• Nenhum resultado encontrado

EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL

4. ANÁLISE JURÍDICA CRÍTICA DO REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR

4.3. O regime de tributação de lucros auferidos no exterior e o direito interno

4.3.1.2. As posições doutrinárias

A tese da constitucionalidade é defendida, em sua maioria, por autores pertencentes à primeira linha doutrinária exposta no tópico anterior. A maior parte desta corrente de entendimento defende a tese do Ministro Nelson Jobim de que a tributação ocorre na medida em que há o reconhecimento da receita positiva de equivalência patrimonial, seguindo-se o regime de competência, decorrente da apuração de lucros auferidos por sociedades investidas no exterior. Neste sentido, o reconhecimento de receitas pelo regime de competência faz com que elas estejam disponíveis na pessoa da controladora no momento em que ela as registra contabilmente. Tal fato não ocorre em relação às pessoas submetidas ao regime contábil de caixa, tais como as pessoas físicas, situação em que haveria, de fato, a necessidade de se aguardar a efetiva distribuição dos valores pela controlada para que os mesmos se reputassem disponíveis214.

Em apoio à visão demonstrada acima à tese acima que dá suporte à tese da constitucionalidade e, seguindo em muito a linha de raciocínio do Ministro Nelson Jobim, André Martins de Andrade, conforme expusemos anteriormente, defende que grupos empresariais sujeitos a diversas jurisdições fiscais devem ser vistos como um único complexo econômico de modo que a separação formal entre as pessoas jurídicas deveria ser relativizada. Portanto, seria possível adotar a participação societária como elemento de conexão que embora não seja “forte” – tais como a fonte, a residência e a nacionalidade – permitiria a tributação do sócio pelos lucros auferidos no exterior por sociedades investidas antes mesmo da sua disponibilização, sem implicar afronta ao conceito constitucional de renda.

Partindo-se desse pressuposto, pondera o autor que o regime brasileiro determina a incidência tributária sobre o valor do acréscimo patrimonial experimentado pelo sócio brasileiro em virtude da sua participação societária na empresa que auferiu lucros no exterior. Tal fato, por si só, já acarretaria disponibilidade do lucro, incorporado ao patrimônio do sócio, uma vez que a sua realização financeira (em moeda) depende exclusivamente de um ato de vontade do próprio investidor que possui plena titularidade sobre o ativo (investimento) ao

214 Curiosamente, em virtude de as pessoas físicas estarem sujeitas ao regime de caixa e de não haver previsão

legal para que a elas seja aplicável uma norma de antidiferimento, muitos são os planejamentos tributários atualmente realizados utilizando-se de pessoas físicas – na função de intermediárias detentoras de participação societárias de sociedades residentes no exterior – como estratégia voltada a diferir a tributação brasileira sobre lucros auferidos no exterior.

qual se agregou o incremento patrimonial reflexo (lucro da subsidiária) 215. A nosso ver, este raciocínio só se aplica às hipóteses de controle societário.

Os autores que advogam pela tese da constitucionalidade não entendem que seja aplicável o precedente jurisprudencial do ILL por não considerarem que eles tratam do mesmo objeto; enquanto o precedente tratava de dividendos, a presente discussão versa sobre lucros216.

Seguindo linha de raciocínio semelhante, Eliana Karsten Anceles defende a flexibilização dos conceitos de disponibilidade econômica e jurídica. Neste sentido, haveria disponibilidade jurídica dos lucros auferidos no exterior nas hipóteses em que a sociedade brasileira detivesse o controle da sociedade residente no exterior. Este raciocínio segue, em muito, as linhas de pensamento demonstradas pela Ministra Ellen Gracie. A necessidade de se flexibilizar o conceito de disponibilidade adviria da emergência do Estado-transnacional, ao qual nos referimos anteriormente, em que os países devem tomar medidas de proteção para

resguardar as suas bases imponíveis217.

Há, no entanto, críticos em relação a este entendimento. Tais críticos pertencem, em sua maioria, à segunda linha demonstrada acima e defendem a tese da inconstitucionalidade dos dispositivos normativos ora tratados.

