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3 A CONGREGAÇÃO DAS IRMÃS FRANCISCANAS DE DILLINGEN

3.1 FONTES INSTITUINTES

A Ordem Franciscana remonta ao século XII. Ao fundador Francisco de Assis (1181- 1226) atribui-se um espírito profético pela capacidade de comunicar-se, de concentrar-se na condição humana, de reabilitar a mensagem de Cristo ao clero indolente do seu tempo, de ensinar um novo modo de encontrar a Deus mediante uma mensagem de acolhimento e alteridade. Seu carisma atraiu adeptos ensejando a adoção de uma Regra que aprovada pela Igreja, instituiu a Ordem Primeira dos Frades Menores. Atraiu também uma jovem, abrindo lugar para o feminino inferiorizado no contexto androcêntrico da Igreja, com a criação da Ordem Segunda das Clarissas. Acolheu, ainda, leigos de ambos os sexos dando origem à Ordem Terceira Secular à qual se filiaram as Beguinas de Dillingen, raiz da Congregação que, a partir de 1937, serviu à comunidade de Areia. O franciscanismo, sua iconografia e sua simbólica, assim como representam o Santo e a Ordem, conformam também os seus seguidores. No caso do Colégio Santa Rita, a adesão ao modelo franciscano é percebida principalmente na disciplina, no culto às virtudes e na valorização do trabalho como instrumentos de ascese a Deus, através de um apostolado fundamentado nos ditames da revelação.

As fontes que regulamentam a vida da comunidade franciscana de Dillingen são: a Regra, que originalmente foi redigida por São Francisco, os Estatutos e o Carisma, redigidos

pelo bispo a cuja jurisdição a comunidade estava subordinada. São documentos confirmados pela autoridade apostólica e dos quais se depreendem as Constituições e as Diretrizes Provinciais que orientam as ações específicas das casas agregadas a cada província. Como preceitos estruturantes da congregação, fundamentam o modelo de educação ministrado pelas Congregações.

Em seu sentido geral, Regra é um conjunto de prescrições por cuja aplicação uma comunidade regula sua vida e doutrina seus membros, devendo ser meditada individual e coletivamente na busca do seu sentido mais profundo, para atualizar a comunidade na especificidade da Congregação. A Regra da Ordem Terceira de São Francisco aprovada em 1223, pela bula papal Solet Annuere de Honório III e confirmada por Nicolau IV, primeiro papa franciscano da história da Igreja em 1289, é o documento basilar da congregação. Sua aceitação pelas religiosas de Dillingen decorreu de longa e amadurecida reflexão que as introduziu na família franciscana sob a jurisdição do bispo de Augsburgo e sob a direção da mestra do convento. A regra só seria traduzida para a língua alemã no início do século XIV, pelos Irmãos Menores de Augsburgo. Posteriormente, foi transcrita pela irmã Lioba, tornando-se matéria de estudo para a comunidade.

Na Regra, Francisco traduziu em palavras o que em obras experimentara. Inversamente, a religiosa, deve converter em obras o enunciado da Regra, que resumidamente preceitua: o prévio e criterioso exame da fé e da obediência da aspirante à Sé Apostólica; a exigência da fraternidade que se inicia pela reconciliação prévia da aspirante, com aqueles que lhe tenham ofendido44; a promessa de cumprimento aos mandamentos do Senhor e a submissão à penitência e à repreensão em caso de descumprimento da Lei de Deus; o despojamento de toda vaidade, o uso de roupas simples, o veto ao uso da seda e de jóias; o dever de honrar e louvar ao Senhor com a reza do Pai Nosso antes e após as refeições, a reza do ofício divino e as demais orações do ritual adotado na rotina franciscana; a submissão a um sacerdote sábio nas obras de misericórdia e na penitência; a solidariedade para com as pessoa vitimadas por doenças e a evitação de todo e qualquer ato de discórdia.

Em síntese, a Regra exige: a observância do Santo Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, a vida em obediência, em castidade e sem propriedade. Em seu testamento, São Francisco ordenou que se mantivessem sua autenticidade e o seu cumprimento:

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[...] ordeno firmemente por obediência a todos os meus irmãos, clérigos e leigos, que não introduzam glosas na Regra nem nestas palavras dizendo: assim devem ser entendidas. Mas, como o Senhor me concedeu de modo simples e claro dizer e escrever a regra e estas palavras, igualmente, de modo simples e sem glosa, as entendais e com santa operação as observeis até o fim (Escritos de São Francisco, Testamento. TEIXEIRA, 2008, p. 191).

Os Estatutos45 que complementam a Regra, redigidos pelo bispo Degenhard de Hellenstein e Heidenhein enfatizam a virtude da obediência e prescrevem as rigorosas penitências a serem aplicadas em casos de indisciplina, falta de caridade, falta de zelo pelo trabalho e comportamentos contrários à castidade. Contudo, em respeito às virtudes franciscanas da prudência, da caridade e da união, a punição não deve ser decretada pela mestra isoladamente. Ela deve ouvir a opinião das irmãs Conselheiras, do assistente espiritual do convento e do pregador das irmãs, inclusive para modificar a pena quando, por fraqueza ou doença, a irmã não possa cumprí-la (HAAS, 2000).

Da Regra depreende-se o Carisma, fundamentado no seguimento a Jesus pelo exemplo de Francisco de Assis. Foi o Cardeal Petrus von Schaumberg que em 1464, ao confirmar juridicamente a propriedade material, a dimensão espiritual e a missão evangalizadora das irmãs franciscanas de Dillingen autorizou seu Carisma: “As mulheres reunidas no mosteiro devem servir a Deus sempre, devota e zelozamente, para o consolo de todas as almas fiéis. Sua vida de renúncia, de recolhimento e de oração é serviço” (HAAS, 2000, p. 18 – grifos da autora).

