que o considerem! Para o Grande fallar, e tratar a hum plebêo, necessita do Microscopio, que lhe augmente a invisivel pequenez em que reputa, ou imagina. Bom seria que estes tubos, e estas lentes se quebrassem de huma vez para sempre, e que se formasse huma adequada idéa do que seja a

311 Ver PEREIRA, Maria da Conceição Meireles – «Mateus da Assunção Brandão versus José Agostinho

de Macedo – Uma polémica em torno da Revolução», In Actas do Colóquio A Recepção da Revolução Francesa em Portugal e no Brasil II. Porto: Universidade do Porto, 1992, p. 305-321.

312 A Carta 1ª está assinada J. A. D. M.; a partir da Carta 2ª até à «32ª e Ultima», o autor vem identificado

por extenso. Ver MACEDO, Cartas de José Agostinho de Macedo a seu Amigo J. J. P. L. [Joaquim José Pedro Lopes] – Lisboa: Impressão Régia, 1827.

147 igualdade moral, e que se calculassem os males que acarreta esta arbitraria differença (Desengano, Nº 5, p. 11).

Meses depois, em Março de 1831, José Agostinho atribui à nobreza a auto-

representação de uma casta – «Cá pela rua se hum Grande me encontra a mim, que sou

hum peão, ou hum plebêo, e a maior parte da minha vida hum Prégador de aluguel,

arreda-se muito, não se contamine com o contacto» (Desengano, Nº 14, p. 11

) –

reelaborando essa «vaidade» como um factor de vulnerabilidade à sedução

revolucionária, para concluir com um apelo aos aristocratas: «não degenerem».

[…] para a innata vaidade dos homens não ha cousa maior que ser Grande. Venhão Camaras, porque não só queremos ser Grandes, porém Pares; pois venhão Camaras, e serão nullos; e desenganem-se que todas essas fórmulas com que os Charlatães do Frasquinho enfeitão a Revolução, mais cedo, ou mais tarde vem a parar no puro Republicanismo[…] Eu não sou inimigo da Nobreza, porque nella vejo, e nella respeito o premio, e a recompensa da virtude de antigos Portuguezes […] os presentes não são o que são senão pelo que seus avoengos, ou antepassados fôrão; mas lembrem-se que o devem ser, e não degenerem (Ibidem, p.12).

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 166-168)