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O periódico

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 48-50)

CAPÍTULO I. À DESCOBERTA DO OUTRO NO ALMOCREVE DE PETAS

I.2. O periódico

Almocreve de Petas, ou Moral Disfarçada, Para Correcção Das Miudezas da

Vida, Por José Daniel Rodrigues da Costa, Entre os Pastores do Tejo, Josino Leiriense

– assim se apresenta o periódico publicado em 140 folhetos semanais, de 1797 a 1800,

coligido em dois tomos, para a primeira edição, e em três, para a segunda

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.

O frontispício do Tomo I inclui uma citação de António Ferreira, da «Carta ao

Cardeal Ifante D. Anrique, regente»: «De arêa, cal, e pedra os que edificão/ Baixas, mas

112 FERREIRA, Maria Isabel Lopes – «José Daniel Rodrigues da Costa (1755/56-1832). Um autor ao

serviço da “educação dos povos”». Dissertação de Mestrado em Estudos Românicos, Departamento de Estudos Românicos da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2011.

113 «C’est un écrivain assez original dans le genre burlesque, mais manquant de goût. Il est auteur de

plusieurs ouvrages périodiques populaires, dans lesquels on trouve parfois des conceptions assez piquantes, et une satire des mœurs qu’on pourrait lire avec plaisir, si elle était exprimée en language plus châtié» (BALBI, Adrien – Essai Statistique sur le Royaume de Portugal et d’Algarve, comparé aux autres états de l’Europe et suivi d’un coup d’œil sur l’état actuel des sciences, des lettres et des beaux-arts parmi les portugais des deux hémisphères. Tome Second. Paris: Chez Rey et Gravier, Libraires, 1822, p. cxlvi).

114 «Son épouse, qui est une femme de beaucoup d’esprit, l’aide dans ses travaux littéraires» (Ibidem). 115 ATTARDO, Salvatore – Linguistic Theories of Humor, Berlim/Nova Iorque: Walter de Gruyter.1994;

GOATLY, Andrew – Meaning and Humour. Cambridge: Cambridge University Press.2012.

116 FREUD, Sigmund – Op. cit.

117 BERGSON, Henri – Op. cit.; BILLIG, Michael – Laughter and Ridicule: Towards a Social Critique of

Humour. London: Sage, 2005.

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necessarias miudezas,/ As Torres erguem, que tão altas ficão. Ferr. Cav. 2. Liv. II»

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.

Indica ainda o número da edição (foi consultada a segunda edição), bem como o local

de edição (Lisboa), o impressor (Na Officina de J.F.M. de Campos; a primeira edição

foi impressa por Simão Thaddeo Ferreira) e a data (1819), além da indicação «Com

licença do Desembargo do Paço». No verso, outra epígrafe de António Ferreira: «A

Aranha da boa flor faz má peçonha;/ O estômago damnado, em mal converte,/

Qualquer, que nelle bom licor supponha. Ferr. Cart. XII. Liv. II»

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Na página seguinte surge o Prólogo:

Como a pirula amargosa/ Se doura ao triste doente,/ Para ser menos tediosa;/ Assim á moral pungente,/ Doura huma frase jocosa:/ E a mocidade imprudente,/ Vendo-a dourada, e vistosa,/ A toma insensivelmente.// Guindados Heróes não sigo…/ Altos voos não porsigo…/ Nestas noticias, que dou,/ Fôfas expressões não digo,/ Só vícios cortando vou…

Após os paratextos do volume, inicia-se a publicação dos folhetos propriamente

ditos, com indicação do número das partes em numeração romana (na primeira edição

Parte I a Parte LXXXVIII do Tomo I e Parte I a Parte LII do Tomo II; na segunda

edição a numeração dos três tomos é corrida, de Parte I a Parte CXL). A primeira página

de cada folheto é ilustrada por uma gravura representando, na primeira edição, o

almocreve a pé, com o cavalo pela rédea, virado para a esquerda. Na segunda edição, o

almocreve vai a cavalo, também para a esquerda

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O escopo do periódico é apresentado no primeiro folheto:

Leitor applicado, e curioso, o Homem occupado dos negocios mais sérios se encontra na rua o Urso bailando; não se dispensa sde lhe botar os olhos, se he que não pára, dando o seu surriso: o Homem cheio de afflicções, que vê no Rocio o Pobre tocando vióla com os pés, demora-se, gosta, e ás vezes larga os seus cobres; finalmente a Camara-Optica, a Alenterna Magica, tudo isto attrahe o Homem mais sisudo; pos assim como a vista necessita da variedade das cores, e dos differentes objectos, igualmente o Espirito precisa variar de ponderações, e de assumptos, que o molestem; isto mesmo nos dá a entender o sabio Esopo no célebre conto, que traduzido se segue: razão porque me disponho a dar-vos a presente Obra para desafogo das horas vagas, em que ambos teremos o nosso recreio, eu em compôr, e vós em comprar (I, p. 1).

119 FERREIRA, António – Poemas Lusitanos. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000, p. 322. 120 O periodista deve ter lido a segunda edição dos Poemas: FERREIRA, António – Poemas Lusitanos

do Doutor Antonio Ferreira. Segunda Impressão. Tomo II, Livro II, Carta XII. Lisboa: Na Regia Officina Typografica, 1771 [1598], p. 111.

121 Note-se a simbologia da figuração escolhida: a imagem do almocreve com o seu cavalo, vendendo

artigos de terra em terra, remete para a circulação de notícias, de histórias, da tradicional literatura de cordel. Ver ARAÚJO – Op. cit., p. 153.

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Isto é, o Almocreve de Petas propõe-se relatar aquilo que, por insólito, atrai a

curiosidade e suscita o interesse

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. Ou, à maneira dos média actuais, notícia é o homem

que mordeu o cão.

As diferentes «petas» – histórias, crónicas, reportagens – têm indicação de lugar

e data. No primeiro folheto, por exemplo, ocorreram no Cais do Sodré a 11 de Janeiro;

Pampulha a 30 de Dezembro; Bairro Alto a 5 de Janeiro; Boqueirão da Moita a 10 de

Dezembro; Bica do Sapato a 7 de Março; Alfama a 1 de Abril; Arroios a 17 de Abril…

A concluir a primeira parte, José Daniel Rodrigues da Costa inclui uma

«Protestação do Author», habitual nas suas obras – estratégia defensiva para evitar

eventuais litígios, perseguições e problemas com a censura

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:

Assegura, e protesta o Escritor desta Obra, que não he sua intenção remoquear, ou alludir a pessoa alguma em particular com as palavras, e narrações ficticias, e jocosas, de que nella se serve, pois só procura facilitar por este modo a recreação do espirito, e ainda a lição de muitas cousas miudas da vida, pois os casos, que contém, são de mera invenção, sem satyras, ou invectivas aos Leitores, etc. (I, p. 8).

No entanto, acabaria por admitir na «Falla de despedida do Editor desta Obra»,

no último folheto: «[…] devendo-lhes chamar correio das verdades, lhe puz Almocreve

de Petas» (CXL, p. 1-3).

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 48-50)