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EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL

4. ANÁLISE JURÍDICA CRÍTICA DO REGIME BRASILEIRO DE TRIBUTAÇÃO DE LUCROS AUFERIDOS NO EXTERIOR

4.3. O regime de tributação de lucros auferidos no exterior e o direito interno

4.3.2.1. Constituição, ordem econômica e desenvolvimento nacional

A Constituição Federal de 1988 seguiu a tradição de algumas das suas antecessoras e dispôs sobre a ordem econômica. A doutrina especializada denomina a parte da Constituição destinada a regular a ordem econômica de “constituição econômica” a qual, segundo André Ramos Tavares, corresponde aos princípios, regras ou instituições que traduzem

juridicamente os elementos determinantes do sistema econômico235. Para José Afonso da

Silva, a constituição econômica (formal) é “a parte da Constituição que interpreta o sistema

econômico, ou seja: que dá forma ao sistema econômico, que, em essência, é o capitalista”236.

Não se pode incorrer no risco de se dizer que ordem econômica tem o mesmo significado que constituição econômica ou ordem constitucional econômica uma vez que estas últimas expressões correspondem a todas as regras e princípios constitucionais que regem a economia como um todo, sendo que a primeira expressão corresponde ao resultado da sua incidência no

plano da economia237.

Deve-se, entretanto, fazer a ressalva de que a pretensão de se analisar a constituição econômica como objeto autônomo em relação ao restante do texto constitucional é criticável do ponto de vista metodológico, sobretudo, porque leva à uma interpretação restrita do texto constitucional. Deste modo, todas as disposições relativas à disciplina constitucional da ordem econômica devem ser lidas em conjunto com o restante dos dispositivos constitucionais para que delas seja extraída a melhor interpretação.

Não cabe aqui fazermos uma análise detalhada das origens históricas da constituição econômica, mas vale a pena destacar que a sua emergência teve como pressuposto fundamental a ideia de que a economia tem suas imperfeições e que cabe ao Estado assegurar valores, princípios e regras que deverão delinear o seu funcionamento no plano prático, de modo a evitar que decorram efeitos perversos de uma economia que não sofre qualquer regulação estatal, tais como abusos concorrenciais e injustiças sociais provocadas pelas desigualdades econômicas. Não é a toa que o fenômeno da constituição econômica tomou

235 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2006, p. 75. 236 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 791.

237 Segundo Tavares, a ordem econômica é “a expressão de um certo arranjo econômico, dentro de um específico

sistema econômico, preordenado juridicamente.” De acordo com o autor, a ordem econômica é o resultado da incidência de normas de caráter mais amplo do que aquelas presentes na constituição econômica na medida em que apenas uma parte das normas que incidem sobre a ordem econômica estão previstas no conjunto de regras e princípios formalmente previstos na constituição econômica, sendo que muitas das normas incidentes estão previstas na legislação infraconstitucional. Neste sentido, veja-se: TAVARES, op. cit, p. 83.

maiores proporções depois da segunda guerra mundial quando os modelos clássicos que orientavam a economia, os quais pregavam que o mercado se autorregulava de modo a se ajustar no futuro não obstante eventuais distorções de curto e médio prazo, foram muito questionados devido à crise mundial de 1929 e substituídos por modelos mais intervencionistas sob a influência da escola keynesiana.

O diagnóstico feito por Dimitri Dimoulis e Oscar Vilhena Vieira aponta que entre o século XIX e XX as constituições passaram por um forte fogo cruzado de distintas posições políticas, ora mais liberais ora mais intervencionistas, que erodiram o prestígio político que elas haviam conquistado anteriormente, sendo considerada por muitos como mera

formalização e consagração de um poder de fato238. No entanto, conforme apontam os

próprios autores, ficou claro, após a segunda guerra mundial, que “as constituições deveriam

zelar pela sua característica liberal – ou seja, protetiva de direitos – mas o desprezo pela

questão social deveria ser igualmente superado”239. Assim, a tentativa de conciliar a

perspectiva liberal com a social deu ensejo à pretensão das constituições em transformar radicalmente a realidade social presente. É neste contexto em que se inserem as constituições aspiracionais, dirigentes ou transformadoras preocupadas não apenas em assegurar a realidade

existente, mas também em estabelecer um programa para o futuro240.

Dentre os valores transformadores incorporados por essas constituições está o desenvolvimento como sendo um objetivo fundamental a ser alcançado pelo Estado. A Constituição Federal de 1988 está, segundo Vieira e Dimoulis, inserida neste contexto e possui pretensões claramente transformadoras, sendo ela “típica do reencontro entre

constitucionalismo e desenvolvimento no sentido coletivo-social do termo”241.

Em relação à ordem constitucional econômica, a Constituição Federal de 1988 prevê

princípios em sentido estrito e em sentido amplo242. Dentre os princípios em sentido amplo

que orientam a ordem econômica – ou seja, aqueles esparsos no texto constitucional não

expressamente previstos no capítulo I do título VII que dispõe sobre “A Ordem Econômica e

238 DIMOULIS, Dimitri, VIEIRA, Oscar Vilhena. Constituição e desenvolvimento. In: RODRIGUEZ, José

Rodrigo (Org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 51.

239 Ibid., p. 51.

240 Cf. BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 31-35.

241

DIMOULIS; VIEIRA, op. cit., p. 52.

