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III. Estrutura do trabalho

2. TRAJETÓRIA DA EVOLUÇÃO NORMATIVA DO REGIME DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR NO DIREITO

2.2. A evolução do regime de tributação de lucros auferidos no exterior no direito brasileiro

2.2.4.2. Conclusões Parciais – Lei nº 9.532/

Em relação às normas de tributação de lucros auferidos no exterior, a análise do processo legislativo da Lei nº 9.532/97 permite chegar a quatro conclusões parciais.

Primeira: O foco da preocupação política, no Congresso Nacional, foi o corte de benefícios fiscais, principalmente, aqueles destinados à Sudam, Sudene e ZFM, as limitações à dedutibilidade fiscal de IRPF nas Declarações de Ajuste Anual, a proposta de criação de um adicional do IRPF e a imposição de requisitos para o reconhecimento de imunidade

(instituições de educação ou de assistência social) e de isenções (instituições de caráter filantrópico).

Segunda: A alteração na sistemática de lucros auferidos no exterior passou de modo despercebido no processo legislativo de votação do projeto de conversão em lei da Medida Provisória nº 1.603/97.

Terceira: Além disso, chama a atenção o descompasso entre o artigo 1º da Lei nº

9.532/97 – que deu caracterizou o “arrependimento” do Governo Federal em instituir o

regime de tributação em bases universais na medida em que se condicionou a tributação dos lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior à sua efetiva disponibilização econômica ou jurídica (e não automática), o que certamente impactou negativamente na arrecadação federal – e o restante dos dispositivos da lei que previam medidas cujo principal objetivo era o aumento da arrecadação federal. Conforme observado, o objetivo das propostas de alteração legislativa do Governo Federal era reduzir as despesas e aumentar o ingresso de receitas no tesouro federal para enfrentar a crise econômica que estava na iminência de ocorrer à época, ao passo em que a alteração promovida pelo artigo 1º da lei levaria à redução da arrecadação federal, ao menos até que os lucros auferidos no exterior fossem disponibilizados ao sócio brasileiro, devido à substituição da regra geral de antidiferimento por uma regra de diferimento da tributação nacional.

Quarta: Por outro lado, havia a forte crençade que a limitação temporal do direito de

crédito do imposto pago no exterior estimularia a repatriação de lucros no curto prazo. Tratava-se, portanto, de uma norma indutora que buscava amenizar os efeitos arrecadatórios advindos da previsão de um regime de tributação universal com regra geral de diferimento da tributação nacional para as pessoas jurídicas (art. 1º da Lei nº 9.532/97).

No próximo tópico a análise terá como foco as alterações feitas pela Lei Complementar nº 104/2001 em diversos dispositivos do CTN. A principal delas, tendo-se em vista os propósitos do presente trabalho, caracterizou uma inversão na evolução das normas de tributação de lucros auferidos no exterior, permitindo-se que o objetivo inicialmente previsto pelo Governo Federal fosse atingido, qual seja, a previsão de uma regra geral de antidiferimento da tributação brasileira, a despeito da sua questionável juridicidade.

2.2.5. 5º Momento: a Lei Complementar nº 104/2001

2.2.5.1. O processo legislativo

A Lei Complementar nº 104/2001 foi fruto da conversão do Projeto de Lei Complementar nº 77/99 encaminhado à Câmara dos Deputados pelo Ministro da Fazenda Pedro Malan. O projeto de lei complementar estava inserido em um contexto em que o Governo Federal pretendia instrumentalizar a Secretaria da Receita Federal do Brasil com medidas que lhe possibilitassem aumentar a arrecadação tributária, através de técnicas mais sofisticadas de fiscalização e controle das quais se destaca o combate a planejamentos tributários (práticas de elisão fiscal), entre outras medidas.

De forma geral, o projeto de lei complementar abrangia quatro pontos centrais. O primeiro deles dizia respeito à disciplina dos requisitos para o gozo de imunidades pelas entidades de assistência social, das entidades beneficentes e filantrópicas. É interessante notar que este tema já vinha sendo discutido quando da votação dos projetos que originaram as leis nº 9.249/95 e 9.532/97, ocasião em que a disciplina fiscal proposta pelo Governo Federal enfrentou considerável oposição por diversos segmentos políticos. Pois bem, o tema estava novamente na pauta para discussão política. O segundo ponto consistia na modificação do critério quantitativo da hipótese de incidência do imposto de renda. O terceiro ponto tratava da previsão de normas antielisivas no Código Tributário Nacional. O quarto, por sua vez, tratava de medidas judiciais em matéria tributária.

