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17 «Fedor de catinga» e «origem macacal»: o racismo como munição

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 154-156)

CAPÍTULO V. HUMOR, INSULTO E POLÍTICA NOS PERIÓDICOS DE JOSÉ

V. 17 «Fedor de catinga» e «origem macacal»: o racismo como munição

O sarcasmo de Macedo é frequentemente racista. N’A Besta Esfolada as

primeiras tentativas surgem no nº 5, de 10 de Dezembro de 1828, a propósito da notícia

de uma cerimónia na embaixada em Londres, com a presença da jovem D. Maria II:

Eu não imaginaria huma scena semelhante em huma Comedia de baixo sóco se quizesse fazer rir o Mundo! […] E, em quanto durou a ceremonia a menina Rainha Reinante estaria quieta sem bolir no Diadema, e depinicar nos Penachos? E as Aias, as Damas, as Donas de Honor, e sobre tudo a Camareira Mór, de que côr serião? E terião os cabellos muito corridios? (Besta, Nº 5, p. 12).

Racismo tendo como alvo judeus – além do sintomático verbo «judiar»

295

– e

ciganos aparece em diferentes números do periódico:

He verdade que fugirão muitos, e se alapardárão não poucos dos Ciganos, que nos impingírão a Besta, e que a tinhão arreatado a tão farta manjadoura; mas entre os Ciganos mais trocas, apparecêrão logo alli alguns, que erão do Conselho Supremo, e não só Trocas, mas Troquissimos; e eu passados menos de quinze dias, mamado, e agourando ainda peor daquelle borborinho, do que havia agourado da balburdia de 1820 (Besta, Nº 10, p. 8). […] cambada dos Judeos errantes, que daqui abalárão depois de terem feito tantas para fazerem ainda mais por esses Reinos estranhos, dirá, e com razão, quando os contemplar aos magotes pelas Tabernas, Casas de Pasto, e

294 Referência ao assassínio dos lentes da Universidade de Coimbra, em Condeixa, a 18 de Março de

1828. Os professores iam a Lisboa apresentar cumprimentos a D. Miguel em nome da Universidade e foram mortos por membros de uma associação secreta de estudantes liberais, a Sociedade dos Divodignos. O crime serviu de pretexto para o novo governo miguelista lançar uma vaga repressiva que não só levouos assassinos à forca como lançou na prisão e forçou ao exílio centenas de liberais.

134 Hospedarias, — Isto he bando de ladrões combinados, isto são Ciganos sem Patria, e sem Lei (Besta, Nº 13, p. 8).

As referências aos judeus voltaram no último número antes da proibição:

Carcundas meus irmãos, meus Camaradas, meus honradissimos Carcundas, quando vos vejo, parece-me que estou vendo os Judeus pelas ruas de Larache, ou de Tetuão; andais como vendidos, ninguém olha para vós, que não seja para vos insultar (Besta, Nº 26, p. 15).

E também no número que ficou inédito até 1831 – seria o nº 27 d’A Besta –

dirigindo-se aos capitalistas que especulavam com o valor do papel-moeda:

[…] seja quem fôr, basta-me saber, que não só he da Tribu de Issachar, mas da familia daquelle, que sabendo que Judas andava em negociações, e ajustes com os Escribas e Farisêos sobre o preço da entrega e traição […] eu só quero que me diga huma cousa em consciência: Se o Papel-Moeda he genero, ou he dinheiro? Se he genero, porque não tem taxa? Se he dinheiro, quem lhes dêo a Vossas Senhorias authoridade para lhe alterar, ou diminuir o valor? Espero as suas ordens, e a sua resposta até á chegada do seu Messias (Besta, Nº inédito [27], p. 9).

Mas as principais tiradas racistas guarda-as Macedo para tudo o que diz respeito

ao Brasil:

[…] os Brasileiros são como os jumentinhos, em pequeninos muito vivos, muito expertos, pulão, saltão, brincão, correm, emfim são a mesma viveza; quanto mais crescem, mais se lhes diminue a vivacidade, começão a se lhes dobrarem, e cahirem as orelhas, nenhum arrocho, por mais vibrado, e sacudido que venha, os faz andar, não tomão geito, pirguiçosos, e indolentes (Besta, Nº 18, p. 8).