Carisma é uma intuição fundamental, uma característica distintiva que, em determinadas pessoas, marca intensamente a sua identidade e, nas ordens religiosas, é atribuído a um dom espiritual obtido por concessão divina. No contexto da ordem franciscana, é uma potencialidade dinâmica e criativa emanada do sopro do Espírito, em vista da necessidade ou utilidade da comunidade, para cuja expressão se faz necessária uma forma especial de vida. Pelo cultivo do carisma, a religiosa obtém a possibilidade de inspirar confiança incondicional como mediadora da graça divina.

O Cardeal Petrus von Schaumberg refere-se às religiosas do Grande Convento de Dillingen como geistlichses personen (pessoas espirituais), à sua congregação como geistliche wesen (entidade espiritual) e à sua casa como Gotteshaus (casa de Deus). Atendendo à convocação do Espírito, o carisma fundante das franciscanas implícito na Regra

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Como interpretação do projeto de Deus para a vida humana, os estatutos são originalmente referidos em Sl. 119, 1-33.

é: consagrar-se, louvar e honrar um Deus de amor, mas que também se encarnou; Jesus criança e Jesus Crucificado se tornam objeto predileto a ser contemplado e imitado (dimensão espiritual); viver em comunidade e em concórdia (dimensão fraterna); servir a Deus e aos homens, consolando as almas em suas necessidades na consciência de pertença à família franciscana e na fidelidade à Sé Apostólica (dimensão de serviço). “Todo carisma exige a capacidade da atenta escuta de novos apelos, pois o Espírito recria e amplia o seu chamado” (HAAS, 2000, p. 27). A solidariedade, a alegria, o amor aos mais pobres e o respeito à natureza enquanto obra divina são elementos inconfundíveis do Carisma franciscano desde o seu nascimento, e que marcam a atualidade e a necessidade da sua mensagem diante do individualismo, das disparidades econômico-sociais e das questões ambientais que o mundo experimenta.

De São Francisco, as congregações herdaram um itinerário para a vida, individualmente e em comunidade. Das Constituições, elaboradas por ocasião do Capítulo Geral46 da Congregação e sancionadas pelo Papa, depreende-se um conjunto de instruções e diretivas para sua missão religiosa, profissão de fé, persistência nos sacramentos, vida em comunidade fraterna e testemunho de vida na oração e no trabalho. Tais deliberações reforçam, nas congregações, os votos de pobreza, castidade e obediência. Na pobreza, identificam-se a Jesus Cristo, que sendo rico se fez pobre e forasteiro por amor, e a Francisco que não reteve para si nenhuma riqueza. Quanto às irmãs, dependem da superiora para o uso e disposição de quaisquer bens. Na castidade, renunciam à realização pessoal pelo matrimônio, para corresponderem com amor indiviso e pessoal ao amor de Cristo, em completa doação de corpo e coração, testemunhando a primazia absoluta de Deus em sua vida terrena e antecipando a vivência de valores que são próprios do Reino dos Céus. Na obediência, assumem como irmãs de Francisco, a submissão ao Papa, acatando as determinações da Igreja e as ordens da Superiora, unidas a Cristo que, cumprindo irrestritamente a vontade do Pai, foi obediente até a morte, testemunhando que a sua liberdade pessoal se plenifica na doação.

As Diretrizes Provinciais reafirmam o carisma da Congregação: “Inspiradas em Francisco de Assis, seguir a Jesus Cristo, o Servo de Deus, pobre e crucificado, vivendo a contemplação na ação, atentas às necessidades do tempo e aos apelos da Igreja” (Depoimento

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Instância de decisões convocada e presidida pela superiora geral ao término do seu tempo de governo, onde se acham representadas todas as irmãs, visando: eleger a superiora geral e suas conselheiras, examinar a vida da Congregação à luz do Evangelho e da Regra e considerando as necessidades da Igreja e os sinais dos tempos; avaliar o cumprimento do disposto nas constituições e alterá-las quando for o caso; dirimir conflitos não resolvidos nas instâncias imediatas, confirmar diretrizes de vida para a congregação e prestar contas do exercício financeiro da gestão (Regra e Constituições da Congregação das Irmãs Franciscanas de Dillingen, 1982).

da Irmã Flávia Brito, superiora da Província Franciscana Maria Medianeira das Graças, com sede em Areia/PB, em 23.03.2009). Internamente, as Diretrizes Provinciais são documentos que, preservando os fundamentos da Ordem, norteiam a atualização do apostolado às necessidades históricas e às condições operacionais da Congregação.

Além das fontes acima referidas, outros escritos de São Francisco são importantes no contexto da Ordem: a hagiografia do santo, sua oração diante do crucifixo de São Damião47, o Cântico do Sol ou Louvor às Criaturas, o seu Testamento, Saudação às Virtudes e o Tratado dos Milagres, que são ensinamentos universais e perenes da Ordem Franciscana. As normas de vida devem ser convertidas em obras. Era exigência de Francisco que

[...] todos os meus irmãos trabalhem e se exercitem, e aqueles que não sabem aprendam um ofício [...] para sermos menos pesados aos homens e a fim de que o coração ou a língua por meio de coisas ilícitas não vague no ócio” (2 Celano, Cap. CXX, 161, 4-5. TEIXEIRA, 2008 p. 401).

Seguindo o preceito do fundador a obra educacional das alemãs de Dillingen, como apostolado de salvação, deve, em tudo, aproximar-se do exemplo franciscano da perfeição. Esta perfectibilidade, as irmãs procuravam incutir nas alunas para que a reproduzissem em seu apostolado como educadoras.