De forma mais detalhada, as alterações que o projeto de lei complementar visava implementar eram: (i) ampliação do campo de incidência do imposto de renda que passaria a incidir sobre “receitas” para permitir a criação de um “imposto de renda mínimo”; (ii) disciplina, no plano da legislação complementar, dos requisitos para o reconhecimento de imunidades das entidades presentes no artigo 150, inciso VI, alínea c, da C.F.; (iii) aperfeiçoamento das medidas administrativas e, sobretudo, judiciais de proteção ao crédito tributário; (iv) previsão legal da norma geral antielisiva (combate a planejamentos tributários); e, por fim, (v) a criação de dispositivo legal que permitiria que, em relação aos lucros auferidos no exterior, a lei estabelecesse as condições e o momento em que se daria a sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto de renda (inserção do §2º ao artigo 43 do

CTN). É importante ressaltar que este último dispositivo foi visto, pelo relator do projeto de

lei complementar – Dep. Antônio Cambraia (PSDB – CE) –, como uma norma antielisão

fiscal, de modo que, sempre que for feita menção a “normas antielisivas”, o presente trabalho

estará se referindo não apenas ao parágrafo único do artigo 116 do CTN como também ao §2º do artigo 43.

A expectativa que se tinha em relação à aprovação do Projeto de Lei Complementar nº 77/99 era o aumento indireto da arrecadação tributária através do aperfeiçoamento dos meios de controle e de fiscalização da Secretaria da Receita Federal do Brasil sobre os fatos geradores e os sujeitos passivos. O objetivo era coibir técnicas de elisão fiscal envolvendo planejamentos tributários por meio das quais o sujeito passivo adotava estratégias negociais voltadas unicamente a evitar total ou parcialmente a ocorrência do fato gerador. Daí a centralidade das normas antielisivas para esta reforma do Código Tributário Nacional. Em relação a este tema específico, confira-se, abaixo, um trecho do pronunciamento do Dep. Antônio Cambraia no relatório da Comissão de Finanças e Tributação sobre o projeto de lei complementar ora tratado:

O projeto em análise, por tratar de normas gerais do Direito Tributário, não trará diretamente aumento ou diminuição da receita pública, mas, indiretamente, deverá produzir crescimento na arrecadação tributária em decorrência de aperfeiçoamentos e acréscimos propostos, que deverão provocar redução da evasão fiscal, atualmente existente, tanto sob a forma de elisão, quanto de sonegação de tributos. 136

Em relação à importância da temática da elisão fiscal para o momento histórico no qual foi encaminhado o projeto de lei complementar pela Presidência da República para deliberação pelo Congresso Nacional, havia uma clara percepção de que o CTN não estava suficientemente instrumentalizado para o seu combate. Veja-se o trecho abaixo do Parecer nº 1.257 da Comissão de Assuntos Econômicos cujo relator era o Senador Romero Jucá:

136

É curioso notar que muitos dos deputados que se pronunciaram sobre a temática da elisão fiscal, tanto no presente projeto de lei complementar quanto nos projetos de lei anteriormente analisados que deram origem às Leis nº 9.249/95 e 9.532/97, cometeram a imprecisão conceitual de tratar a elisão fiscal ora como subespécie de evasão fiscal ora como conceito idêntico. Talvez não fosse de se esperar elevada precisão conceitual dos nossos congressistas, mas o fato é que a elisão fiscal era vista como uma forma de prática do ilícito penal e tributário da evasão fiscal. Tal “confusão” não estava livre de consequências na medida em que se tornava um forte elemento de convencimento contra o planejamento tributário e inibia que questões mais profundas relativas à matéria (e.g. liberdade do contribuinte na condução dos seus negócios) fossem devidamente discutidas.

Sucede que o Código Tributário Nacional, ainda que seja um fruto das melhores cabeças de então representa um inestimável progresso em relação à situação anterior, foi elaborado em um contexto econômico, jurídico e constitucional bastante distinto do que temos hoje. Seria inevitável que alguns desses dispositivos se tornassem ultrapassados, reclamando atualização não apenas formal para a letra da Constituição vigente, mas também substancial para equiparar-se às condições criadas pela evolução, significativa nas últimas décadas, das práticas e do Direito Comercial, Financeiro e Internacional.

