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Todas as pesquisas apontam para a família como o primeiro grupo social e sua importância para os primeiros conhecimentos adquiridos pela criança nas interações produzidas nesse grupo. De acordo com Mamede (2002, p. 483) existe uma diversidade na organização das famílias na sociedade atual. Para a autora as estruturas familiares vêm passando por modificações que acarretam diferentes configurações e formas de significar a rede de suas relações. Mamede acrescenta que “mesmo nas famílias tradicionais, o papel exercido pelos pais tem sofrido alterações significativas”. (idem). Independente da organização familiar, geralmente, este é o primeiro grupo social da criança e é nele que surgirão as primeiras interações e, consequentemente, se efetivarão as primeiras aprendizagens.

Considerando que a família, ao observar sua criança e constatar que ela não fala no período em que todas as outras crianças estão falando, ela procura respostas através do pediatra e de outras pessoas que podem lhe justificar tal ausência. Sendo orientada para fazer os exames que vão lhe dar a resposta exata e diante de um laudo de surdez, a maioria das famílias ouvintes, se desestrutura. Surgem, então, diferentes reações: sentem-se culpadas, deprimidas ou ressentidas; passam a ver a criança surda através da falta; afastam-se dela, fisicamente. Essas reações demonstram um total desconhecimento sobre a surdez e o potencial daquela criança. Assim, instala-se um processo que é conhecido pela expressão: „luto pelo filho sonhado‟. Este sentimento pode durar um período curto ou prolongar-se, e o resultado é que as interações entre a família e a criança surda ficam comprometidas.

Sobre este luto pelo filho sonhado, Brazelton e Cramer (1992, p. 188) afirmam que “todo recém-nascido carrega um potencial de decepção” e que nenhum bebê é capaz de estar à altura das fantasias que os pais acalentam em relação ao seu futuro filho. Nesse sentido, esses autores dizem que “uma das maiores tarefas psicológicas que se apresenta aos pais após o nascimento é a de reconciliar-se com o bebê real e chorar a perda do bebê perfeito e imaginário”. Assim, compreende-se o período de luto que os pais vivenciam diante de um laudo de surdez de seu filho e a necessidade do apoio familiar com o objetivo de se resgatar o vínculo entre a criança surda e seus familiares.

3.2.1 Os pais diante do diagnóstico de surdez

Os pesquisadores têm apontado as várias reações da família diante de um laudo de surdez. No Primeiro Encontro Interdisciplinar, na Área da Deficiência Auditiva, sobre Política de Prevenção da Surdez que aconteceu no INES, Bevilacqua (1990, p. 91) enfatizou que o diagnóstico de surdez deve ser feito com muita cautela, principalmente quando se trata de bebê recém-nascido. Tal cuidado está ligado diretamente à qualidade da relação mãe/bebê, porque para a autora, notadamente nos seis primeiros meses de vida, “é através desta relação que se dá a atribuição do significado, junto com o que a mãe pode estabelecer com aquele bebê”. Sendo que, para essa autora, o equilíbrio da relação nesse momento é mais importante do que o diagnóstico da surdez. Para Bevilacqua:

A partir do diagnóstico, a mãe passa por um estado de choque devido ao confronto do „filho ideal‟ com o „filho real‟ que é portador de uma deficiência. Este choque nos primeiros meses pode ter uma significância muito grande em todo o desenvolvimento de sua vida futura. (1990, p. 91).

Salles fala, também, sobre a reação dos pais diante de um laudo de surdez, devendo- se ressaltar que as reações apresentam variações, mas que, na maioria dos casos, estão ligadas ao fato de que são pais ouvintes que desconhecem a surdez. A autora cita que:

O diagnóstico apresentado aos pais, sem preparação e esclarecimentos para com o problema, causa impacto e desespero, chegando mesmo a desorganizar toda a dinâmica familiar. Os pais ficam sem saber como ajudar aos filhos, quais suas possibilidades e limitações, quais as providências a tomar, com quem podem contar, a quem recorrer, qual a escola ideal, qual a conduta médica. (SALLES, 1990, p. 138).

