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A primeira linha doutrinária: o regime brasileiro não é de transparência fiscal internacional

EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL

4. ANÁLISE JURÍDICA CRÍTICA DO REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR

4.2. Uma questão preliminar

4.2.1. A primeira linha doutrinária: o regime brasileiro não é de transparência fiscal internacional

De acordo com esta primeira linha doutrinária, o regime brasileiro de tributação de lucros auferidos no exterior não “alcança” e tributa os lucros auferidos pela sociedade controlada residente no exterior, mas sim a variação patrimonial positiva sofrida pela sociedade controladora residente no Brasil. Esta variação positiva é um reflexo do aumento do valor patrimonial dos seus investimentos no exterior e ela se opera através da consolidação contábil dos resultados auferidos no exterior ao final de cada período-base (ano calendário).

Esta corrente postula que o Brasil não teria adotado a teoria da transparência fiscal internacional no seu ordenamento jurídico; teria, por outro lado, criado uma nova hipótese de incidência do imposto de renda (e proventos de qualquer natureza) cujo critério quantitativo seria a variação patrimonial da empresa controladora ou coligada residente no Brasil na exata medida em que os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos pelas suas controladas e coligadas no exterior tivessem sido reconhecidos e na proporção da sua participação societária. Vale lembrar que, conforme expusemos no capítulo 1, o foco do regime de transparência fiscal internacional recai sobre o valor dos lucros, rendimentos e ganhos de capital das sociedades controladas no exterior que são alcançados desconsiderando-se a sua personalidade jurídica para fins exclusivamente tributários (pass-throught entity theory).

Um dos principais defensores desta corrente doutrinária no direito brasileiro é Marco Aurélio Greco que, em entrevista concedida para o presente trabalho, expôs a sua opinião da seguinte forma:

Primeiro, eu não acho que seja um regime de transparência. Na minha visão, não se está tributando o lucro da empresa estrangeira. Na minha visão, se está tributando o aumento do patrimônio da brasileira pelo fato de existir um lucro na empresa estrangeira. A tributação é sobre o aumento de patrimônio da empresa brasileira. Se eu fizer uma avaliação do patrimônio da empresa brasileira na véspera do reconhecimento do lucro na empresa estrangeira, o número será um. Se eu fizer a avaliação da empresa brasileira no dia seguinte ao reconhecimento do lucro na empresa estrangeira, o número será diferente. O patrimônio da brasileira será maior pelo fato de existir esse lucro reconhecido lá. Eu não estou falando da equivalência patrimonial, não estou falando em técnica de apuração de patrimônio para fins de balanço. Eu estou falando de realidade de patrimônio, o que vai gerar uma série de problemas.

A partir da análise do posicionamento exposto acima, Marco Aurélio Greco adverte que uma das principais decorrências do regime de tributação em bases universais no direito brasileiro é o reconhecimento de que o imposto não incide sobre a renda da controlada ou coligada, mas sim sobre proventos da controladora ou coligada residente no Brasil - assim

entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos como renda – o que implica por

enquadrá-lo não no inciso I do artigo 43 do CTN, mas sim no seu inciso II190. É justamente

porque o regime brasileiro tributa o provento da controladora ou coligada brasileira que ele não poderia ser considerado como regra de antidiferimento da tributação dos lucros,

rendimentos e ganhos de capital apurados em bases universais191. Segundo o entrevistado, o

direito ao crédito, concedido pelo Brasil, sobre os lucros auferidos no exterior, seria um indício de que o legislador está preocupado com a realidade econômica e não jurídica, já que, economicamente, a seu ver, negar direito ao crédito pode levar à dupla tributação econômica, embora não exista dupla tributação jurídica.

