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III ANÁLISE DOS RESULTADOS

4. Discussão geral

O capítulo em tela possibilitou a compreensão da importância do atendimento pedagógico desenvolvido para crianças surdas na educação precoce, confirmando diversas pesquisas. Na década de 1970, Vasconcelos (1978, p. 29) apontava esta ideia ao dizer que “em muitos países, já são aplicados programas de detecção e estimulação precoces, cuja importância é ressaltada pelos estudos científicos relacionados à prevenção”.

As pesquisas de Vigotski (2007, p. 166) apontando para a imaturidade relativa das crianças, sinalizaram uma ambiguidade que existe nesse fato, referindo-se à sua dependência do adulto como “mais experiente que elas”, e a possibilidade que elas têm em colher “os benefícios de um contexto ótimo e socialmente desenvolvido para o aprendizado”. Através desses argumentos, ficou ainda mais evidente a importância da educação precoce, para crianças surdas.

Além disso, a revisão histórico-pedagógica permitiu que outros conhecimentos fossem somados aos estudos anteriores da professora-pesquisadora, podendo ser aplicados em sua prática pedagógica. Dessa forma, a abordagem sócio-histórica permitiu um olhar mais crítico sobre o potencial da criança surda, contribuindo para que a professora elaborasse novas estratégias pedagógicas somando-se às utilizadas anteriormente por ela. Em suma, a revisão histórico-pedagógica, trazendo outros conhecimentos para a professora-pesquisadora, permitiu a reelaboração e o redimensionamento de sua prática em sala de aula, tão necessários para a dinâmica do processo de ensino e de aprendizagem.

Os resultados desta pesquisa indicaram que o atendimento pedagógico para aquelas crianças com surdez profunda/ severa, com média de três anos de idade, e o trabalho de apoio e orientação aos seus responsáveis foram favoráveis para as interações com seus familiares ouvintes. Permitiram, também, que elas adquirissem certo grau de autonomia através das estratégias pedagógicas criadas no ambiente de ludicidade, no qual participaram ativamente do próprio aprendizado (VIGOTSKI, 2007, p. 166). Tais resultados sugeriram que outras crianças surdas, apresentando as mesmas características daquelas pesquisadas, poderiam se beneficiar igualmente desse atendimento e adquirir as primeiras aprendizagens. Da mesma forma, poderiam melhorar a qualidade de suas interações dentro do contexto familiar, estendendo-se para outros grupos sociais e com isso adquirir autonomia.

Ao final da pesquisa foi possível observar que as crianças adquiriram algumas aprendizagens através da linguagem não verbal, possibilitando-lhes um grau relativo de autonomia. As observações apontaram, também, mudanças em seus comportamentos e melhora significativa em suas interações sociais, estendendo-se para além do círculo familiar. Entretanto, quando se tratou de aprendizagens mais complexas, o ritmo dessas aquisições se tornou mais lento em quantidade e em qualidade.

As crianças pesquisadas interagiam, apenas, através da linguagem não verbal, como os sinais, os gestos naturais e as expressões corporais. Segundo Strobäus e Bussab (2009, p. 129), o gesto de apontar “fornece pistas aos pais de quais palavras e sentenças as crianças precisam ouvir para organizar suas ideias e dar outro passo rumo à aprendizagem”. Além disso, “os gestos desempenham um papel principal no aprendizado linguístico e na aquisição da cognição”. Mesmo sabendo-se que, principalmente, o gesto de apontar oferece um suporte para as primeiras aprendizagens, concluiu-se que a comunicação não verbal foi insuficiente para as interações sociais e a aquisição de aprendizagens mais complexas. Dessa forma, compreendeu-se a necessidade da aquisição de uma língua, considerando-se que a média de idade entre as crianças investigadas era de três anos e que elas não apresentavam perda cognitiva; e, sim, uma

falta significativa de experiências, como foi apontado por Furt em suas pesquisas na década de 1960 e sinalizada nesta pesquisa em sua metodologia.

