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3 A CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DE DILLINGEN

5.6 AS FESTAS DE FORMATURA DO CURSO COLEGIAL NORMAL

Os valores estéticos de uma população guardam afinidades com a conjuntura histórica em que se manifestam, sendo cultivados na medida em que otimizam seus regimes de verdade. No Brasil, tais valores receberam principalmente as influências alemã e norte- americana, e foram direcionados ao culto à nacionalidade e à construção do cidadão autônomo e racionalizado, capaz de se identificar com os princípios e valores necessários à harmonia social, definindo o lugar de homens e mulheres no Estado Republicano.

Já em 1890, Rui Barbosa assinalava a influência da educação estética na saúde, na inteligência, na disciplina e na moral da juventude alemã, propugnando sua aplicação no Brasil. Fernando Azevedo referia-se à educação como ciência da pátria e sublinhava o aformoseamento do ambiente escolar como ponto de partida para uma educação estética (VEIGA, 2007). No movimento escolanovista, seria Anísio Teixeira o principal disseminaor de uma estética inspirada no modelo norte-americano, através da pedagogia postulada por John Dewey (BARBOSA, 2002).

A cidade de Areia, por intermédio do Colégio Santa Rita, recebeu duplamente os eflúvios da estética alemã: pela influência subliminar à plataforma educacional da nação, e também na execução da educação, diretamente realizada pelas franciscanas alemãs. Às moças, com mais propriedade, esta educação estética deveria ornar o espírito, despertando- lhes emoções de gozo artístico e estimulando uma vida superior pela fruição das suas atividades: música, dança, literatura “honesta”, dramaturgia, declamação, desenho, cultura vocal, pintura, higiene, ginástica e trabalhos manuais.

Como parte da rede articulada de estratégias que conformavam o dispositivo disciplinar do colégio, cada turma tinha uma mestra de classe, a quem cabia, em geral, um maior número de horas-aula nas disciplinas obrigatórias e, portanto, maior conhecimento sobre o aproveitamento e sobre a conduta de cada aluna. Ela era peça chave nas reuniões pedagógicas, pois informava o corpo docente e subsidiava o preenchimento do boletim nos indicadores atitudinais (comportamento, civilidade, educação e ordem).

Às mestras das turmas concluintes se impunha também a tarefa de definir com as alunas o evento que marcaria o encerramento do curso e coordenar as atividades para a sua realização. Era um evento cujo caráter recreativo estava subordinado à sua dimensão pedagógica, captada na expressão da Madre Iluminaris: “[...] uma festa de final de ano é sempre uma reunião de pais e mestres” (Livro de Atas de Formatura do Curso Normal/ 1940- 1970. Arquivo do Colégio Santa Rita).

Para as pequenas, esta festa era celebrada na culminância do estágio supervisionado das alunas do curso normal, coroando festivamente o encerramento do curso primário com dinâmicas consoantes ao tema do estágio, que eram diferenciadas da rotina das aulas. Este momento era também abrilhantado pela exposição de trabalhos manuais e desenho das pequenas, números de canto, demonstrações de ginástica e jograis.

Já para a quarta série do curso ginasial, planejava-se uma excursão que durante anos teve como destino a casa de veraneio das madres na Praia Formosa, litoral norte da Paraíba. A mestra de classe controlava o banho de sol e de mar e não se podia receber namorados nem amigos. Para tanto, as alunas rifavam toalhas de tricot artístico, exploravam a cantina nas festas do colégio, realizavam pescarias para custear a alimentação, que era preparada pelas freiras responsáveis pela cozinha.

No terceiro ano do curso colegial normal, que oferecia terminalidade, as festas eram acontecimentos destacados na agenda cultural do colégio,128 sendo noticiadas na Imprensa Católica e nos jornais laicos da capital, ultrapassando, em solenidade, os rituais de diplomação dos cursos superiores, e, principalmente, sensibilizando a assistência por seu caráter estético e por seu cunho moral e disciplinar. Eram eventos de conseqüência, que tinham a finalidade de ecoar na sociedade o cultivo da identidade nacional, a crença no civismo republicano, a limpeza, a urbanidade, os princípios católicos e a elevação moral, por meio da formação estética e do cultivo das sensibilidades.