(...)

Aperfeiçoamento dos mais importantes é o introduzido no artigo 116, que permite à autoridade fiscal trazer para as malhas da tributação as operações efetuadas com vício de simulação. Trata-se, no caso, de coibir o que em direito se denomina de abuso de forma jurídica.

Após a submissão do projeto de lei complementar à análise do Congresso Nacional, foram apresentadas 18 emendas que questionaram diversos dispositivos do projeto, de modo que apenas 2 delas (Emendas nº 8 e 9) questionaram a nova redação que se desejava dar ao caput artigo 43 do CTN – segundo a qual o fato gerador do imposto de renda passaria a ser a

aquisição de disponibilidade de receita e não de renda ou provento de qualquer natureza

alegando a sua incontestável inconstitucionalidade.

Note-se que não foi proposta nenhuma emenda que questionasse os novos parágrafos que seriam incluídos no artigo 43. Não se discutiu, neste sentido, se o objetivo da inserção do §2º ao artigo 43 seria possibilitar o critério de disponibilização automática dos lucros auferidos no exterior, bem como do próprio regime de tributação em bases universais, tampouco se tal fato seria desejável do ponto de vista econômico ou político. A inclusão do §2º ao artigo 43 passou despercebida no processo legislativo e foi tratada como norma pertencente ao “pacote” destinado ao combate à elisão fiscal, conforme demonstra o trecho do relatório do Dep. Antônio Cambraia, exposto na discussão em turno único do projeto na Câmara dos Deputados:

Observe-se, porém, que a proposição acrescenta dois parágrafos, no art. 43, que talvez mereça acolhida. Os dois parágrafos objetivariam assumir o papel de norma antielisiva, ou seja, normas genéricas que pretendem evitar que o contribuinte com capacidade econômica de pagar o seu imposto dele escape mediante fórmulas engenhosas de fugir à caracterização do fato gerador do imposto.

A maior parte das emendas foi acatada de forma a amenizar as medidas propostas pelo

Governo Federal e a corrigir inconstitucionalidades “evidentes” do projeto de lei

complementar. Neste sentido, não houve grande embate político para a aprovação do projeto e para convertê-lo em lei complementar.

A partir da analise do processo legislativo, em especial da discussão em turno único do projeto na Câmara dos Deputados, é possível encontrar o porquê de o projeto ter sido aprovado com 98% de apoio na Câmara dos Deputados e 100% no Senado Federal. Tratava- se de um contexto em que houve uma grande articulação de diversos segmentos políticos para que o salário mínimo pudesse ser aumentado, à época, para R$ 180,00, acréscimo este considerado significativo. Os recursos que seriam utilizados para financiar o aumento do salário mínimo seriam provenientes do ganho de receitas tributárias advindas da sofisticação das técnicas de fiscalização e de controle de práticas de planejamento tributário as quais passariam a ser fortemente combatidas pelas autoridades fazendárias. Este movimento de combate é atualmente constatado a partir da análise da evolução recente da jurisprudência das cortes administrativas – em especial do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – no sentido de desconsiderar diversas operações estruturadas cuja motivação central advém de razões puras ou preponderantes de economia fiscal. Veja-se, neste sentido, parte da fala do Dep. Eduardo Paes (PTB-RJ) na discussão do projeto em turno único na Câmara dos Deputados:

Parece-me que o Deputado Antônio Cambraia, em seu substitutivo, trata da questão mais relevante deste projeto, questão que faz parte de um acordo de honra nesta Casa: a norma que busca viabilizar o aumento do salário mínimo para 180 reais. O que estamos tentando fazer neste momento, ao aprovarmos o substitutivo do referido Deputado, é permitir que esta luta, iniciada por diversos partidos, por diversos parlamentares no início deste ano, possa se concretizar agora. Estaremos aprovando a norma antielisiva e criando dispositivos que serão regulados por lei – talvez seja essa a única pequena modificação que faria no substitutivo aprovado pelo Deputado Antônio Cambraia –, para que, ao instrumentalizar a Receita Federal, a tentativa de se anular atos ou negócios jurídicos que busquem dissimular o conhecimento do fato gerador possa ser feita com critério, garantindo os direitos dos contribuintes. Esta é uma questão básica no País, que já sofre com uma carga tributária abusiva, com uma carga tributária que inviabiliza boa parte das empresas e com um processo político que, infelizmente, ainda não nos permitiu a realização da reforma tributária.