As conclusões acima revelaram outro fator significativo relacionado com a idade em que as crianças iniciaram o atendimento pedagógico e com o tempo em que ficaram na educação precoce. Não se objetivou realizar um estudo comparativo entre as três. Todavia, concluiu-se que Alice e Gabriel, mesmo sendo mais velhos, apresentaram ritmo mais lento de aprendizagem do que Helena. Esse fato provavelmente é resultante de problemas relacionados com o desequilíbrio emocional que dificultaram as interações deles com seus familiares. Esta comparação permitiu compreender que nenhuma das crianças iniciou a educação precoce logo após o laudo de surdez, teve e que este fato pode ter sido um indicador para as defasagens apresentadas em seu desenvolvimento global. As três crianças, em suas interações familiares, já tinham adquirido algumas aprendizagens anteriores ao processo escolar, e a escola, como mediadora, através da sistematização do ensino especializado na área da surdez, ofereceu experiências que favoreceram novas aprendizagens a partir daquelas trazidas de casa.

Desta forma, pode-se compreender que a criança surda tem a capacidade de adquirir as mesmas aprendizagens que a criança ouvinte, a partir de um ambiente suficientemente bom, construído tanto na família quanto na escola em seus primeiros anos de vida. Para Winnicott (1977, p. 146), a criança “começa a criar um mundo interior e pessoal, em que batalhas são ganhas e perdidas, um mundo em que a magia se conserva em equilíbrio oscilante”. Este autor faz um convite irrecusável para o trabalho de educação precoce com crianças surdas: “estimulemos a capacidade de brincar da criança” (idem, p.147). Winnicott conclui seu pensamento sobre a importância da brincadeira apontando que é através dessa atividade que a criança constrói uma base segura para suas aprendizagens futuras. Isso não pode ser negado à criança surda. Segundo este autor:

Suas brincadeiras revelam que essa criança é capaz, dado um ambiente razoavelmente bom e estável, de desenvolver um modo de vida pessoal e, finalmente, converter-se num ser humano integral, desejado como tal e favoravelmente acolhido pelo mundo em geral. (WINNICOTT, 1977, p. 147).

Assim, resgataram-se algumas conclusões apresentadas no início da década de 1980, no 2º Seminário Sobre Deficiência Auditiva, no qual se afirmou que “sendo diagnosticada uma deficiência auditiva é importante que a criança participe de um programa de estimulação precoce elaborado por uma equipe multidisciplinar”, considerando-se que “não há nenhuma dúvida, nenhuma controvérsia sobre a validade da Estimulação Precoce”; que “a orientação aos pais é básica e fundamental para o alcance dos objetivos” e que “a Estimulação Precoce não pode

generalizar resultados otimistas para todos os casos” (CEIV, 1982, p. 45). Tais conclusões puderam ser reafirmadas neste estudo.

A conclusão final a que se chegou nesta pesquisa reforçou um conceito que esteve presente para a professora-pesquisadora em seus atendimentos, ao longo desses anos, com crianças surdas nessa faixa etária, apontando que nesse período de vida elas adquirem muitas aprendizagens, salvo aquelas que, além da perda de audição, apresentavam outras perdas relacionadas com a cognição. Entretanto, mediante uma necessidade interna que a maioria dos ouvintes desenvolve, tais aprendizagens ficam invisíveis na ausência de uma língua oral. Assim, para muitos, o desconhecimento sobre a surdez não permite que se visualizem outras aprendizagens.

Surge, então, outro objetivo deste trabalho e que tem tanta importância quanto os delimitados inicialmente: apontar para os familiares e para todos aqueles que queiram trabalhar com criança surda, nesta faixa etária, que existem aprendizagens que podem ser adquiridas por essas crianças através de interações suficientemente boas e que estão relacionadas com o período não verbal, ou seja, antes mesmo que ela comece a falar ou a utilizar a língua de sinais. Reconhecendo suas aprendizagens, podem-se reconhecer os ganhos da criança surda, no nível cognitivo e emocional. O mundo da criança surda é o mesmo mundo infantil: dinâmico em sua constituição como a própria criança. Neste mundo as crianças surdas podem rir e brincar. Podem chorar e elaborar seus sentimentos. Podem aprender criativamente, utilizando-se da fantasia, da imaginação e da criatividade.