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Bilinguismo e a abordagem sócio-histórica

1.3 Língua, linguagem e bilinguismo na perspectiva sócio-histórica

1.3.3 Bilinguismo e a abordagem sócio-histórica

Sobre bilinguismo, Kozlowski (2000, p. 50) diz que a implantação de um programa bilíngue para o surdo é feito levando em consideração a língua de sinais como a primeira língua (L¹) e o português, no caso do Brasil, como a segunda língua (L²). Esta autora acrescenta que “o

objetivo de uma educação bilingue/bicultural é permitir aos indivíduos surdos um acesso completo a uma língua natural (a de sinais) que permite uma aquisição normal da linguagem nesta primeira língua” (idem, p. 51). Ainda de acordo com suas pesquisas, essa estratégia educativa se consolida em duas bases, sendo o reconhecimento de que a língua de sinais usada pela comunidade surda é uma língua que possui itens lexicais, morfologia, sintaxe e semântica. (KOZLOWSKI, 1995, p. 152).

Fernandes e Correia (2008, p. 23) diz que a “língua de sinais como sistema simbólico” é a língua que melhor traduz “os processos de percepção e apreensão da experiência da criança surda”, principalmente, por ser representada “através de signos de natureza gestual, espacial e visual” e, portanto, sendo possível esta criança adquiri-la de forma natural. Portanto, para esta autora “em tese, se aceita a aquisição da língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua” uma vez que esta necessita de um processo produzido artificialmente para que o surdo seja ensinado (ibidem, p. 24).

Através das palavras de Kozlowski e Fernandes, compreende-se que, tanto os educadores ouvintes, incluindo os pais, quanto os alunos surdos, necessitam trilhar um longo percurso já que diante de um discurso, seja ele falado ou escrito, existem elementos que ultrapassam o mero conhecimento do vocabulário e as normas da língua, seja ela oral-auditiva ou visual-espacial.

O CAP/INES adota o bilinguismo/bicultural como uma estratégia educacional, tendo como “princípio de base o fato de que as crianças surdas são locutoras naturais de uma língua adaptada às suas experiências do mundo e às suas capacidades de expressão e compreensão: a língua de sinais” (Kozlowski, 2000, apud KOZLOWSKI, 2003, p. 103). Assim, o surdo é exposto à língua de sinais em situações naturais no qual outro surdo transmite não apenas o modelo linguístico da LIBRAS mas também toda a cultura contida nela. A esse respeito, Kozlowski enfatiza que:

A participação ativa de adultos surdos na educação da criança surda é fundamental.

Ele terá a função de transmitir a língua da comunidade surda, a língua de sinais. Desta forma, através do aprendizado da língua natural, que deve ser também a língua materna, a criança surda terá acesso aos processos que permitirão todo seu desenvolvimento linguístico e cognitivo. (idem).

Entretanto, como a segunda língua é de origem oral-auditiva, a língua portuguesa deve ser ensinada para que o surdo possa adquirir os conceitos linguísticos desta língua. Assim, o modelo bilíngue do INES compreende a LIBRAS, como uma língua naturalmente adquirida pelo surdo, considerada sua primeira língua (L¹) e a língua portuguesa, sendo ensinada através de

metodologia específica, como sua segunda língua (L²). Kozlowski (ibidem, p. 105) considera que “a necessidade do oralismo ainda é uma realidade para o surdo brasileiro quando pensamos em educação de nível superior, inserção social e colocação profissional”. Neste sentido, dentro de um modelo bilíngue de ensino, as duas línguas possuem o mesmo grau de importância dentro do processo de ensino e de aprendizagem.

Porém, não adianta somente que o surdo tenha o domínio da LIBRAS. É necessário que toda a sociedade partilhe desse conhecimento para que ele possa utilizá-la como um instrumento de comunicação e de conhecimento. Assim, o INES oferece cursos de LIBRAS para os pais e familiares dos alunos matriculados na instituição, assim como a todas as pessoas que querem ter acesso a essa língua. Para Quadros e Schmiedt:

A escola torna-se, portanto, um espaço linguístico fundamental, pois normalmente é o primeiro espaço em que a criança surda entra em contato com a língua brasileira de sinais. Por meio da língua de sinais, a criança vai adquirir a linguagem. Isto significa que ela estará concebendo um mundo novo usando uma língua que é percebida e significada ao longo do seu processo. (QUADROS; SCHMIEDT, 2006, p. 22-23)