Estamos dando um grande passo para a justiça social, com o aumento do salário mínimo, instrumentalizando a Receita Federal para acabar com esse absurdo do planejamento tributário abusivo no País.

Neste contexto, certamente a previsão do §2º ao artigo 43 do CTN – visto, conforme

ressaltamos anteriormente, como norma destinada a combater à elisão fiscal – estava alinhada com o objetivo de fortalecer as bases arrecadatórias do Governo Federal para permitir o aumento do salário mínimo. Deve-se esclarecer, no entanto, que não estamos defendendo que o Governo Federal não deveria reprimir práticas de elisão fiscal. De fato, elas merecem ser repreendidas quando consideradas abusivas. O fato é que o objetivo do Governo Federal não

era repreender práticas abusivas de planejamento tributário apenas pela questão de justiça fiscal, mas, principalmente, porque assim seria possível obter o aumento de arrecadação necessário para financiar o aumento do salário mínimo vigente à época.

Fica claro, portanto, que a inclusão do dispositivo ora tratado ao CTN tinha como objetivo central possibilitar que o Governo Federal voltasse à sua intenção inicial de instituir o regime de tributação em bases universais com regra geral de antidiferimento sem incorrer, segundo o seu ponto de vista, em inconstitucionalidade. Assim, aos olhos da Secretaria da Receita Federal do Brasil, o §2º do artigo 43 do CTN teria excepcionado a norma prevista no caput do referido artigo 43, ao permitir que a lei estabelecesse o momento em que ocorreria a disponibilização jurídica e econômica da renda auferida no exterior, ainda que fictamente.

Em entrevista concedida pelo Ex-secretário da Secretaria da Receita Federal do Brasil que não apenas concebeu o regime brasileiro de tributação em bases universais como também

acompanhou os distintos momentos da sua evolução normativa – Everardo Maciel137 – a

conclusão mencionada acima fica bastante clara. Veja-se, neste sentido um trecho da referida entrevista:

Nós considerávamos que para poder fazer isto [tributar através do critério da disponibilização automática] seria necessária uma mudança no Código Tributário Nacional. Então foi um recuo estratégico. Então nós cuidamos de fazer essa alteração no CTN para só depois trazer essa norma de volta ao direito positivo. (...)

Quando nós regressamos à questão da disponibilidade é porque nós observamos que era necessária a alteração do CTN. Fizemos a alteração e depois voltamos porque observamos que faltava amparo legal ao critério da disponibilização automática. Foi um “zig-zag” decorrente de uma revisão porque achávamos que faltava amparo legal em relação a este ponto.

Como se pode observar a partir da leitura do trecho reproduzido acima, a volta à regra de diferimento foi um “recuo estratégico” por parte do Poder Executivo que estava receoso quanto à validade jurídica do regime proposto nos moldes previstos pela Lei nº 9.249/95 sem que houvesse uma alteração legislativa no CTN. Por esta razão, o Poder Executivo tinha a forte crença de que a alteração feita no artigo 43 do CTN teria criado as condições jurídicas necessárias para acolher o regime inicialmente proposto no direito positivo, permitindo-se que a lei estabelecesse livremente o momento em que ocorreria a disponibilidade quando se

137 Entrevista realizada com Everardo Maciel, através de contato telefônico, no dia 13/12/2011. O entrevistado

tratasse de lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior, sem incorrer em inconstitucionalidade.

Ademais, a análise do processo legislativo demonstra que a sofisticação das técnicas de combate à elisão fiscal representou uma alternativa para aumentar a arrecadação tributária sem que, para tanto, se incorresse no mesmo custo político da previsão legislativa de novos tributos ou da majoração da sua base de cálculo ou alíquota (elementos quantitativos da hipótese de incidência). Esta é uma tendência que pode ser observada desde o final da década de 1990 até os dias atuais. O aumento da arrecadação tributária passou a ser pautada muito mais no sucesso da fiscalização e do controle das autoridades fiscais do que na criação de novos tributos ou na sua majoração.

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