242 Adotamos, neste sentido, o mesmo critério de separação conceitual proposto por André Ramos Tavares. Neste

sentido, confira-se: TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. São Paulo: Método, 2006, p. 125-128.

Financeira” – encontra-se a garantia do desenvolvimento nacional previsto no inciso II do artigo 3º como “objetivo fundamental da República Federativa do Brasil”. Os princípios em

sentido estrito que orientam a ordem econômica – expressamente previstos nos incisos do

artigo 170 – são: (i) a soberania nacional; (ii) a propriedade privada; (iii) a função social da

propriedade; (iv) a livre concorrência; (v) a defesa do consumidor; (vi) a defesa do meio ambiente; (vii) a redução das desigualdades regionais e sociais; (viii) a busca do pleno emprego; e (ix) o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham a sua sede e administração no País.

É inegável, portanto, que a Constituição Federal de 1988, transformadora em sua essência, incorporou o desenvolvimento como objetivo fundamental da República em sentido amplo o qual deve ser aplicado como direcionador da ordem econômica. O objetivo da garantia do desenvolvimento deve se aplicar, sobretudo, no desempenho das funções de fiscalização, incentivo e planejamento do Estado quando atua como agente normativo e regulador da atividade econômica, em conformidade com o disposto no artigo 174 da Constituição Federal.

Na visão de Gilberto Bercovici, a Constituição Federal estabeleceu as bases para um projeto nacional de desenvolvimento e deve o Estado assumir o papel central no processo de

desenvolvimento através da sua função de planejamento – como de fato foi feito nos planos

adotados pelo Governo Federal ao longo do século XX – deixando-se de limitar a sua atuação

à fiscalização e ao incentivo dos agentes econômicos privados. Para definir os objetivos a serem alcançados pelo plano de desenvolvimento, deve o Estado se orientar por visões

políticas e ideológicas previstas na própria Constituição243. Eros Roberto Grau também

demonstra postura favorável à centralidade do Estado no papel de planejador do desenvolvimento nacional ao afirmar que:

Garantir o desenvolvimento nacional é, tal qual construir uma sociedade livre, justa e solidária, realizar políticas públicas cuja reivindicação, pela sociedade, encontra fundamentação neste art. 3º, II. O papel que o Estado tem a desempenhar na perseguição da realização do desenvolvimento, na aliança que sela com o setor privado, é, de resto, primordial 244.

243 BERCOVICI, Gilberto. Constituição econômica e desenvolvimento: uma leitura a partir da Constituição de 1988. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 69-71.

Assim, o Estado deve cumprir o importante mandato constitucional de promover o desenvolvimento através da criação de planos econômicos e da adoção de uma política industrial clara que deve servir como parâmetro orientador para o setor privado e determinante para o setor público, devendo ele estimular atividades econômicas que sejam do interesse nacional tendo-se em vista o seu desenvolvimento econômico, sob pena de agressão à ordem econômica constitucional vigente. Neste sentido, tendo-se em vista a sistemática

constitucional em vigor, podemos afirmar que uma política pública – econômica, industrial,

agrícola e até mesmo fiscal – que não favoreça o desenvolvimento nacional será

inconstitucional.

Há discussões doutrinárias quanto à densidade normativa do artigo 3º, inciso II da Constituição Federal que podem ser traduzidas na seguinte questão: Seria o artigo 3º, II, da Constituição uma norma de conteúdo programático (baixa densidade normativa) ou o referido mandamento constitucional possui relevância normativa maior (norma de elevada densidade normativa)? Dimoulis e Vieira enfrentaram esta questão e defendem a vinculatividade direta e imediata da norma que institui o objetivo de se assegurar o desenvolvimento em dois sentidos distintos: primeiro, enquanto indicação ideológica do constituinte que deve servir como orientador do processo de aplicação do direito constitucional e infraconstitucional; segundo, na condição de mandamento endereçado ao legislador que deve implementar programas

direcionados a alcançar tal objetivo sob pena de responsabilização jurídica e política245.

Concordamos com esta visão e a adotamos como pressuposto da construção interpretativa que se fará adiante.

Devemos fazer aqui a ressalva de que, quando se pensa em uma política de desenvolvimento nacional, não se pode restringir o conceito de desenvolvimento ao mero crescimento econômico, pois esta dimensão tomada em sua individualidade não poderá ensejar o desenvolvimento do país como um todo, embora contribua substancialmente. Segundo Amartya Sen, “desenvolvimento” deve ser um conceito analisado em uma “moldura

conceitual ampla” não se restringindo apenas à sua dimensão econômica246. A Constituição

Federal de 1988 não restringiu, no entanto, o conceito de desenvolvimento apenas à sua

245 DIMOULIS, Dimitri, VIEIRA, Oscar Vilhena. Constituição e desenvolvimento. In: RODRIGUEZ, José

Rodrigo (Org.). Fragmentos para um dicionário crítico de direito e desenvolvimento. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 56.

246 Cf. SEN, Amartya. Reforma jurídica e reforma judicial no processo de desenvolvimento. In: Direito e Desenvolvimento: análise da ordem jurídica brasileira sob a ótica do desenvolvimento.

acepção econômica na medida em que assegura direitos de diversas naturezas distintas (civis, sociais, culturais, entre outros).

4.3.2.2. Internacionalização empresarial e a Ordem Econômica

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