Oferecer uma língua antes dos três anos de idade é permitir que a criança surda possa adquirir não apenas um vocabulário, mas também conceitos linguísticos; possa dramatizar e expressar seus sentimentos e experiências de mundo, criando situações novas e brincando com os sinais que ela vai adquirindo na interação com adultos e crianças surdas. Essas são atividades que, por serem próprias dessa faixa etária, facilitam o desenvolvimento linguístico. Entretanto, essa ação somente terá um resultado positivo em relação ao aluno surdo se a família participar ativamente desse processo de aquisição linguística, tendo a escola como mediadora. Essa língua pode ser a língua de sinais ou a língua falada. Esse é um ponto que deve ser esclarecido para a família e que a ela seja dado o direito de escolher a que melhor se adapte em seu contexto familiar, seus anseios e projetos para o futuro de seu filho.

2 Estimulação precoce: um olhar sobre a sua história.

Entre as décadas de 1920 e 1960 muitas pesquisas foram desenvolvidas em diferentes partes do mundo. A respeito dos estudos sobre o desenvolvimento da criança, em seus primeiros anos de vida, Slobin (1980, p. 227) ressalta a importância das pesquisas ligadas à aquisição da linguagem e do desenvolvimento cognitivo. Segundo ele “o papel da comunicação no desenvolvimento cognitivo tem uma longa história em Psicologia, datando do trabalho sobre

a fala infantil realizado nas décadas de 1920 e de 1930 por Piaget, na Suíça, e por Vygotsky, na União Soviética”.

Sobre as pesquisas de Piaget, Dolle (1995, p. 18) diz que seu objetivo “era chegar ao mecanismo psicológico das operações lógicas e do raciocínio causal”. As investigações daquele pesquisador foram realizadas com crianças pequenas, e suas investigações, interpretações e conclusões, reunidas em várias obras nas décadas de 1920 e 1930.

Já as pesquisas de Vigotski, envolvendo crianças nos primeiros anos de vida, foram publicadas em 1931, na obra intitulada „História do Desenvolvimento das Funções Psíquicas Superiores‟. Nela, entre os vários temas, Vigotski trata da importância de se pesquisar essas funções, desde o início da vida do bebê. Este estudioso esteve bastante envolvido com as pessoas com necessidades especiais, uma vez que fez parte do Instituto de Estudo das Deficiências, em Moscou. Segundo Cole e Scribner:

Em estudos de problemas médicos, tais como cegueira congênita, afasia e retardamento mental severo, Vigotski viu a oportunidade de entender os processos mentais humanos e de estabelecer programas de tratamento e reabilitação. Desta forma, estava de acordo com a sua visão teórica geral desenvolver seu trabalho numa sociedade que procurava eliminar o analfabetismo e elaborar programas educacionais que maximizavam as potencialidades de cada criança. (COLE; SCRIBNER, apud VIGOTSKI, 2007, p. XXIX).

Pérez-Ramos e Pérez-Ramos também apontam outra pesquisa daquela época e que se concentrou no desenvolvimento da criança, em seus primeiros anos de vida. Esses autores citam que:

Sptiz (1945 e 1965) já havia apresentado contribuições de grande valorsobre as mudanças de comportamento dos bebês, em orfanatos e hospitais, que permaneciam longo período sem os cuidados maternos. Estas mudanças, denominadas pelo autor de hospitalismo, evidenciaram fases no desenvolvimento de condutas atípicas, chegando até a um alheamento completo dos estímulos ambientais [...] Além disso, chegou a identificar uma relação direta entre a intensidade daqueles sintomas e o aumento do tempo ausência da mãe, o que permitiu comprovar o importante papel desta como mediadora da estimulação da criança, no seu primeiro ano de vida, (PÉREZ-RAMOS; PÉREZ-RAMOS, 1996, p. 5).

De acordo com essas pesquisas, ficou claro que as crianças, alvo daqueles estudos, apresentavam algum nível de carência afetiva e privação cultural, relacionadas à questão sócio- econômica ou a algum outro problema, como os notados em recém-nascidos considerados de alto risco tendo ou não algum tipo de deficiência. A partir desses estudos, surgiram diferentes atendimentos para elas em seus primeiros anos de vida.

