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Até 1930, o direito de voto às mulheres não existia na legislação brasileira. O projeto de Código Eleitoral preparado em 1932 previa a concessão do direito ao voto somente às mulheres desquitadas ou abandonadas e às solteiras, casadas e viúvas que dispusessem de economia própria, o que a Igreja concebia como um golpe nos direitos da família e interferiu junto à Comissão de elaboração do Código, em favor da extensão do direito do voto a todas as mulheres (HORTA, 1994).

missão na condução da sociedade, reconhecendo-se a necessidade de ofertar-lhe oportunidade de educação formal como forma de prepará-la para o seu papel de educadora dos filhos da nação (HORTA, 1994). Envolvida no processo político que conduzira Vargas ao poder, a Igreja, que já investira em uma “reforma pelo alto” quando durante a República laica trabalhara na formação da elite política e de intelectuais com os quais pôde contar na Constituinte de 1934, empenhou considerável investimento na educação feminina. No ano seguinte (1937), as franciscanas alemãs de Dillingen instalam-se no Colégio Santa Rita, em Areia.

Em 1937, a nova Constituição elege a infância e a juventude como alvos de garantias especiais do Estado remetendo à família o primeiro dever para com a educação integral da prole. Através das Leis Orgânicas do Ensino (Reforma Capanema), impõe-se nítida diferenciação de objetivos, conteúdos e estratégias educacionais em relação aos sexos, “na medida em que diferem os destinos que a providência lhe deu”. O ensino secundário apresenta caráter enciclopédico e militar visando à formação das elites condutoras do país torna clara esta diferenciação, sendo a separação dos sexos explicitamente exigida. A co-educação só podia ser adotada excepcionalmente, mediante autorização do Ministério da Educação e Saúde, e, uma vez autorizada, a separação por sexo deveria ser observada na composição das turmas (CUNHA, 1989; GHIRALDELLI JUNIOR, 2006).

Quanto à educação das mulheres, deveria levar em conta a “natureza” da personalidade feminina e o seu papel dentro do lar, mediante conhecimentos necessários ao cabal desempenho da sua missão de mães e donas de casa. Assim, a disciplina Economia Doméstica foi incluída na 3ª e 4ª séries no curso ginasial, e em todas as séries do Clássico e do Normal, frequentados por mulheres. No município de Areia, as polarizações de gênero encontraram respaldo social talvez sem precedentes no Estado, com escolas para homens e escolas para mulheres nos níveis ginasial, colegial e superior, reforçando, por tabela, outras polarizações de classe social, credo religioso e etnia. No Colégio Santa Rita, mantinha-se, então, a separação dos sexos por classe e turno, também no nível elementar.

É sob a égide desta Constituição autoritária e sob a inspiração das Leis Orgânicas do Ensino que o Colégio Santa Rita consolida seu funcionamento, com liberdade para fixar o programa do ensino religioso, legalmente permitido, em todos os cursos oferecidos e ministrando a educação moral e cívica determinada por Vargas que, permeando todo o processo escolar, deveria confluir para a elevação do caráter e da dignidade dos indivíduos e do fervor patriótico esperado da sociedade brasileira sob a ditadura Vargas.

O pensamento ultramontano centralizador, fruto do Concílio de Trento (1545-1563) e do Concílio Vaticano I (1869-1870), que culminou com a instituição do dogma da infalibilidade do papa, resistiu até o Concílio Vaticano II (1962-1965) convocado por João XXIII, que conclamou os leigos à partilha da vocação missionária. É neste período, com a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n° 4.024/61, que esmaece a luta da Igreja para recuperar o controle sobre o sistema educacional brasileiro.

3. A CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DE DILLINGEN

Reportamo-nos neste capítulo aos discursos instituintes da Ordem Franciscana representados na Regra, nos Estatutos, nas Constituições e nas Diretrizes Provinciais enquanto enunciações normativas basilares da Congregação, por excelência destinadas a serem convertidas em práticas capazes de imprimir nos congregados(as) uma singularidade identitária, possível de ser detectada na histórica da Congregação de Dillingen, e, sobretudo, nos mecanismos de construção da identidade franciscana feminina que descrevemos nos itens que se seguem. Perquirimos a possibilidade de uma imbricação dos discursos normativos da Ordem Franciscana na sua missão educacional de modo a imprimir-lhe uma marca própria e influenciar a construção de identidades nas alunas submetidas àquela educação, tomando como campo de investigação o Colégio Santa Rita.

