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Linguagem não verbal e o processo de independência

3.3 Funções psíquicas

3.3.3 O uso de signos

3.3.3.1 Linguagem não verbal e o processo de independência

Spitz (2004, p. 42) afirma que “o recém-nascido não tem nenhuma imagem do mundo, nem estímulos de qualquer modalidade sensorial que possa reconhecer como sinais”. Segundo ele “[...] os estímulos que incidem sobre o sensório do bebê são estranhos à modalidade visual, como a todas as outras modalidades sensoriais”. Com isto, Spitz (idem) afirma que “todo estímulo deverá ser primeiro transformado em uma experiência significativa; somente então ele pode tornar-se um sinal ao qual outros sinais são acrescentados, gradativamente, para construir a imagem coerente do mundo da criança”. Ele ressalta a importância daquilo que denominou de „diálogo‟ e que ocorre nas primeiras interações do bebê com sua mãe, provocando as experiências significativas sobre as quais se referiu. Para Spitz:

O diálogo é o ciclo sequencial de ação-reação-ação, no quadro das relações mãe-filho. Esta forma muito especial de integração cria para o bebê um mundo exclusivo, que é bem dele, com um clima emocional específico. É este ciclo de ação-reação-ação que torna o bebê capaz de transformar gradualmente os estímulos sem significado em signos significativos. (ibidem, p. 43).

Outros pesquisadores investigaram o papel que a linguagem não verbal desempenha na vida da criança para as primeiras aprendizagens. Brazelton e Cramer (1992, p. 64), falando das aprendizagens que ocorrem através da linguagem não verbal, afirmam que “a interação visual no período pós-natal pode ser tão importante quanto qualquer outra – a amamentação, o tomar nos braços, o acariciar”. Segundo as pesquisas de Salapatek e Kessen (1966, apud, BRAZELTON; CRAMER, 1992, p. 64), “os bebês parecem ter a capacidade inata de aprender sobre a face humana. Os estímulos visuais que os atraem de modo mais forte parecem ser o brilho dos olhos e o movimento da boca, bem como o contorno do rosto”. Assim, Brazelton e Cramer (1992, p. 65) afirmam que “a mãe é capaz de notar que seu bebê a reconhece à idade de três semanas e que, com quatro ou cinco semanas, já reage de forma diferenciada nas interações com seu pai ou outro adulto conhecido”.

Esses dois autores concluem que “o fato de o recém-nascido aprender tão rápido sobre eles é evidência do bom funcionamento cerebral do bebê, bem como da importância dos pais para a criança”. Isso demonstra a maturidade biológica, mas, sobretudo, reforça as ideias de

Spitz e de Vigotski sobre a significação das experiências para as primeiras aprendizagens, através da linguagem não verbal, e que ocorrem por meio das interações sociais, principalmente, com os pais.

Sendo assim, o tato, segundo Brazelton e Cramer (1992, p. 74) “é a primeira esfera importante de comunicação entre mãe e bebê. Ao choro da criança, a mãe responde acalentando- a, isto é, contendo, por meio do toque e do abraço, as atividades motoras descontroladas que a perturbam”. Dessa forma esses autores afirmam que “o tato é um código compartilhado pelo cuidador e pela criança – tanto para aquietá-la como para acordá-la ou alertá-la”.

Além disso, o toque possibilita a individuação e a construção da identidade da criança a partir do reconhecimento do outro, diferenciando-o, gradativamente, de seu próprio corpo. Segundo Spitz (2004, p. 234-235) “identificação primária” é um termo utilizado na teoria psicanalítica para indicar o “estado de não diferenciação”, ou seja, a criança não diferencia o “eu” e o “não eu”. Sendo assim, na identificação primária, a criança considera todas as experiências vividas por ela, tanto as do meio ambiente, quanto as que satisfazem seus desejos internos “como parte de sua própria pessoa e corpo, fora do qual nada existe” (idem, p. 235).

Para esse autor, o estado de identificação primária pode ser dificultado quando as mães ou substitutos deixam de tocar a criança. Considerando o estado da identificação primária como o primeiro estágio no processo de individualização, Spitz (2004, p. 236) considera que esse período ocorre no primeiro semestre de vida do bebê no qual ele, ao lidar com as identificações primárias, consegue rompê-las e superá-las. De acordo com esse pensamento, Spitz considera o segundo estágio, o da identificação secundária, tendo início no segundo semestre de vida do bebê, estendendo-se até o décimo oitavo mês de vida. Para Spitz, nesse estágio “a criança adquire técnicas e mecanismos por meio dos quais consegue a independência em relação à mãe”. Mahler (apud SPITZ, 2004, p. 236) chamou de „processo de individuação-separação‟ o caminho que a criança percorre para, somente então, tornar-se um indivíduo independente e que esse autor considera como tendo início após os dezoito meses da vida do bebê. Prosseguindo em seus estudos, Spitz, (1957 apud, SPITZ, 2004, p. 236) afirma que “[...] quando a mãe dificulta a identificação primária pela recusa da experiência tátil, ela impede duas importantes realizações do desenvolvimento – a da formação do ego e a das identificações secundárias”. Spitz (2004, p. 237) conclui que “essa independência relativa é conseguida, aproximadamente, no décimo oitavo mês de vida [...]”.

O tato passa a ser um importante órgão de percepção e interação da criança surda. Este processo de formação da identidade se torna um período importante para ela uma vez que, privada da voz da mãe, a criança apreende seu mundo através de outros indícios, tais como, a

expressão corporal, os gestos, a percepção visual e tátil. Portanto, as experiências táteis são tão importantes na relação criança surda/pais ouvintes e não devem ser negligenciadas, principalmente nesses três primeiros anos de sua vida. É importante relembrar que o ato de pegar a criança no colo geralmente ocorre acompanhado da voz do adulto, sendo acrescentado mais uma informação para ele através do canal auditivo. Para a criança surda, ficará apenas a percepção tátil e a expressão facial e o olhar. Nesse sentido é necessário que o adulto não se detenha apenas na percepção auditiva, já que esta é uma necessidade interna do próprio adulto diante de um laudo de surdez, mas que procure dar ênfase aos outros códigos perceptivos. Todavia, se ainda não houve o diagnóstico da surdez e o adulto não foi orientado nesse sentido, a criança surda terá essa experiência fragmentada; consequentemente, a aprendizagem ocorrerá apenas em parte, portanto incompleta, acentuando as diferenças no desenvolvimento global entre crianças surdas e ouvintes.