Os sentimentos desencadeados nos pais, logo após o diagnóstico de surdez, torna-os extremamente sensíveis. Portanto, os profissionais que lidam diretamente com eles devem procurar desenvolver uma postura de acolhimento e apoio. Segundo Salles (1990, p. 138) “o trabalho de orientação é longo, pois os pais, na realidade, não aceitam de imediato a verdade. Sendo assim, um programa de acolhimento permitirá a mudança de atitude”.

Nascimento (2007, p. 173) acrescenta que “a família (na maioria das vezes, ouvinte) busca ansiosamente pelo momento em que sua criança dirá as primeiras palavras. Na „falta‟ deste elemento que as aproximem, se desestruturam”. Esta autora diz que, em sua prática muitas vezes durante o atendimento da criança, o trabalho volta-se para “apoiar e orientar a família” porque existe uma necessidade muito grande em relação à (re)construção do vínculo entre a criança surda e sua família. Segundo esta autora (idem, p. 174), a orientação familiar “está sempre

voltada para o envolvimento da família nas questões da aprendizagem, olhando a criança globalmente e não apenas como uma criança surda”.

Em depoimento (EDUCAÇÃO INFANTIL/EDUCAÇÃO PRECOCE – 2004/2005 – DVD), alguns pais falaram sobre seus sentimentos, ficando clara a necessidade de um trabalho de equipe visando o diagnóstico precoce, o apoio e a orientação da família. Nestes depoimentos encontram-se sonhos, expectativas, medos e angústias: sentimentos desorganizados diante do desconhecido. Um desses pais diz sobre seu filho que:

“O próprio nome dele, Alexandre, foi inspirado no... Alexandre, o rei da Macedônia.”

Este depoimento aponta um dos sonhos que se traça diante de uma gravidez, ou mesmo antes da concepção. É um processo vivenciado por muitas pessoas que tiveram ou desejam ter filhos. No entanto, para esses pais da educação precoce, o filho imaginado não veio. Defrontaram-se com uma realidade da qual não esperavam e para a qual não foram preparados. Este pai acrescenta que:

“Ele nasceu em morte aparente. Nasceu praticamente morto. Depois de duas semanas conseguiu ser reanimado, conseguiu sobreviver e resistir.”

Em outros dois depoimentos as mães falam que:

“Desde os três meses ela não sustentava a cabeça igual Jamile [a filha mais nova –

explicação nossa]. Ela só ficava com a cabeça caída.”

“Um dia eu estava indo para a casa de minha mãe e soltaram aqueles fogos de São João. Eu me assustei. Ela nem aquele sustinho de leve ela deu.”

Frente a esses depoimentos, pode-se compreender a expectativa desses pais diante do desconhecido, e isso aponta para a necessidade de um trabalho paralelo tanto com a criança quanto com seus familiares.

3.2.2 Pais: mediadores das primeiras aprendizagens

A importância do adulto como mediador é percebido desde o nascimento. Brazelton e Greenpan (2002, p. 30) dizem que “[...] vem a mãe e o pai, cada um tratando o bebê de forma diferente, e ele armazena aquelas diferenças e as reflete de volta, ao redor das 6-8 semanas, com diferentes respostas.” Esses autores afirmam que “[...] essa consciência das diferenças em cada pessoa importante é o primeiro sinal confiável de desenvolvimento cognitivo” e que “o desenvolvimento emocional, bem como intelectual, dependem de relacionamentos ricos, profundos, sustentadores no início da vida e, agora, a pesquisa contínua da neurociência está confirmando esse processo” (idem).

A interação entre a família e a criança surda é um fator primordial para as primeiras aprendizagens. Segundo Brazelton e Greenspan (2002, p. 125) “a segurança interior, que torna possível a uma criança prestar atenção, também dá à criança a capacidade de ser amorosa, confiante e íntima, tanto com adultos como com seus iguais”. Esses autores afirmam que esta capacidade se dá ainda no primeiro semestre de vida do bebê, entre o quarto e sexto mês de vida. Para eles “o bebê estuda os rostos de seus pais, arrulhando e desenvolvendo seus sorrisos com um brilho especial próprio, enquanto os dois se cortejam e aprendem sobre o amor juntos.” Esses dois autores completam que é nessa relação que “todos os conceitos intelectuais, abstratos, que as crianças dominarão em idades posteriores, baseiam-se nos conceitos que elas aprendem em seus primeiros relacionamentos”.

