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III. Estrutura do trabalho

1. TRAJETÓRIA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGIME DE TRANSPARÊNCIA FISCAL INTERNACIONAL

1.3. O debate norte-americano: as origens históricas das CFC rules

1.3.4. As exceções criadas às Foreign Sales Corporations (FSC)

É interessante observar que, se por um lado a Administração Kennedy objetivou combater estratégias elisivas voltadas à transferência de capital de países de elevada carga tributária para países de tributação favorecida, submetendo determinados tipos de rendimentos (denominados subpart f income) à tributação através das suas CFC rules, por outro lado o Congresso norte-americano entendeu que as empresas exportadoras deveriam ter o benefício tributário do diferimento da tributação norte-americana incidente sobre as receitas de exportações auferidas por subsidiárias residentes no exterior que fossem qualificadas como export trade corporations.

52 Cf. ENGEL, Keith. Tax Neutrality to the Left, International Competitiveness to the Right, Stuck in the Middle

with Subpart F. Texas Law Review, Texas, v. 79, 2001, p. 1.552.

53 Observa-se que a questão da competitividade esteve presente desde o debate legislativo de 1962 até hoje nos

EUA, favorecendo um modelo de diferimento parcial ou, em alguns casos, até mesmo a adoção do CIN. Neste sentido, confira-se: AVI-YONAH, Reuven S. Globalization, Tax Competition and the Fiscal Crisis of the Welfare State. Harvard Law Review, v. 113, n. 7, 2000, p. 1.610.

A principal razão que motivou o Congresso a criar um regime especial para as exportações dizia respeito à concorrência comercial oferecida pelos europeus. Acreditava-se, na época, que os sistemas de tributação em bases territoriais adotados pela grande parte dos países da Comunidade Europeia poderiam gerar uma desvantagem concorrencial para as exportações norte-americanas que, ainda que não estivessem sujeitas às suas CFC rules,

estariam sujeitas à tributação em bases mundiais54. A verdade era, no entanto, que os EUA

queriam incentivar as suas exportações através da concessão de um regime tributário mais benéfico.

O regime vigente desde 1971, denominado Domestic International Sales Corporation (DISC regime), consistia, fundamentalmente, em um regime que permitia o diferimento da tributação norte-americana incidente sobre receitas de exportação de subsidiárias residentes no exterior qualificadas como DISC. Na prática, uma parte das receitas de exportação era

isenta da tributação norte-americana e a outra parta era diferida indefinidamente no tempo55.

O regime da DISC foi objeto de disputa internacional por ser acusado de violar o Acordo GATT (General Agreement on Tariffs and Trade), tendo o conselho decidido que o regime norte-americano era um subsídio proibido às exportações norte-americanas, bem como

uma verdadeira isenção e não mero diferimento da tributação56. A Comunidade Europeia,

particularmente, além de acusar os EUA de conceder subsídio proibido às suas exportações, fez fortes pressões para que o conselho autorizasse o uso de medidas compensatórias contra o comércio norte-americano. Diante da possibilidade de sofrer medidas compensatórias, no ano de 1984, o Congresso norte-americano substituiu o DISC regime pelo FSC regime (Foreign Sales Corporation regime), em uma tentativa de se adequar à decisão proferida pelo conselho

do GATT57.

No regime das FSC, as receitas decorrentes de exportação das sociedades qualificadas como FSC estavam sujeitas à tributação em bases territoriais pelo país da fonte produtora, ou seja, não estavam sujeitas à tributação nos EUA, tampouco à aplicação das suas CFC rules, ainda que tais sociedades fossem residentes em países de tributação favorecida. Alguns autores questionam se a adoção do regime das FSC não seria uma reação contra o sistema de

54 Em relação a questão concorrencial advinda da tributação em bases territoriais dos países da Comunidade

Europeia, confira-se: JELSMA, Phillip L. The making of a subsidy, 1984: The tax and international trade implicatios of the Foreign Sales Corporation legislation. Stanford Law Review, v. 38, n. 5, 1986, p. 1.327-1.362.

55 Ibid., p. 1.333-1.334. 56 Ibid., p. 1.334.

57 Cf. ENGEL, Keith. Tax Neutrality to the Left, International Competitiveness to the Right, Stuck in the Middle

tributação em bases territoriais adotado pela Comunidade Europeia bem como contra os benefícios fiscais dados no âmbito dos seus tributos indiretos (sobretudo o Imposto sobre o

Valor Agregado - IVA)58.

No entanto, o FSC regime foi questionado junto à OMC (Organização Mundial do Comércio), da mesma forma que ocorreu com o seu antecessor. Em 2000, a referida organização proferiu decisão, em sede de recurso (Appellate Body), reconhecendo que o regime norte-americano violava o Acordo GATT, mais precisamente o Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (art. 3.1, a) que o integra. O referido dispositivo faz menção ao Anexo I do acordo em que constam exemplos do que se entende por subsídios concedidos às exportações, sendo que a nota de rodapé nº 59 resguardava o direito de o país adotar medidas destinadas a evitar a dupla tributação internacional, desde que em respeito ao

princípio arm’s length.

Sem querer entrar muito nas suas minúcias, vale ressaltar que a discussão central que foi levada à OMC era, fundamentalmente, se o FSC regime, enquanto medida destinada a evitar a dupla tributação, poderia ser excluído do conceito de subsídio proibido às exportações. Na ocasião, os EUA argumentaram que a parte final da nota de rodapé tornava possível essa interpretação, ao passo em que a Comunidade Europeia defendeu que o dispositivo não permitia que os países signatários adotassem métodos destinados a evitar a

dupla tributação – tais como a isenção completa – de receitas estrangeiras oriundas de

operações de exportações diferentes do método geral adotado pelo país em relação às demais receitas, que, no caso dos EUA, é o método do crédito. Prevaleceu, ao final, a visão defendida

pelos europeus59.

A crítica que se pode fazer à decisão da OMC é que, não obstante ela tenha determinado que os EUA extinguissem o seu regime tributário aplicável às FSC, a decisão não impediu que o país viesse a adotar medidas futuras que tivessem efeitos similares (beneficiar as exportações), desde que precedida do devido cuidado para que tais medidas não

violassem os acordos celebrados pelo país60.

58 Entre eles: JELSMA, Phillip L. The making of a subsidy, 1984: The tax and international trade implicatios of

the Foreign Sales Corporation legislation. Stanford Law Review, v. 38, n. 5, 1986. p. 1.353-1.355.

59 Cf. LANGBEIN, Stanley I. Tax treatment for “foreign sales corporations” – WTO Doc. WT/DS108/AB/R. The American Journal of International Law, American Society of International Law, v. 94, n. 3, 2000, p. 546-

555.

Ademais, notamos que o embate entre os EUA e a Comunidade Europeia esteve presente tanto na ocasião em que se discutiu o regime das DISC com o Acordo GATT, quanto em momento posterior, quando se questionou a adequação do regime das FSC com o referido acordo. Tal embate no âmbito do Acordo GATT é, acima de tudo, um reflexo de uma disputa comercial acirrada entre os EUA e a Europa, bem como uma consequência da tentativa de se comparar sistemas tributários com composição completamente distinta; enquanto o sistema europeu se respalda muito mais na tributação incidente sobre o consumo (e.g. IVA) do que na tributação direta (e.g. IR), o sistema tributário norte-americano, que pouco tributa o consumo, está mais ancorado na tributação incidente sobre a renda corporativa e das pessoas físicas.

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