Assim, na história da estimulação precoce, duas vertentes se sobressaíram. A primeira se verteria para a “carência afetiva” e/ou a “privação cultural”, direcionando as pesquisas, basicamente, para as relações mãe/bebê, e para as questões linguísticas e cognitivas. Sobre os objetivos desse atendimento, Pérez-Ramos e Pérez-Ramos, apontam que:

[...] as crianças com distúrbios no desenvolvimento (deficiências motoras, cognitivas, verbais, etc.) apresentam o vínculo afetivo muito debilitado, já que ambos, mãe e criança, respondem menos a esta interação. A preocupação da mãe em relação ao desenvolvimento da criança pode converter a interação em uma atividade pouco gratificante e as possibilidades de interatuar se vêem reduzidas pelas próprias limitações da criança. Neste sentido, o essencial nos programas de estimulação é melhorar e otimizar o estilo desse relacionamento. (PÉREZ-RAMOS; PÉREZ RAMOS, 1996, p. 6).

Sobre a questão da privação cultural, Soares diz que alunos da classe social mais baixa estariam privados:

[...] não só do ponto de vista econômico – daí a privação alimentar, a subnutrição, que teriam consequências sobre a capacidade de aprendizagem – mas também do ponto de vista cultural: um meio pobre de estímulos sensórios, perceptivos e sociais, em oportunidades de contato com objetos culturais e experiências variadas, pobre em situações de interação e comunicação. (SOARES, 1994, p. 13).

Para minimizar ou acabar com os problemas acarretados pelas faltas ou déficits citados por Soares, a estimulação precoce atenderia àquelas crianças o mais cedo possível, visando seu desenvolvimento global, tendo como parâmetro, no entanto, os níveis de “normalidade” aceitos científica e socialmente. Sobre as questões linguísticas, Slobin (1980, p. 202) traz uma pergunta que, segundo ele, é antiga e embaraçosa, pois sua(s) resposta(s) indica(m) vários caminhos: “pensam de maneira diferente aqueles que falam línguas diferentes?” Tal questionamento nos leva à ideia da privação cultural interferindo na aquisição do “modelo linguístico ideal”, sendo este o da língua majoritária.

Já a segunda vertente da estimulação precoce estaria ligada com as questões do recém-nascido de alto risco, em que muitos bebês que passaram a sobreviver apresentavam sequelas. Atualmente, essa questão do bebê de alto risco ainda existe nas maternidades. Desse modo, a Sociedade de Pediatria do Rio de Janeiro – SOPERJ (Biênio 88/90, p. 1) diz que “cada vez mais, crianças de muito baixo peso ao nascimento (> que 1.000g) estão saindo das Unidades de Tratamento Intensivo Neonatais com problemas e necessidades específicos, para os quais o pediatra geral não foi habilitado”. Esse quadro apresentado pela SOPERJ (idem) é um reflexo das pesquisas que tiveram início entre os anos de 1930 e 1950 e que se estendem até hoje com os

“avanços tecnológicos na área perinatal, que resultaram numa diminuição crescente da taxa de mortalidade neonatal”. De acordo com Pérez-Ramos e Pérez-Ramos:

Para o período neonatal, aperfeiçoam-se os instrumentos e aumenta-se seu número, permitindo verificar, com maior precisão, as reações do recém-nascido, sobretudo quanto aos estímulos sensoriais. Constituem exemplos desta natureza as escalas para detecção dos problemas de audição de DRUMWRIGHT (1972) e de visão de BARKER (1972) e, em especial, a de BRAZELTON7 (1973). Esta

última técnica vem sendo utilizada com êxito em diferentes países. (CANDEL GIL, 1985 apud PÉREZ-RAMOS; PÉREZ-RAMOS, 1996, p. 13-14).

Portanto, o atendimento de estimulação precoce vem sendo desenvolvido através de olhares diferenciados dentro de um enfoque multidisciplinar, porém, direcionando os trabalhos para o mesmo foco, que é o desenvolvimento global da criança, bem como a construção de vínculos emocionais, principalmente com a mãe, em seus primeiros anos de vida. É consenso que o atendimento de estimulação precoce necessita de uma equipe multidisciplinar, pois as variáveis que se apresentam em cada caso são de enorme complexidade. De acordo com essa visão, diferentes saberes permitiriam diferentes olhares, complementando-se.