Esses autores apontam quatro estágios da reciprocidade afetiva nos primeiros quatro meses da vida do bebê, no qual no primeiro estágio “a mãe ensina ao bebê a ficar calmo e alcançar o equilíbrio interior, a fim de prestar atenção a sinais externos”. No segundo estágio “ela ensina a prolongar sua atenção e a esperar os sinais dos pais”. No terceiro estágio, ocorre “a troca de sorrisos e vocalizações e, então, o começo da reciprocidade, que corresponde aos sorrisos e às vocalizações do bebê em tempo, ritmo e qualidade. O bebê sente-se correspondido e igualado”. E, por fim, no quarto estágio “o bebê se afasta da mãe e passa a controlar a situação ele mesmo” (idem, p. 31).

Em relação ao ambiente peculiar que é formado em torno do bebê, Spitz (2004, p. 42) afirma que esse ambiente se torna “um mundo em si mesmo, com o qual a mãe cerca o bebê, e que ela amplia em muitas direções”. Neste mundo, ela o protege fisicamente, libertando-o de estímulos externos que poderiam sobrecarregar seu filho. Além disso, dá assistência “no que se refere aos estímulos internos, proporcionando-lhe descargas de tensão”. Assim, para Spitz (idem,

p. 43), a mãe, “alimentando o bebê quando está faminto, trocando-o quando está molhado, cobrindo-o quando está com frio, etc., modifica essas condições e alivia a tensão desagradável”.

Para Spitz (2004, p. 101), mesmo diante da alegação de que a mãe não é o único ser humano que participa da vida da criança e que todos os outros membros da família podem ter significado afetivo para ela e de que o ambiente cultural e seus costumes exercem grande influência sobre a criança, desde o nascimento, este autor lembra que “em nossa cultura ocidental estas influências são transmitidas à criança pela mãe ou seu substituto”.

A importância da presença da mãe, principalmente nos primeiros anos de vida, sempre foi tema de estudos ligados ao desenvolvimento infantil. Vasconcelos, em suas pesquisas, afirma que os cuidados maternos são primordiais para a criança surda da mesma forma como os são para a criança que ouve. Essa autora diz que:

Quando se trata de uma criança muito pequena, que ainda não pode frequentar a escola, a orientação inicial deve ser dada à mãe a fim de que esta aplique, em casa, os ensinamentos recebidos, começando, desse modo, a educação precoce da criança. O ideal é que a aprendizagem inicial seja feita pela própria mãe porque, repetindo a situação idêntica da criança que ouve, ela dá o apoio básico da afetividade ao desenvolvimento da linguagem. (VASCONCELOS, apud, CEIV, 1984, p. 35).

Entretanto, não se pode negar que houve uma mudança bastante significativa em relação à presença do pai na vida da criança. Brazelton e Cramer (1992, p. 49) dizem que “a psicanálise sempre considerou uma figura fantasiada ou mítica do pai: o portador da lei, o porta- voz da realidade, aquele que detém nas mãos a faca que corta o cordão umbilical e ameaça o filho de castração”. Atualmente, entende-se a importância que o pai exerce no desenvolvimento da criança. Segundo esses dois autores, os estudos mais recentes vêm demonstrando que “o pai exerce influência direta sobre o desenvolvimento da criança, influência essa que é enfatizada pelo apego existente entre ele e o filho desde a primeira infância”. Para Brazelton e Cramer (idem, p. 126) existem diferenças significativas nas relações entre o bebê e a mãe e o bebê e o pai. O bebê aprende a diferenciar uma interação da outra. Esses autores afirmam que “o pai desenvolve-se segundo estágios bastante semelhantes aos que a mãe atravessa. Interagindo e respondendo aos sinais não-verbais de seu bebê, ambos os pais aprendem sobre a própria capacidade de criar um filho”.

Através dessas interações, inúmeras aprendizagens vão ocorrer de forma natural. São experiências vivenciadas na relação familiar e dentro de um contexto real, diferenciando-se daquelas apresentadas para a criança surda durante as atividades escolares.