As especificidades da língua portuguesa falada no Brasil servem de pretexto para

mais uma piada de mau gosto:

[…] e podem dizer os Brasileiros que estão tão separados de Portugal, que até a sua lingua não he a nossa, e tem razão, porque parece assim huma cousa por modo de lingua de Preto. Ou elles o são, ou de lá vem por algum costado! (Besta, Nº 19, p. 14).

A propósito do protesto diplomático motivado pela prisão do cônsul do Brasil no

Porto, em Junho de 1829, carrega no insulto:

Se estes Senhores di lá são patifes, os di cá fazem justiça, pois não queremos que os Estrangeiros venhão dar Leis, e mudar Leis dentro em nossa casa, como nós não vamos dar Leis, nem mudar o Governo da sua. O Seu Monarcha tem lá hum Throno; o nosso cá tem o que só a elle pertence. Que não ha de acabar este fedor de catinga, com que nos vem inficionar o ambiente, que respiramos!! (Ibidem, p. 14-15).

Nos últimos números, a ironia dá lugar à ofensa desbragada:

Dizem que os dous pais da Gente Romana forão em pequenos alimentados com o leite de huma Loba; e porque não serião os pais da Nação Brasileira, não digo eu alimentados com o leite de huma Macaca, mas filhos naturaes da mesma Macaca? Pelos domingos se tirão os dias sanctos; olhem-lhe bem

135 para aquellas carinhas... me melem, se ainda se lhes não descobrem vestigios pouco confusos da origem macacal! E as fallinhas não parecem ainda guinchos da ternura materna? Eu quero bater-me peito a peito, ainda que me não possa nem mexer, nem levantar só desta cama, e desta cadeira, com qualquer campião da melaçada di lá, para lhe provar que naquelles chatos focinhos, rombos narizes, flexiveis orelhas, roliços, e derrubados beiços não ha alguma cousa só, hum só ar do venerando rosto Portuguez. […] Se dizem as más linguas que não ha geração sem meretriz, e ladrão, que muito he que vamos achar, no que se diz puramente Nação Brasileira, alguma cousa de rabo comprido! Deos me livre! (Besta, Nº 20, p. 3).

A insistência de Macedo nos ataques – «Terão razão os meus Leitores, e até os

meus soletradores, de me perguntarem que tenêta he esta agora minha com o Brasil, e

com os Brasileiros?» (Besta, Nº 21, p. 8) – é justificada pelo próprio como uma resposta

aos impropérios das gazetas e papéis do Rio de Janeiro contra o seu «adorado» monarca

e contra ele próprio: «Como em hum delles se diz, e em huma inteira folha, que eu sou

o seu Corifêo, eu o defenderei, e com usura» (Ibidem).

Pretexto para mais um excesso na utilização da «arma do ridículo», recorrendo

perla primeira vez a expressões tão ofensivas como «semi-homens» ou «colónia de

escravos» «domesticados»:

[…] a Nação Brasileira, vestida unicamente da sua pelle natural, trazendo em sua cintura hum saiotinho de pennas de Papagaio […] seria a Nação Cabouca, e a Nação Gamella. Os Portuguezes tinhão feito destes semi- homens huma Colonia de escravos; e lembrem-se elles que, depois de domesticados, quem advogou com heroico valor a causa justa da sua natural liberdade, foi o Jesuita eloquentissimo Vieira, e o mais castigado, e polido de quantos em Portuguez escrevêrão. Quem fez daquillo huma Nação forão os Portuguezes; quem fez daquillo hum Imperio foi a Besta (Besta, Nº 21, p. 5- 6).

V.18. «Esta pena é um arrocho: pois aí vai uma arrochada»: uma violência

No documento Castigar a rir. Vol. I (páginas 154-156)