A mensagem pedagógica dirigida às concluintes era codificada em um lema que visava, ao mesmo tempo, sintetizar sua trajetória no colégio e projetar-se como direcionamento de conduta para a vida secular. Pela impressão que causavam aos seus assistentes, as festas serviam também como propaganda do padrão de excelência da educação

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Constavam da agenda cultural: Hora Magna, no início do ano letivo; festa de Maria, das mães e de Santa Rita, no mês de maio; festa junina e de Cristo Rei em junho; festa da Independência em setembro; festa de São Francisco, em outubro; festa da Primeira Eucaristia, em novembro e festa de Formatura, em dezembro. Cada uma destas festas tinha um enfoque diferenciado, privilegiando a religiosidade, ou o civismo, o esporte, o folclore, etc.

ministrada pelas franciscanas alemãs, confirmando, por consequência, a tradição de Areia como “terra da cultura”.

Para a festa de diplomação das normalistas, já em março, a madre Siegfrieda começava a criar ou a adaptar o texto para a cena dramática, que, uma vez concluído, era discutido em reunião para definição do programa e do orçamento da festa. Acordado o projeto e definido o lema da festa com a participação das alunas concluintes do curso normal, iniciavam-se os preparativos: a pesquisa dos números a serem executados pelo orfeão; a consulta ao hinário visando à seleção das peças para a missa cantada; a composição dos arranjos para execuções ao piano, ao violino e ao acordeom; a definição das danças, jograis e poemas, a criação dos figurinos, a idealização dos cenários.

A madre Trautlinde puxava do seu imenso armário os melhores materiais que trazia da Alemanha e idealizava com as suas auxiliares as peças a serem confeccionadas visando à belíssima exposição de artes manuais que era atração para os familiares das alunas, para a comunidade, para visitantes e autoridades. Vendia de toalhas de mesa a casaquinhos de bebê em um contentamento que lhe rosava mais as faces, vaidosa de mostrar aos pais o que as suas filhas realizavam através da cadeira por ela ensinada, que não figurava na “linha dura” do currículo, mas cultivava-lhes a sensibilidade, a paciência, o espírito e as mãos para o cumprimento dos papéis reservados à mulher na conjuntura burguesa da primeira metade do século XX.

Passada a grande festa cívica da Independência, eram selecionadas as artistas entre as alunas mais alvas, belas, bem comportadas e ricas, sucediam-se os ensaios, expediam-se as correspondências e convites, iniciava-se a preparação da casa. No dia da festa, abria-se no parlatório, o livro de visitas onde os ilustrados registravam as suas percepções:

... minha impressão sobre o Colégio Santa Rita é, por sua instalação e por seu progresso pedagógico, uma graça de Deus à minha terra. José Américo de Almeida – Governador da Paraíba. (Livro de Visitas do Colégio Santa Rita – 1937 a 1970 – Festa de 1952.

A profunda impressão que o Colégio Santa Rita produz nos espíritos mais diversos é uma prova de que existe aí um tesouro de bens divinos e humanos que a todos conquista. A mocidade tem hoje a oportunidade de acercar-se destes tesouros. Durmeval Trigueiro Lemos – Secretário de Educação da Paraíba. (Livro de Visitas do Colégio Santa Rita – 1937-1970 – Festa de 1956.)

Em 1943, sob o lema “TUDO PELO BRASIL”, a oradora da turma, Tereza de Jesus Corrêa Pinto, dirigindo-se ao Interventor e paraninfo Ruy Carneiro, promete: “Tudo pelo Brasil, Sr. Interventor: o sangue virginal de nossas veias e muito mais ainda – o sangue virginal de nossas almas, que é o sacrifício... Marchemos para o ideal! Marchemos para a glória! Marchemos para Deus!”. (Livro de Atas de Formatura do Curso Normal, 1940-1970, p. 9-10). Podemos perceber no pronunciamento da oradora, a convergência dos valores doutrinários da pedagogia católica, dos valores disciplinares da cultura alemã e dos valores nacionalistas que marcavam a política de Vargas, encampada pelo governo da Paraíba.

Na festa do ano 1954, a oradora Maria Nazaré Xavier referiu-se ao lema “LIBERDADE, LIBERDADE, ABRE AS ASAS SOBRE MIM” nos seguintes termos: “A verdadeira e santa liberdade é servir aos outros, ter coração para os outros e agora especialmente como professora e educadora, fazer crescer a alma da criança como sacerdotiza da pátria” (Livro de Atas de Formatura do Curso Normal, 1940-1970, p.32).

