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A expressão “Por Maria a Jesus” que invoca Nossa Senhora como medianeira de todas as graças foi, por anos seguidos, a mais votada entre as várias colocadas à escolha das alunas como lema de turma.

Nesta referência, Leão XIII atribui à natureza as diferenças socialmente construídas para impor limites à ação da mulher limitando sua atuação ao âmbito doméstico e inferioriza a mulher ao condicionar sua honestidade sexual ao confinamento, vendo-a, portanto, como um ser incapaz de autocondução moral.

Já em 1929, Pio XI, na encíclica Divini Illius Magistri, sobre a educação cristã da juventude, proíbe a co-educação dos sexos, a emancipação feminina e a educação sexual. Lastima as idéias modernas que confundem a legítima convivência humana com a promiscuidade e igualdade niveladora, pois “o Criador ordenou e dispôs a conveniência perfeita dos dois sexos somente na unidade do matrimônio e gradualmente distinta na família e na sociedade”. E porque são os dois sexos destinados a completar-se mutuamente, precisamente pela sua diversidade, esta, portanto, “deve ser mantida e favorecida na formação educativa, com a necessária distinção e correspondente separação”, em todas as escolas, nomeadamente na adolescência, “e nos exercícios ginásticos e desportivos com particular preferência à modéstia cristã na juventude feminina, à qual fica mal toda a exibição e publicidade” (MARIN, 2004 p. 190).

Esta concepção encontrou abrigo na conjuntura brasileira que transferiu o patriarcalismo da casa-grande para a escola pela acessibilidade exclusiva ao sexo masculino durante o período colonial e dominante ao longo do Império. Já na República, o sistema de cadeiras isoladas adotava a separação por sexo, e, mesmo na transição da “era das cadeiras isoladas para a era dos grupos escolares”, o Estado brasileiro adotou a categoria sexo na elaboração do currículo, destinando rendas, flores, chapéus, jardinagem e culinária ao sexo feminino e mecânica, marcenaria, encadernação, marmoaria e eletrotécnica entre outros ofícios, ao masculino (PINHEIRO, 2002, p. 176).

Também as escolas normais, providas pelo poder público, em sua origem, não incluíam mulheres. E, embora elas não fossem formalmente proibidas de frequentar a escola primária, sua exclusão se dava pela redução do conteúdo no currículo, pois a parte relativa a geometria, decimais e proporções que era exigida para o ingresso em níveis mais elevados, lhes era negada (VILLELA, 2008). A presença feminina na escola normal brasileira não teve uma demarcação cronológica unificada. Ela constituiu um avanço sociológico importante que visava atender às necessidades do sistema, às pressões sociais, aos anseios de profissionalização da juventude feminina e à ascensão a matrimônios vantajosos, mas estava também condicionada ao arbítrio dos governantes e dos eclesiásticos.

Na Paraíba, o presidente Carneiro da Cunha (1873-1876) pugnava a necessidade de uma escola normal para cada um dos sexos. Entretanto, a questão do espaço físico e dos recursos materiais e humanos impunha a co-educação, orientada por regras disciplinares de prudência, moderação e “enfraquecimento da atração”. Já o presidente Antonio Herculano de Souza Bandeira (1885-1886), rejeitou a escola normal mista, destinando-a exclusivamente ao sexo feminino, melhor dotado para compreender a índole das crianças e inspirar-lhes a obediência. Em 1905, no segundo governo de Álvaro Machado (1892-1896) instalou-se uma seção masculina da Escola Normal, completamente segregada da escola feminina (KULESZA, 2008).

