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As primeiras aprendizagens da criança ouvinte e da criança surda

3.1 Infância e criança:

3.1.2 As primeiras aprendizagens da criança ouvinte e da criança surda

Brazelton e Greenspan (2002, p. 24) afirmam que “as interações emocionais são a base não apenas da cognição, mas da maioria das capacidades intelectuais de uma criança, incluindo sua criatividade e as habilidades de pensamento abstrato” (idem, p. 25). Esses autores afirmam que:

As emoções são na verdade os arquitetos, os condutores ou os organizadores internos de nossas mentes. Dizem-nos como e o que pensar, o que e quando dizer e o que fazer. Nós „aprendemos‟ coisas através de nossas interações emocionais e então aplicamos aquele conhecimento ao mundo cognitivo. (BRAZELTON; GREENSPAN, 2002, p. 26).

De acordo com Brazelton e Greenspan (idem, p. 27), através das interações contínuas é que o adulto poderá “ler e responder aos sinais do bebê”. Para eles entre o segundo e terceiro mês de vida, um bebê e um pai, ambos, terão passado por três níveis de aprendizagem, sendo que no nível I (1-3 semanas) o pai aprende a ajudar o bebê a se manter em um estado de alerta. No nível II (3-8 semanas), a partir deste estado de alerta, o bebê produzirá sorrisos e vocalizações que serão respondidos pelo adulto; e no nível III (8-16 semanas) esses sinais são reproduzidos em „jogos‟ através de vocalizações e/ou sorrisos, imitados pelo adulto, reproduzidos, por sua vez, pelo bebê. Esses autores concluem que “ritmo e reciprocidade são aprendidos nesses jogos” e que “por volta dos quatro meses, o bebê terá aprendido a ter o controle do jogo e a guiar o pai

neles”. Mais adiante, com dezoito (18) meses, as crianças são excelentes leitoras de indícios não- verbais. Porém, o ponto mais significativo diz respeito ao fato de que a capacidade de ler e responder a estes indícios permite que a criança aprenda muito cedo a socializar-se (ibidem, p. 126).

Acredita-se, assim, que as primeiras interações da criança surda com o adulto conduzem às mesmas aprendizagens desde que ocorram em outras modalidades que não a auditiva, apenas. Ao fazer um paralelo entre a criança ouvinte e a criança surda, Couto (s.d., p. 14) diz que não ouvir os sons, principalmente os da voz humana “demonstra as principais limitações a que a última está sujeita”. Segundo ela, as crianças ouvintes compreendem “situações e sinais que antecedem a compreensão da linguagem.”; “ouvem a voz da mãe” e mesmo não a vendo “ouve-lhe a voz, os passos e ruídos que marcam sua presença pela casa”, (idem, p. 15). Todavia, essa autora diz que a criança surda “compreende os mesmos sinais, exceto os sonoros”; “não ouve a voz materna, percebendo, apenas, sua expressão fisionômica”; “não vendo a mãe, sente-se só, pois também não a ouve” (ibidem, p. 16).

Sobre as diferenças nas interações emocionais entre a criança que ouve e a criança surda, Couto (s.d., p. 15) diz que o bebê que ouve percebe os sentimentos das pessoas que o rodeiam “através das inflexões da voz de quem lhe fala, aprendendo, assim, a reconhecer expressões de carinho, repreensão, alegria, tristeza, decepção, sempre ligadas à entonação com que são pronunciadas; a própria essência do significado”. Porém, em substituição à fala “[...] fica um conjunto de sinais visuais, como o sorriso e a expressão dos olhos e da face, movimentos estes que adquirem para a criança que não ouve uma importância equivalente à da voz”. (idem, p. 16). Essa pesquisadora sinaliza outro ponto muito importante que diz respeito ao ambiente físico em que a criança surda está inserida. Ela enfatiza que, no escuro, a criança ouvinte, percebe a presença da mãe através de sua voz, os sons e ruídos ambientais; porém, a criança surda fica completamente isolada porque, além de não poder ouvir, não tem mais a referência visual. Isso representa que a criança surda perde muitas experiências significativas dentro de um contexto predominantemente oral-auditivo, além de deixar de participar de interações significativas que lhe permitiriam equilibrar-se psiquicamente.

Além de perder muitas experiências por ocorrerem através de estímulos sonoros, a criança surda está privada da riqueza produzida pela voz humana em relação ao ritmo, intensidade, melodia e entonação, que vão produzir as diferenças marcantes da língua e que oferecem os significados emotivos das palavras evocando sentimentos tais como: amor, afeto, alegria ou repreensão, raiva, tristeza, bem como os tons de brincadeira ou de seriedade que são dados às palavras pela entonação da voz.

Isso vai ao encontro dos estudos de Brazelton e Greenspan (2002, p. 25) que dizem que “os relacionamentos também ensinam às crianças quais comportamentos são adequados e quais não são”. E, “à medida que o comportamento das crianças se torna mais complexo no segundo ano de vida, elas aprendem pelas expressões faciais, tom de voz, gestos e palavras [...]”. Ainda de acordo com esses autores:

Por volta dos dois a dois anos e meio, quando a criança está falando, ela já teria a capacidade de envolver-se em longas cadeias de interações (interações recíprocas) envolvendo suas diferentes emoções, seus sentimentos e comportamentos. Estes são baseados nos primeiros padrões estabelecidos de dois a quatro meses. (idem, p. 28).

Completando esse estudo, Brazelton e Greenspan (2002, p. 29) dizem que “em um nível mais adiantado, elas podem começar a raciocinar sobre seus sentimentos, percebendo porque estão felizes, ou tristes, ou alegres. Isso ocorre entre as idades de três a quatro anos”. Esses pesquisadores acrescentam que à medida que as crianças crescem, elas podem refletir mais sobre seus sentimentos e compreendê-los em um contexto mais amplo.

Brazelton e Greenspan (2002, p. 29) consideram que, sendo os relacionamentos emocionais interativos muito importantes para as habilidades essenciais, intelectuais e sociais, “esse tipo de interação também é central quando estamos ajudando crianças com necessidades especiais”.

A partir dessas afirmações sobre crianças ouvintes e crianças surdas, alvo de diversas pesquisas, entende-se a necessidade de se conhecer tanto a surdez e suas consequências para o desenvolvimento da criança quanto o próprio mundo infantil. Esses conhecimentos permitem visualizar a criança surda em sua totalidade e não apenas uma criança com “faltas”: a falta de audição; a falta de comunicação; e, o mais grave, o déficit cognitivo. A criança surda deve ser vista em seu desenvolvimento global. A importância de se conhecer a criança está na relevância desse período para as primeiras aprendizagens. Segundo Vigotski:

Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). Isso se aplica igualmente para a atenção voluntária, para a memória lógica e para a formação de conceitos. Todas as funções superiores originam-se das relações reais entre indivíduos humanos. (VIGOTSKI, 2007, p. 57-58).

Com essa visão, pretende-se investigar algumas aprendizagens que são próprias da criança em seus três primeiros anos de vida, uma vez que a compreensão que se tem dessa criança é a de que, antes de ser surda, é uma criança, com desejos, expectativas e sonhos, além de possuir um potencial criativo que lhe permite apreender o mundo através do lúdico; no

entanto, seu desenvolvimento pleno está atrelado à qualidade de suas primeiras interações, principalmente, em seu grupo familiar.