O programa lítero-artístico-musical da hora solene cumpriu a seguinte pauta:

1 – Marcha As Duas Agonias – J. F. Wagner, op. 159

2 – Minha Terra Natal – Coro a três vozes – Casimiro de Abreu

3 – Dança Húngara em Ré Menor – Brahms – para violino e piano a 4 mãos 4 – Oh! Pátria Amada! Coro a três vozes

5 – Grande Fantasia Triunfal – sobre o Hino Nacional brasileiro – L. M. Gotts Chalk – para piano a duas mãos

6 – Prelúdio – Rachmaninoff op. 3, nº 2 – para piano a duas mãos 7 – II Sinfonia – J. Hajdn – para violino e piano a duas mãos 8 – Episódio dramático – Liberdade, Santa, Amada!

9 – Bailado: Escravidão e Independência

10 – Albatroz! Águia do Oceano – Castro Alves – Coro a três vozes. 11 – Hino Nacional brasileiro

(Livro de Atas de Formatura do Curso Normal, 1940-1970, p.34).

Maria do Carmo Campos de Araújo, oradora da turma de 1956, interpretou entusiasticamente o lema da sua festa “CANTAI AO NOSSO IRMÃO, O SOL!” que para ela constituía um lema de vida sob o qual vivera nove anos como aluna do colégio, uma casa assinalada pelo espírito de São Francisco de Assis:

Ele é para a mocidade o poeta, o arauto do Grande Rei, o jovem insensivelmente alegre e conquistador, mas também a alma de apóstolo que arde em zelo pelas almas e assim projeta luz sobre nosso caminho de educadores para nos curvarmos com misericórdia e amor sobre a criança (Livro de Atas de Formatura do Curso Normal, 1940-1970, p.35-36).

Alguns lemas de turmas concluintes chamam a nossa atenção porque ao adentrarmos à sua proveniência podemos perceber o imbricamento dos propósitos ultramontanos e da plataforma nacionalista para a educação:

em 1958, “E acendei as Chamas nos Pátrios Altares” – reconduzi os filhos aos altares; em 1962, “Psalite Domino” – cantai salmos ao Senhor;

em 1968, “Gravissimum Educations” – a educação como caminho de salvação;

em 1969, “Despertai a Consciência da Criança e sua Alma Imortal” – das trevas para a luz; em 1970, “Pax Bene” – educação pacificadora.

A turma de 1966 paraninfada por Dr. João Agripino Filho, então governador do Estado, teve como lema a expressão “LABOR OMNIA VINCIT”. A respectiva cena dramática exaltou o homem nordestino, que se dá no amor sem reservas através do árduo trabalho nos campos de sisal e nos canaviais, missão a ser perseguida pelas formandas na transmissão do saber e no cultivo das virtudes para a consolidação da família e a elevação da pátria. Finalizou a hora solene, o Bailado das Fadas, em belíssimos trajes, ao som de música clássica comandada pela virtuose Madre Inviolata e sua alunas. Ao final da festa, servia-se para as autoridades e para os pais das concluintes, uma taça de champagne.

Todo este investimento encontrava reciprocidade das alunas e da comunidade que se esforçavam para ostentar toilet à altura dos eventos, havendo mesmo a preocupação com o traje a ser usado especificamente na festa das concluintes do Colégio Santa Rita.

O projeto de educação estética do Colégio Santa Rita representava o que de mais excelso havia nos propósitos da educação republicana na Paraíba e na cidade de Areia, como expressão de cultura física, cultura estética, emoção cívica e sensibilidade artística.

Da sua análise, podemos depreender uma dimensão disciplinar que, fugindo à letra fria dos mandamentos e sentenças, incidiu no corpo, continuamente exercitado e vigiado, impondo-lhe uma ortopedia (Ilustração 40), através das atividades escolares, desde a arrumação do uniforme, até a limpeza das unhas, semanalmente vistoriadas, exigindo-se que as alunas espalmassem as mãos sobre a carteira; e um disciplinamento aos impulsos, pelas regras impostas ao falar, sorrir, andar, comer, lavar, vestir e despir o corpo.

Ilustração 40 - A ortopedia ou a Arte de Prevenir e Corrigir Fonte: FOUCAULT, 2008, p. 32.

A estética alemã imbricada na educação, muito amiúde, veiculou o belo a partir de valores exteriores, em detrimento das expressões culturais locais, visando à substituição da brejeirice local pelo estilo das moças européias, podendo-se inferir que a severidade da educação, da cultura e da religiosidade nórdica encontrou na tradicional sociedade areiense da primeira metade do século XX um campo favorável à sua penetração. Impunha-se, como meta, convencer as alunas de que eram atrizes do novo espetáculo republicano-cristão segundo o modelo alemão que, ao libertar pela educação, assujeitava pela economia do corpo e da sexualidade, pelas convenções sociais e regras de civilidade.