190 Confira-se, neste sentido, outro trecho de suma importância da entrevista: “O primeiro [problema] é o

enquadramento dele para fins tributários porque, a meu ver, não é no inciso I, mas é no inciso II do artigo 43 que fala sobre proventos de qualquer natureza. Neste sentido, qualquer aumento patrimonial está sujeito ao imposto de renda. Ou, então, pode-se argumentar que o artigo 43, inciso II, é inconstitucional, mas este é um debate que nem sequer foi aberto”.

191 Veja-se, neste sentido, o trecho reproduzido abaixo da referida entrevista: “Entrevistador: É um regime

antidiferimento puro? Entrevistado: Não é regime antidiferimento porque, para ser antidiferimento, você terá que supor que só seria possível tributar no momento futuro da distribuição. A norma brasileira não é nem antidiferimento. A norma brasileira capta o aumento patrimonial da brasileira, ponto. O patrimônio da brasileira cresceu? Sim, na medida em que ele reconheceu o que lá estava. Ele capta algo que já existe no Brasil, patrimonialmente. Então, a sua terminologia [norma antidiferimento] supõe uma premissa que não é a minha premissa. Ela não é de transparência fiscal, não é antidiferimento, nada. Ela capta algo que já existe no Brasil”.

Sob esta perspectiva, o patrimônio da sociedade controladora residente no Brasil será dimensionado de acordo com o valor dos lucros (ou prejuízos) auferidos por sociedades controladas e coligadas no exterior e esse “redimensionamento”, caso positivo, ensejará a incidência do imposto de renda (e proveitos de qualquer natureza) brasileiro. Novamente, repita-se: não se trata da tributação dos lucros auferidos por controladas e coligadas no exterior, mas sim da tributação do acréscimo patrimonial sofrido pela sociedade controladora ou coligada residente no Brasil, o que não se confunde com a aplicação do regime de transparência fiscal internacional.

Alberto Pinto Souza Júnior adota entendimento semelhante, porém não idêntico, e sustenta que a tributação recai sobre a variação positiva do valor do patrimônio líquido do investimento localizado no exterior contabilizado através do MEP. De acordo com a legislação comercial, as empresas que possuem participação societária em outras e que apurem Lucro Real são obrigadas a adotar o método de equivalência patrimonial como técnica de “espelhamento contábil” do valor dos seus investimentos. Através da adoção do MEP, o patrimônio líquido da controladora variará na mesma medida em que o patrimônio líquido das

suas controladas, coligadas, filiais e sucursais variar dentro de um determinado período192.

Segundo o autor, na medida em que os ajustes positivos são feitos na sociedade investidora em virtude de resultados positivos apurados pela sociedade investida em

observância ao regime de competência193, eles são computados como receitas tributáveis – i.e.

passíveis de inclusão na apuração do lucro real e na base de cálculo da CSLL – de modo que,

a tributação incide sobre a variação patrimonial positiva da sociedade controladora residente no Brasil, em virtude dos resultados positivos auferidos no exterior, e não sobre a sociedade

investida residente no exterior através da teoria da transparência fiscal internacional194.

Seguindo a lógica desta visão, o MEP mitigou a autonomia jurídica existente entre

192 Trataremos do MEP em maiores detalhes adiante em tópico específico. 193

O regime de competência é de observância obrigatória pela pessoa jurídica na sua escrituração contábil, representando a regra geral que comporta exceções – hipóteses em que o regime de caixa será aplicado – apenas nas hipóteses expressamente previstas em lei. Segundo o regime de competência, a despesas e receitas são consideradas incorridas e devem ser escrituradas, independentemente da efetiva saída ou entrada de valores em seu caixa. Veja-se o teor do artigo 177 da Lei das S.A. em que a obrigação de se escriturar a partir do regime de competência fica claramente estabelecida: “Art. 177. A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência”.

194 SOUZA JÚNIOR, Alberto Pinto. A disponibilidade de lucros oriundos do exterior. Revista Fórum de Direito Tributário (RFDT). Belo Horizonte: Fórum, ano 1, nº 2, 2003, p. 56-67.

controladora e controlada na medida em que adotou uma visão da entidade como um único

complexo econômico (entidade econômica) e não como duas entidades jurídicas distintas195.