Ricardo Mariz de Oliveira defende que a inclusão do §2º ao artigo 43 do CTN teria excluído qualquer dúvida quanto à validade da tributação da pessoa jurídica em bases mundiais, mas questiona, até que ponto este dispositivo legal teria sido o fundamento de validade para o art. 74 da MP nº 2.158-35/2001 (regra de antidiferimento). Ao analisar a questão, o referido autor conclui que o §2º do artigo 43 do CTN não permite que a disponibilização dos lucros auferidos no exterior ocorra através de uma presunção ou ficção

jurídica; o dispositivo requer que haja a sua efetiva disponibilização econômica ou jurídica218.

Isso porque, o §2º não é uma exceção ao caput do artigo 43, devendo aquele dispositivo ser interpretado de forma harmoniosa com o comando normativo deste último, de modo que “não

215 Cf. ANDRADE, André Martins. Os limites da tributação universal da renda e a ADI nº 2.588. Revista Fórum de Direito Tributário (RFDT). Belo Horizonte: Fórum, n. 29, 2007, p. 21-25.

216 O precedente ILL tratava de dividendos uma vez que era somente sobre eles que a fonte poderia ser

responsabilizada pela inobservância do seu dever de reter IRRF como responsável tributária.

217 ANCELES, Eliana Karsten. Transparência Fiscal Internacional (Controlled Fo.reign Corporations – CFC):

uma visão analítica à luz da sistemática jurídico-tributária brasileira. Revista Fórum de Direito Tributário

(RFDT). Belo Horizonte: Fórum, n. 8, 2004, p. 77-128.

há uma disponibilidade no parágrafo 2º que seja distinta das disponibilidades previstas no caput” 219.

O autor sustenta ainda a tese de que o artigo 1º da Lei 9.532/97 não teria sido

expressamente revogado por qualquer dispositivo legal, nem mesmo pelo artigo 74 da MP –

nas vias previstas pelo artigo 12 da Lei Complementar 95 – razão pela qual é ele quem deve

reger a sistemática de tributação de lucros auferidos no exterior220.

Esta linha de raciocínio se respalda fortemente na tese de que para que o fisco brasileiro tribute a renda auferida no exterior, não seria possível, em vista dos limites impostos pelo ordenamento jurídico brasileiro, considerá-la transparente. Apenas através de um ato formal da fonte pagadora que retire tais rendimentos da sua esfera patrimonial e os coloque à disposição da pessoa dos seus sócios – e.g. crédito, pagamento, entrega, emprego, remessa deliberados em assembleia societária ou mesmo a previsão de cláusula no contrato ou

estatuto social dispondo sobre o momento da disponibilização dos lucros – é que seria

possível ao fisco brasileiro tributar tais rendimentos pois seria só neste momento é que haveria a transferência da sua titularidade de um patrimônio para o outro. Seguindo esta linha de raciocínio, não há direito ao crédito da investidora dos lucros auferidos no exterior quando da mera apuração pela investida, pois, neste momento, há tão somente a potencialidade de direito ao lucro, representada pelo seu direito de voto em assembleia societária a favor da distribuição dos lucros auferidos.

Tércio Sampaio Ferraz Júnior defende um posicionamento semelhante ao ponderar que o §2º do artigo 43 do CTN atribuiu competência à lei ordinária apenas para viabilizar a incidência do imposto de renda sobre rendas auferidas no exterior sem, no entanto, lhe permitir que o momento e as condições da passagem da situação de “não ter” para a situação de “ter” – passagem operada através da aquisição de disponibilidade – fossem fixadas livremente pela lei ordinária, pois a sua definição é elemento inerente ao tipo tributário o qual,

por sua vez, é competência exclusiva da lei complementar regular221. Assim, a delegação de

competência à lei ordinária deve se ater ao disposto do caput do artigo 43.

Ademais, ao ponderar qual seria a verdadeira natureza do critério de disponibilização automática previsto no artigo 74 da MP nº 2.158-35/2001, Tércio Sampaio Ferraz Júnior

conclui que ela seria uma ficção jurídica – na linha apontada por Heleno Tôrres conforme

apontamos anteriormente – e não a uma mera equiparação jurídica na medida em que “a

219 OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 338. 220 Ibid., p. 593.

221 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Disponibilidade: CTN art. 43. Revista de Direito Tributário (RDT). São

equiparação afirma uma igualdade, desprezando desigualdades secundárias, enquanto a ficção

afirma uma desigualdade essencial, procedendo, não obstante, a uma igualação”222.

O ponto de vista demonstrado acima se respalda na ideia de separação rígida entre duas pessoas jurídicas que, embora sejam vinculadas entre si pelo fato de uma deter participação societária da outra, compõem duas entidades juridicamente distintas e autônomas de modo que a passagem de bens e direitos que compõem um dos patrimônios para o outro dependeria do preenchimento de determinados requisitos formais (e.g. deliberação em assembleia de acionistas). Essa visão rígida possui repercussões diretas no conceito de disponibilidade jurídica adotado que passa a exigir o preenchimento de requisitos formais para que a renda passe a ser disponível à pessoa jurídica controladora ou coligada. Apesar de razoável e coerente, esta tese inviabiliza, por completo, a adoção do regime de transparência fiscal no direito brasileiro que, conforme expusemos anteriormente, é de fundamental

importância para a proteção das bases imponíveis nacionais223.

Em vista da necessidade de o Brasil ter normas de transparência fiscal internacional para a proteção da sua arrecadação tributária, outra parte da doutrina, que também se opõe à tese da constitucionalidade do regime brasileiro, defende a aplicação do princípio da proporcionalidade como critério destinado a aferir a validade jurídica das normas em análise.

Luís Eduardo Schoueri, ao analisar a adoção do regime de transparência fiscal internacional em direito comparado, demonstra a sua natureza antibusiva e a sua aplicação

como regra de exceção haja vista o preenchimento de critérios específicos – tais como a

localização dos investimentos feitos no exterior, a natureza dos rendimentos, o propósito

negocial do investimento e a caracterização de controle societário – requisitos esses que,

conforme demonstramos anteriormente, são geralmente adotados pelos países para definir as situações em que se deve coibir o diferimento da tributação no país de residência do investidor. Assim, tendo-se em vista o propósito almejado pelo regime brasileiro de tributação em bases universais, o autor sustenta que ele é desproporcional na medida em que esta finalidade poderia ser alcançada com uma regra de antidiferimento que se aplicasse

222 FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Disponibilidade: CTN art. 43. Revista de Direito Tributário (RDT). São

Paulo: Malheiros, n. 91, 2001, p. 25.

223 Esta crítica fica muito clara quando o próprio autor afirma que: “(...) nem mesmo o fato de alguns – mas não

todos – investimentos estarem em controladas situadas em paraísos fiscais autoriza uma mudança de atitude interpretativa para validar o art. 74 da Medida Provisória n. 2.158-35/2001, especialmente sabendo-se que a lei brasileira contém inúmeras normas dirigidas a atenuar os efeitos fiscais deletérios para a arrecadação nacional, decorrentes dessas situações, e nenhuma delas tem a ver com a distribuição de lucros e dividendos, além de que o próprio art. 74 não é restrito às coligadas ou controladas mantidas naquelas jurisdições.” Vejam-se maiores detalhes em: OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Fundamentos do Imposto de Renda. São Paulo: Quartier Latin. 2008, p. 363.

seletivamente de modo a coibir, tão somente, o abuso e não a onerar todas as formas de investimentos feitos por empresas brasileiras no exterior. Através da aplicação do princípio da proporcionalidade, resultaria que apenas as rendas produzidas por investimentos feitos em

paraísos fiscais ou beneficiados por regimes fiscais privilegiados – e que preenchessem os

demais requisitos delimitados acima – é que seriam atingidos pelo regime brasileiro224.

Embora esta linha de entendimento venha a se somar à que defende a inconstitucionalidade do regime, ela propõe a sua válida aplicação quando preenchidos os critérios mencionados acima de modo a alinhar as normas brasileiras ao modelo internacionalmente consagrado. Isto porque as rendas (passivas) auferidas por sociedades constituídas sem propósito negocial em paraísos fiscais ou nas situações em que o contribuinte se beneficie de regimes fiscais privilegiados estarão, desde a sua apuração, disponíveis já que a legislação do país permite que o sócio controlador tenha elevada ingerência na sociedade controlada, desprezando, por vezes, formalidades societárias que são inerentes à existência de duas entidades juridicamente distintas e autônomas, levando a crer

serem meras sociedades “casca de ovo” 225.

O que praticamente todos os autores que entendem ser o regime brasileiro inconstitucional (segunda linha doutrinária) possuem em comum é o fato de que nenhum deles defende, de fato, que seja juridicamente válida a tributação através do reconhecimento, pelo regime de competência, de receita decorrente do ajuste positivo feito no patrimônio da sociedade investidora brasileira em virtude da equivalência patrimonial dos seus investimentos em controladas e coligadas no exterior, ponto este considerado central pela grande maioria dos autores que defende a tese da constitucionalidade do artigo 74 da MP 2.158-35 e do §2º do artigo 43. Este entendimento é, por sua vez, um reflexo da visão da pessoa jurídica como ente distinto e autônomo em relação à pessoa jurídica que detém participação na sua estrutura societária, principalmente, no que diz respeito ao seu patrimônio. É por esta razão que o conceito de disponibilidade jurídica torna-se menos flexível e sujeito ao preenchimento de muitos requisitos formais para a sua qualificação. Estas são, fundamentalmente, as premissas que opõem as duas linhas doutrinárias.

224 SCHOUERI, Luis Eduardo. Transparência fiscal internacional, proporcionalidade e disponibilidade:

considerações acerca do artigo 74 da Medida Provisória nº 2.158-35. Revista Dialética de Direito Tributário

(RDDT). São Paulo: Dialética, n. 132, 2007, p. 39-50.

225 Há outros autores que possuem entendimento muito semelhante a este. Entre eles: BIANCO, João Francisco. Transparência fiscal internacional. São Paulo: Dialética. 2007, p. 80-83; GODOI, Marciano Seabra. O imposto de renda e os lucros auferidos no exterior. In: ROCHA, Valdir de Oliveira (Coord.). Grandes questões atuais do direito tributário. São Paulo: Dialética, v. 6, 2002, p. 277-289; e SILVA, Sérgio André Rocha G. da.

Transparência fiscal no direito tributário brasileiro. Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT), São Paulo: Dialética, n. 99, 2003, p. 118-121.

Entre a doutrina especializada, fica muito claro que as linhas de entendimento contrárias aos votos do Ministro Nelson Jobim e da Ministra Ellen Gracie são motivadas por argumentos que amparam um posicionamento visivelmente favorável aos interesses dos contribuintes, em especial, grandes empresas de capital nacional internacionalizadas (segunda linha doutrinária). Por outro lado, há também autores que se propõe a defender a validade jurídica do regime de tributação de lucros auferidos no exterior, sustentando a coerência dos argumentos do Ministro Nelson Jobim e, neste sentido, estão aliados a interesses fiscais (primeira linha doutrinária). Trata-se aqui de uma batalha que se trava no campo jurídico motivada, na maior parte dos casos, pela proteção de um determinado grupo de interesse, seja ele o dos contribuintes, seja o do fisco. Esta disputa torna-se perfeitamente visível quando se olha para o placar acirrado da ADI 2.588 no STF.

Não pretendemos, no presente trabalho, firmar um posicionamento sobre qual dessas linhas deve prevalecer. O nosso objetivo será, no entanto, chamar atenção para um novo campo de debate que não está preso a estas duas linhas analisadas. Trata-se do (possível) segundo momento de debate sobre a validade jurídica do regime tributário que não excluirá a discussão quanto conceito constitucional de renda, mas se focará na adequação regime frente à Ordem Econômica Constitucional.

Outline

Documentos relacionados