3.1 FONTES INSTITUINTES

A Ordem Franciscana remonta ao século XII. Ao fundador Francisco de Assis (1181- 1226) atribui-se um espírito profético pela capacidade de comunicar-se, de concentrar-se na condição humana, de reabilitar a mensagem de Cristo ao clero indolente do seu tempo, de ensinar um novo modo de encontrar a Deus mediante uma mensagem de acolhimento e alteridade. Seu carisma atraiu adeptos ensejando a adoção de uma Regra que aprovada pela Igreja, instituiu a Ordem Primeira dos Frades Menores. Atraiu também uma jovem, abrindo lugar para o feminino inferiorizado no contexto androcêntrico da Igreja, com a criação da Ordem Segunda das Clarissas. Acolheu, ainda, leigos de ambos os sexos dando origem à Ordem Terceira Secular à qual se filiaram as Beguinas de Dillingen, raiz da Congregação que, a partir de 1937, serviu à comunidade de Areia. O franciscanismo, sua iconografia e sua simbólica, assim como representam o Santo e a Ordem, conformam também os seus seguidores. No caso do Colégio Santa Rita, a adesão ao modelo franciscano é percebida principalmente na disciplina, no culto às virtudes e na valorização do trabalho como instrumentos de ascese a Deus, através de um apostolado fundamentado nos ditames da revelação.

As fontes que regulamentam a vida da comunidade franciscana de Dillingen são: a Regra, que originalmente foi redigida por São Francisco, os Estatutos e o Carisma, redigidos

pelo bispo a cuja jurisdição a comunidade estava subordinada. São documentos confirmados pela autoridade apostólica e dos quais se depreendem as Constituições e as Diretrizes Provinciais que orientam as ações específicas das casas agregadas a cada província. Como preceitos estruturantes da congregação, fundamentam o modelo de educação ministrado pelas Congregações.

Em seu sentido geral, Regra é um conjunto de prescrições por cuja aplicação uma comunidade regula sua vida e doutrina seus membros, devendo ser meditada individual e coletivamente na busca do seu sentido mais profundo, para atualizar a comunidade na especificidade da Congregação. A Regra da Ordem Terceira de São Francisco aprovada em 1223, pela bula papal Solet Annuere de Honório III e confirmada por Nicolau IV, primeiro papa franciscano da história da Igreja em 1289, é o documento basilar da congregação. Sua aceitação pelas religiosas de Dillingen decorreu de longa e amadurecida reflexão que as introduziu na família franciscana sob a jurisdição do bispo de Augsburgo e sob a direção da mestra do convento. A regra só seria traduzida para a língua alemã no início do século XIV, pelos Irmãos Menores de Augsburgo. Posteriormente, foi transcrita pela irmã Lioba, tornando-se matéria de estudo para a comunidade.

Na Regra, Francisco traduziu em palavras o que em obras experimentara. Inversamente, a religiosa, deve converter em obras o enunciado da Regra, que resumidamente preceitua: o prévio e criterioso exame da fé e da obediência da aspirante à Sé Apostólica; a exigência da fraternidade que se inicia pela reconciliação prévia da aspirante, com aqueles que lhe tenham ofendido44; a promessa de cumprimento aos mandamentos do Senhor e a submissão à penitência e à repreensão em caso de descumprimento da Lei de Deus; o despojamento de toda vaidade, o uso de roupas simples, o veto ao uso da seda e de jóias; o dever de honrar e louvar ao Senhor com a reza do Pai Nosso antes e após as refeições, a reza do ofício divino e as demais orações do ritual adotado na rotina franciscana; a submissão a um sacerdote sábio nas obras de misericórdia e na penitência; a solidariedade para com as pessoa vitimadas por doenças e a evitação de todo e qualquer ato de discórdia.

Em síntese, a Regra exige: a observância do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, a vida em obediência, em castidade e sem propriedade. Em seu testamento, São Francisco ordenou que se mantivessem sua autenticidade e o seu cumprimento: