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A performatividade é uma capacidade agregada à linguagem que permite avançar para além da constatação e da descrição, em direção à construção daquilo que se nomeia. É o poder reiterativo, agregado ao discurso, de produzir os fenômenos que relata ou descreve, e, ao fazê-lo, regulá-los (BUTLER, 2001, p. 155).

redimensionamento da ciência implica a reestruturação do mundo doméstico, acadêmico e profissional numa ética de parceria para uma ciência sustentável que envolva em igual medida: mão, cérebro e coração (SCHIEBINGER, 2001).

Ocupando um lugar na conjuntura pós-moderna, voltamos nosso olhar para o Colégio Santa Rita, erigido sob os cânones do paradigma eurocêntrico moderno, cuja influência no Brasil ultrapassou o período pós-guerra. Ao pretender imprimir um caráter científico a sua ação educativa, assumimos posições teóricas e responsabilidade social sobre o conhecimento que elaboramos para domínio público, cujos dados não podem ser gerados por indução ingênua, senão sustentados em um aparato conceitual que lhes afiance cientificidade.

Neste percurso, situamos brevemente a crise do Paradigma Moderno, que ensejou a configuração de uma abordagem epistêmica crítica no seio da qual se instaura a perspectiva Feminista Crítica Pós-estrutural. Ao cabo deste trajeto compreensivo, informamos nossa filiação à Epistemologia Crítica como um solo fértil, em cuja pujança nos foi possível traçar itinerários para construir um entendimento sobre a realidade estudada privilegiando o pensamento feminista pós-estrutural, com ênfase nos significados, visando interpretar o papel das mulheres na história da educação católica ministrada no Colégio Santa Rita.

1.3. ABORDAGEM METODOLÓGICA

Uma investigação criteriosa precisa estar respaldada em uma opção metodológica que otimize sua operacionalização e afiance a riqueza de suas conclusões; que atenda à especificidade do objeto e traduza o mais satisfatoriamente possível a intencionalidade do pesquisador e os significados expressos pelos sujeitos pesquisados, um e outro inarredavelmente enredados na complexidade da história que não oferece transparência no acesso à realidade. O olhar sobre esta é atravessado pela opção político-ideológica, ética e religiosa; pela posição de gênero, etnia, classe social e escolaridade; pela espacialidade e pela temporalidade; pelo aparato conceitual que direciona a ação do pesquisador; pelos vínculos concretos e simbólicos que enlaçam os sujeitos da pesquisa. Subliminar à utopia empirista de que os fatos falam por si mesmos está também a “vontade de verdade” dos seus protagonistas.

Sem desconsiderar informações quantitativas que permitem uma melhor visibilização do campo empírico, nossas pretensões direcionam a opção pela pesquisa qualitativa. Enquanto via de acesso ao conhecimento nas Ciências Sociais e nas Humanidades onde se inscreve a

Educação, a pesquisa qualitativa tem foco multiparadigmático, metaforizado no cristal que lapidado em forma de prisma reflete externalidades e refrata-se dentro de si mesmo, reverberando em diferentes direções, que combinam simetria e substância, transmutações e multidimensionalidades. A cristalização alude à teoria da luz que representa tanto as ondas quanto as partículas; sem perder de vista a estrutura, enseja derivações desconstruindo a idéia dos vocabulários finais para acatar verdades que dependem do lugar e do ângulo de visão do pesquisador (DENZIN; LINCOLN, 2006).

No esforço de preservar a necessária coerência entre o fundamento epistemológico e a abordagem metodológica desta pesquisa, identificamos pontos de flexão entre pós- estruturalismo e feminismo crítico referindo os que melhor atendem aos interesses deste estudo:

• o abandono de modelos explicativos unificados e homogeneizantes em favor de abordagens compreensivas e interpretativas das micropráticas e das singularidades da experiência humana, enunciadas por uma pluralidade de regimes discursivos sob cuja performatividade a realidade é metaforizada em texto, jogo, palco, imagem, parábola, crítica literária..., introduzindo no discurso científico a imaginação e caracterizando a ciência como autobiográfica (SANTOS, 2003). Esta noção se coaduna com os relatos evocativos em primeira pessoa, que são constituintes deste trabalho; e assegura tranquilidade em relação a nossa vinculação ao universo pesquisado;

• a rejeição à idéia de que a ciência é a-histórica e supra-ideológica em favor da noção de que a produção do conhecimento científico tem sua objetividade “perturbada” pelas relações de poder, pela vontade de verdade, pelas posições do desejo dos seus protagonistas com efeitos sobre as práticas não-discursivas, sendo passível de reconfigurações que lhe conferem um caráter instável em oposição às pretensões teleológicas modernas (JAPIASSU, 1979; FOUCAULT, 2007);

• a superação da hierarquia que, na modernidade, marcou o primado da racionalidade sobre as demais formas de conhecimento em favor da incorporação de outras formas de conhecer inspiradas no senso comum, na arte, na poesia, na fé, fontes de uma ciência compreensiva, íntima, contemplativa e vivencial que se traduz não só como desenvolvimento tecnológico, mas também como sabedoria de vida (SANTOS, 2003).