No ensino católico, a separação por sexo era questão decidida. Assim, o Colégio Santa Rita funcionou inicialmente só para mulheres. Quando aceitou meninos no Curso Primário o fez em classes exclusivas e em turno oposto, face à inexistência de escola que atendesse aos critérios colocados pelas famílias bem situadas do município de Areia, e somente adotou rapazes no Ensino Normal na década de 1970, quando ocorreu o fechamento do internato. A questão da emancipação feminina é abordada por Pio XI na encíclica Casti Connubii (1930), em que condena a autonomia social, econômica e fisiológica da mulher referindo-se a sua participação na esfera pública, à administração dos bens e aos encargos conjugais e maternos em relação à prática sexual, e à gravidez. Esta tríplice emancipação

[...] é antes a corrupção da índole feminina e da dignidade materna e a perversão de toda a família, enquanto o marido fica privado de sua mulher, os filhos de sua mãe, a casa e toda a família da sua sempre vigilante guarda. Pelo contrário, essa falsa liberdade e essa inatural igualdade com o homem redundam em prejuízo da própria mulher; porque, se a mulher desce daquele trono real a que dentro do lar doméstico foi elevada pelo evangelho, depressa cairá na antiga escravidão (senão aparente, certamente de fato) tornando-se, como no paganismo, simples instrumento do homem ( MARIN, 2004, p. 241-242).

Embora o cristianismo houvesse enfatizado a superioridade da mulher como esposa e mãe, projetando-a no espaço social através dos colégios e associações de caridade, a feminização do catolicismo no Brasil não significou um investimento das mulheres no exercício do poder sagrado; antes, representou a reafirmação de seu estatuto subordinado, já que sua incorporação deu-se em virtude da pretensão ultramontana de usurpar do laicato masculino a gestão dos negócios eclesiásticos (NUNES, 1997). Mesmo quando a igreja

engajou-se na luta pelo voto feminino43, com a criação da Liga Eleitoral Católica por D. Sebastião Leme para conscientizar o eleitorado e os candidatos a defenderem os interesses eclesiais na Constituinte de 1934, agiu em proveito próprio, pois, regulamentando a indissolubilidade do matrimonio, os efeitos civis ao casamento religioso, a incorporação do ensino religioso ao currículo das escolas públicas, a assistência religiosa às Forças Armadas, prisões e hospitais, garantiu sua influência sobre as instituições estruturantes da sociedade e sobre as classes populares que por tanto tempo negligenciara.

Quatro aspectos imprimiram às eleições para a Constituinte, realizadas em 26 de junho de 1933, um caráter inédito: pela primeira vez, o país viveu a experiência do voto secreto, restrito às pessoas alfabetizadas maiores de vinte e um anos; pela primeira vez, o processo de votação foi controlado pela justiça eleitoral; pela primeira vez, consubstanciou-se a ideia de representação classista com a destinação de quarenta vagas na Assembléia Nacional Constituinte para representantes de associações profissionais; e, pela primeira vez, as mulheres foram eleitoras e elegíveis, embora fosse mínimo o contingente de mulheres votantes.Tal conquista foi também resultado da luta de um grupo de mulheres lideradas por Bertha Lutz, bióloga, líder feminista e advogada que posicionara-se frente a frente com os legisladores na campanha sufragista, participando inclusive da comissão de juristas que redigiu o Código Eleitoral de 1932 (SCHUMAHER; BRAZIL, 2000).

No âmbito da educação, as ingerências da igreja junto aos constituintes tiveram um saldo positivo para os eclesiásticos: ao reconhecer o ensino ministrado nos estabelecimentos particulares, ao deslocar verba pública para o financiamento do mesmo e ao isentar tais estabelecimentos do pagamento de impostos, a Constituição de 1934 praticamente oficializou a rede de ensino particular, estimulando-a em detrimento da rede pública (GHIRALDELLI JUNIOR, 2006).

Quando, em 1936, Vargas se apropriou da trilogia “Deus, família e pátria” como slogan do seu programa de governo, a família e a escola, apontadas como instituições estruturantes dos princípios básicos da nacionalidade, foram chamadas a promover a educação cívica e moral das futuras gerações visando à sustentabilidade do autoritarismo imposto à nação pelo Estado Novo. Nessa conjuntura, abriu-se um espaço à mulher, exaltando-se sua