Em relação a este último ponto – visão da entidade como um único complexo

econômico – André Martins de Andrade defende em sua obra a relativização da separação das

pessoas jurídicas como uma tendência aplicada à tributação empresarialcuja causa central é a

dinâmica cada vez mais complexa da atividade empresarial, caracterizada por grupos societários que se internacionalizam e que, portanto, estão sujeitos a uma pluralidade de

jurisdições fiscais distintas (fenômeno da multijurisdionalidade)196. O referido autor está

alinhado com a visão de que as cadeias transnacionais devem ser vistas como uma única entidade econômica ao invés de uma pluralidade de entidades jurídicas autônomas.

O autor também concorda com a visão de que o regime de tributação em bases universais adotado pelo direito brasileiro não tributa os lucros auferidos no exterior pela controlada ou coligada, mas sim o acréscimo patrimonial reflexo sofrido pela sociedade controladora quando os referidos lucros são consolidados nas suas demonstrações financeiras

e incorporados ao seu patrimônio através da técnica do MEP197.

O acréscimo patrimonial objeto de incidência tributária é reflexo dos resultados positivos registrados no exterior, porém são autônomos em relação ao mesmo, o que faz com que o sócio seja o sujeito passivo (contribuinte) da obrigação tributária. Nestas circunstâncias,

o autor sustenta que “o objeto da tributação não é o lucro efetivamente distribuído, mas o

direito à participação do lucro produzido pela sociedade controlada ou coligada, direito este

de titularidade dos sócios, erigidos à condição de sujeito passivo da obrigação tributária” 198.

Por fim, Fernando Netto Boiteux também defende que a tributação incide sobre o acréscimo patrimonial uma vez que as pessoas jurídicas brasileiras devem reconhecer os seus lucros auferidos dentro das fronteiras nacionais, aos quais são adicionados os lucros

resultados positivos apurados pelas suas controladas e coligas, através da teoria do balanço

sinônima, segundo o autor, do regime de competência199 - que consiste na comparação do

patrimônio no início e ao final do período-base. Neste sentido, o autor parte do pressuposto de

que “todo e qualquer aumento patrimonial que se reflita no balanço pode ser tributado, sendo

195 SOUZA JÚNIOR, Alberto Pinto. A disponibilidade de lucros oriundos do exterior. Revista Fórum de Direito Tributário (RFDT). Belo Horizonte: Fórum, ano 1, nº 2, 2003, p. 72.

196 ANDRADE, André Martins de. A tributação universal da renda empresarial: uma proposta de sistematização

e uma alternativa inovadora. Belo Horizonte: Fórum, 2008, p. 107-112.

197 Ibid., p. 203-215. 198 Ibid., p. 153.

199 BOITEUX, Fernando Netto. As sociedades coligadas, controladoras, controladas e a tributação dos lucros obtidos no exterior. Revista Dialética de Direito Tributário (RDDT). São Paulo: Dialética, nº 105, 2004, p. 33.

indiferente para tanto a existência de um ato da fonte pagadora que coloque o rendimento à

sua disposição, bastando a sua disponibilidade jurídica ou virtual” 200.

Embora parecidos, o posicionamento de Marco Aurélio Greco e dos demais têm uma diferença fundamental; a atribuição de efeitos fiscais ao MEP. Para o primeiro autor, não há que se falar em atribuição de efeitos fiscais ao MEP, instrumento de mero espelhamento contábil de situação patrimonial. Para os demais, a tributação da variação patrimonial positiva é feita justamente através do reconhecimento de efeitos tributários ao ajuste realizado através da equivalência patrimonial. Para todos os autores, o acréscimo patrimonial sofrido pela sociedade investidora já se encontra disponível, ao menos, juridicamente.

4.2.2. A segunda linha doutrinária: o regime brasileiro é de transparência fiscal

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