Valendo-nos da genealogia (FOUCAULT, 2005), realizamos uma análise da educação católica e da proposta pedagógica do Colégio Santa Rita: sua proveniência, sua permanência,

sua adequação ao contexto social e sua descontinuidade, desvelando os eixos, as relações, as condições políticas da emergência das verdades expressas em seu discurso, a conversão em práticas de vida e a sua influência no processo de construção das identidades femininas.

O sentido da genealogia não é a revelação de uma supra-história, nem o esforço da captação de uma suposta essência dada como identidade primeva protegida na solenidade de sua origem. É escutar a história ao invés de crer na metafísica. É aprender a não procurar o seu segredo essencial, mas os segredos que construíram sua suposta essência. A genealogia não desvenda a universalidade, mas a dispersão, a descontinuidade, os fatores desconsiderados pela regularidade das narrativas tradicionais. Exige a minúcia do saber e um grande número de materiais acumulados, buscando nas pequenas verdades, proveniências que se opõem “ao desdobramento metahistórico das significações ideais e das indefinidas teleologias” (FOUCAULT, 2005, p. 262).

A análise genealógica perturba conceitos, práticas, normas e símbolos percebidos como intocáveis; restabelece os sistemas de submissão e os jogos de dominação que articulam o corpo com a história, permitindo ver o corpo e a identidade como instrumentos intervenientes no mundo, e em perpétua processualidade, marcados pela história, sendo por isto, adequada aos propósitos desta investigação.

Como construção histórica, a educação católica sustentou-se em práticas discursivas próprias, articuladas, todavia, a instituições que chancelaram seus discursos como verdadeiros, convertendo-os em práticas não-discursivas de ajustamento das condutas ao ideal de sociedade então pretendido. A análise genealógica possibilita o desvelamento de uma rede de práticas e discursos que visavam ao assujeitamento das alunas à verdade postulada na ação educacional do colégio. Os discursos imbricados naquela educação e as “técnicas de si” incorporadas pelas alunas são conceitos privilegiados nesta investigação que reclama como procedimentos a pesquisa documental e a história de vida a que nos reportamos a seguir. Para a pesquisa documental, afastando-nos da apreensão de aspectos invariantes, buscamos reencontrar sob a mensagem genérica dos documentos oficiais, as sutilezas, as inversões e as singularidades em seu múltiplo significado: o pretendido pelo autor (a), o significado de conteúdo do próprio teor do documento e os significados dispersos e heterogêneos que ameaçam a pureza e a constância dos fatos, pois

[...] o documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade, que o produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais continuou a viver, talvez esquecido, durante as quais continuou a ser manipulado, ainda que pelo silêncio. (LE GOFF, 1996, p. 547).

A pesquisa documental abarca uma ampla variedade de fontes que ganharam novos significados a partir das contribuições de Foucault (2005), apontadas por Le Goff (1996), que redimensionam a noção de documento como monumento, atribuindo-lhe novos valores e novas possibilidades de construção da história no interjogo entre o código escrito, os discursos e as práticas não-discursivas.

Adotamos, neste estudo, testemunhos contemporâneos aos eventos que descrevemos, como atas, relatórios, relatos e crônicas; fontes produzidas após o interregno investigado, por pessoas que não testemunharam os fatos em tempo real, como impressos mimeografados e anuários; e fontes indiretas, como índices e resumos que remeteram às bibliografias consultadas. Em qualquer das fontes inquiridas, prezamos pela representatividade, pela afinidade do documento com a finalidade da investigação e com seu significado; e pelas relações das fontes com outras fontes externas e com a realidade, perscrutando sua interveniência sobre o objeto em estudo. Como os documentos estampam autoridade sobre o mundo social excluindo potenciais interpretações contrárias ao seu teor, procuramos atentar para o jogo de verdade que expressam.

Enquanto procedimento inscrito entre a análise psicológica individual e a análise dos sistemas socioculturais, a história oral permite captar de que modo indivíduos fazem a história e como atuam na sociedade, sendo também modelados por ela. Relato da experiência pessoal de um indivíduo sobre os acontecimentos que lhe são significativos, a história oral traduz desde a condição material, os papéis sociais, os conflitos, as atitudes, os valores, a auto-imagem, até as formas espirituais do existir, embaladas pelo fluxo das emoções, relatadas singularmente, em primeira pessoa.

A história oral12 é aqui aplicada para captar a forma como as ex-alunas representam, interiorizam e mantêm vivos os acontecimentos vividos no Colégio Santa Rita que foram