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III. Estrutura do trabalho

1. TRAJETÓRIA DA EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO REGIME DE TRANSPARÊNCIA FISCAL INTERNACIONAL

1.3. O debate norte-americano: as origens históricas das CFC rules

1.3.1. Primeiras tentativas e alterações legislativas pré

No início do século XX, logo nos primeiros anos de vigência do Internal Revenue Code (código do imposto de renda norte-americano), o investidor norte-americano que desejasse investir no exterior através da internacionalização dos seus fatores de produção dispunha, do ponto de vista societário, de duas estratégias (vigentes até os dias de hoje) que consistiam na constituição de: (i) filial ou sucursal desprovida de personalidade jurídica (foreign branch); ou (ii) subsidiárias com personalidade jurídica própria (foreign subsidiary). Até 1913, vigia no direito americano o princípio da territorialidade da tributação, segundo o qual os EUA não poderiam tributar rendas, rendimentos e ganhos de capital auferidos fora do seu território, ainda que através de uma subsidiária ou filial de uma empresa norte-americana.

Em 1913, o Governo norte-americano instituiu o regime de tributação em bases universais, permitindo, no entanto, o diferimento da tributação norte-americana na medida em que submetia os rendimentos auferidos por subsidiárias residentes no exterior à tributação apenas no momento em que os mesmos fossem repatriados (disponibilizados jurídica ou economicamente), ficando resguardado o direito de crédito relativo ao imposto pago no exterior para compensação com o imposto devido nos EUA.

O regime de tributação em bases universais com permissão para o diferimento do imposto norte-americano ensejou diversas estratégias de planejamento tributário nos EUA

cujo objetivo central era elidir30 o fisco norte-americano. Entre elas, estava a tradicional forma

de elisão fiscal internacional que ocorria através da criação de subsidiárias – verdadeiras

30 A elisão fiscal consiste, fundamentalmente, em subtrair o ato praticado ou o conjunto de atos praticados do

âmbito de aplicação da norma tributária. A prática de um ato elisivo está dentro da esfera da licitude uma vez que ela precede ao momento da ocorrência do fato gerador - fato que, uma vez ocorrido, enseja a incidência da norma tributária a qual constitui a obrigação tributária - estando, neste sentido, dentro da esfera de liberdade negocial do contribuinte. A evasão fiscal, em oposição à elisão, pressupõe a prática de um ato ilícito em que, uma vez ocorrido o fato gerador e caracterizada a obrigação tributária, o contribuinte se utiliza de recursos desonestos e ardilosos para se evadir ao seu cumprimento. Como se vê, o critério temporal é importante na qualificação de um ato como elisivo ou evasivo, mas não se mostra satisfatório para, sozinho, fazê-lo. Na lógica do direito interno, as condutas elisivas repreensíveis pelo ordenamento jurídico ocorrem, fundamentalmente, através das figuras do abuso de direito, da simulação relativa, do negócio indireto e da fraude à lei que, uma vez presentes, tornam a conduta ilícita. Na lógica do direito internacional, a elisão ocorre através da manipulação dos elementos de conexão que permitem a tributação de fatos geradores ocorridos no exterior, podendo ela ser passível de reação pelo ordenamento jurídico a depender das condições estabelecidas pela legislação interna (e.g. deslocamento de ativos para paraísos fiscais). Este aspecto será abordado, em maiores detalhes, adiante neste trabalho. Em relação ao conceito de elisão e evasão fiscal e aos critérios que levam à sua caracterização, confira maiores detalhes em: HUCK, Hermes Marcelo. Evasão e elisão: rotas internacionais do planejamento tributário. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 15-52; XAVIER, Alberto. Tipicidade da tributação, simulação e norma antielisiva. São Paulo: Dialética, 2002, p. 87-88.

sociedades holdings31 – em paraísos fiscais com a subseqüente transferência de ações e valores mobiliários que, por sua vez, produziam rendimentos passivos que permaneciam ali por prazo indeterminado, evitando-se a tributação norte-americana (foreign subsidiaries as incoporated pocketbooks)32.

Como reação a esta modalidade de elisão fiscal internacional, o Congresso norte- americano aprovou, em 1934, um regime jurídico especial aplicável às companhias holding residentes no exterior denominado de Foreign Personal Holding Company regime o qual determinava que houvesse a desconsideração da personalidade jurídica, para fins exclusivamente fiscais, das subsidiárias norte-americanas no exterior que se qualificassem como foreign personal holding companies.

Apesar dos esforços para coibir a prática de elisão fiscal internacional, o regime não logrou êxito na coação da maior parte das práticas já que o seu campo de aplicação era relativamente restrito. O regime só se reputava aplicável com o preenchimento de dois requisitos: (i) o capital social da subsidiária residente no exterior deveria ser detido por até 5 pessoas norte-americanas; e (ii) até 60% dos rendimentos brutos da subsidiária deveriam corresponder a certas classes de rendimentos passivos.

Conforme aponta Keith Engel, o condicionamento de aplicação deste regime ao fato de a subsidiária ser controlada por até 5 pessoas norte-americanas limitava o campo de aplicação da norma, excluindo-a de quase todas as empresas com capital aberto nas bolsas de

valores norte-americanas ou que auferissem, preponderantemente, rendimentos ativos33.

Alberto Xavier sustenta que esta tentativa norte-americana caracterizou um movimento de combate unilateral à prática de acumulação de rendimentos em paraísos

fiscais34. Neste sentido, as medidas adotadas, já neste momento inicial, podiam ser

caracterizadas como:

As medidas adotadas traduzem-se essencialmente em, por ficção legal, “desconsiderar” a personalidade jurídica das sociedades cuja constituição ou funcionamento tenha sido ou seja inspirada predominantemente por razões de ordem fiscal, considerada transparente (pass-throught entity) em termos de permitir a

31 Trata-se de sociedades empresariais cujo objeto social é deter participação societária de outras sociedades

empresariais.

32 Cf. ENGEL, Keith. Tax Neutrality to the Left, International Competitiveness to the Right, Stuck in the Middle

with Subpart F. Texas Law Review, Texas, v. 79, 2001, p. 1.532.

33 Ibid., 2001, p.1.534.

tributação dos respectivos sócios, como se tivessem auferido diretamente os lucros, sem aguardar pelo momento da distribuição dos lucros entretanto acumulados.35 O mecanismo descrito acima promovia a transparência fiscal das subsidiárias norte- americanas residentes no exterior de modo a permitir a tributação dos rendimentos nelas acumulados independentemente da sua efetiva disponibilização. Este foi o primeiro regime antidiferimento criado no mundo. Embora o seu campo de aplicação tivesse suas limitações, o mecanismo foi posteriormente aperfeiçoado de modo a ampliar, sensivelmente, o seu campo de incidência. Este passo fundamental foi dado, posteriormente, em 1962.

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