2.1 Na Saúde: follow-up

Para a área da Saúde, a falta de audição aponta um déficit, transitório ou definitivo. Northern e Downs (1989, p. 286) esclarecem, a respeito das investigações feitas na década de 1980, em escolas americanas, sobre a presença de crianças surdas, que “o período de 2-5 anos nos dá problemas reais na identificação. Essas crianças não são vistas frequentemente em clínicas infantis ou em consultórios médicos”. O intuito daquela pesquisa era encontrar crianças que tivessem apresentado alguma patologia nesse período de vida ou anterior a ele já que “as doenças que deveriam ser selecionadas nesta idade incluem patologias do ouvido médio, doenças viróticas, e perda auditiva neurossensorial”. Northern e Downs (idem, p. 287), fazendo um histórico da investigação auditiva nas escolas, dizem que “a triagem da audição na escola tem uma história longa e honrosa. Já em 1924 um grupo de dedicados otolaringologistas utilizou e

7 T. Berry Brazelton, fundador da Unidade de Desenvolvimento da Criança no Hospital da Criança de Boston.

Pediatra por mais de 45 anos, introduziu o conceito de “orientação antecipatória” para pais na formação pediátrica. Autor da Escala de Avaliação Comportamental Neonatal Behavioral Assessment Scale – NBAS. Conhecida como Escala de Brazelton, ela é usada no mundo todo, clinicamente e em pesquisas, para avaliar não apenas as respostas físicas e neurológicas de recém-nascidos, mas também seu bem-estar emocional e as diferenças individuais. Em seus estudos desenvolve o pensamento de que todo aprendizado tem sua fonte nos primeiros relacionamentos. E que todos os bebês aprendem, inicialmente, através da linguagem não-verbal.

relatou um novo instrumento para testar a audição de escolares” (MCFARLAN, 1927; GOLDSTEIN, 1933 apud NORTHERN; DOWNS, 1989, p.287).

As pesquisas voltadas para a criança começaram no início do século XX. Entretanto, de acordo com Coriat (1997, p. 40), provavelmente a Argentina tenha sido o primeiro local a oferecer um atendimento direcionado para bebês. Lá foi criada, na década de 1960, a disciplina de Estimulação Precoce, pela doutora Lydia Coriat, formada em pediatria no Hospital de Niños. Coriat (idem, p. 47) diz que na década de 1980 esse atendimento tinha se estendido para outros lugares. Nesse período muitos profissionais se especializaram na clínica da Dra. Lygia Coriat, na Argentina; os dois países que estiveram à frente desse trabalho foram os Estados Unidos e a própria Argentina.

Ao longo da história da estimulação precoce, diferentes conhecimentos foram se somando e contribuindo para a melhoria desse serviço. Para a SOPERJ (biênio 88/90, p. V), nos anos de 1950, o termo „alto risco‟ passou a definir aquele recém-nascido que apresentava probabilidade para desenvolver algum tipo de problema, logo após o nascimento, ou sequelas futuras. Assim, a Sociedade de Pediatria (idem) nos diz que a criação de Unidades de Cuidados Intensivos Neonatais e a especialização pediátrica denominada de neonatologia foram dois fatores importantes para que, nos anos de 1960, os bebês de alto risco passassem a ser acompanhados em seu desenvolvimento global. Ainda de acordo com a SOPERJ, “nos países desenvolvidos, o aumento do número de programas de Follow-up vem ocorrendo como resposta ao sucesso dos cuidados oferecidos aos neonatos de alto risco”. Além do atendimento ao bebê o Follow-up é um programa que atende, também, à família da criança. Sobre esse atendimento, a Sociedade de Pediatria afirma que:

Os profissionais envolvidos no cuidado intensivo de cada criança devem estar conscientes do luto pelo bebê ideal que existe em cada mãe e pai. É muito difícil para a família, principalmente pais de bebês prematuros, conseguir se apegar aquele pequeno bebê cheio de tubos, e que, para sobreviver, necessita de tantas máquinas. O suporte emocional deve ser iniciado desde o nascimento, com atendimento individual ou a grupo de pais, sob a supervisão da psicologia. Todo este trabalho visa auxiliar os pais a lidar com a hospitalização e o medo da morte, prepará-los para a alta e informá-los e conscientizá-los da necessidade de acompanhamento, para detectar, precocemente, os desvios do desenvolvimento. (SOPERJ, biênio 88/90, p. 1).

Nos dias atuais, em todo o mundo existem trabalhos voltados para o atendimento de bebês prematuros em maternidades ou clínicas, sendo elas públicas ou privadas. Esses bebês prematuros são acompanhados em seu desenvolvimento durante seu primeiro ano de vida e, se for identificada qualquer desvio em seu desenvolvimento global, uma equipe multidisciplinar

poderá fazer um diagnóstico precocemente; diante de um laudo apontando a necessidade de uma intervenção, ela terá início tão logo possível.