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A 15 de Novembro de 1853 morreu D. Maria II, Rainha de Portugal. D. Fernando assumiu a regˆencia do reino at´e `a maioridade do infante D. Pedro. O futuro rei era, segundo os seus bi´ografos, inteligente, esfor¸cado, informado e um fervoroso adepto das vantagens do progresso e da necessidade imperiosa de desenvolver Portugal. A sua postura activa levou a acusa¸c˜oes de intervencionismo visto a sua actua¸c˜ao ser limitada pelas regras da monarquia constitucional. Rei amado pelo seu povo adquiriu, ap´os a sua curta e tr´agica vida, uma reputa¸c˜ao m´ıtica. Os seus escritos revelam um olhar l´ucido e implac´avel sobre Portugal. A diferen¸ca entre o Portugal idealizado e a realidade contribuem para alguma inevit´avel frustra¸c˜ao. Coincidˆencia ou n˜ao, o Conde do Lavradio de quem D. Pedro disse ser “o ´unico portuguˆes que de facto tem ideias” possu´ıa, por vezes, um sentimento semelhante.159

Apesar do seu curto reinado, D. Pedro V teve um papel importante no desenvolvimento da astronomia nacional ao destinar trinta contos da dota¸c˜ao real `a constru¸c˜ao de um novo observat´orio astron´omico. A mais antiga referˆencia `a astronomia portuguesa por parte de D. Pedro que encontr´amos aparece no di´ario da viagem que efectuou com a sua fam´ılia ao litoral centro e norte de Portugal, em 1852. Escreveu D. Pedro ap´os a sua visita `a Universidade

A tarde do dia da chegada empregamola em visitar varios estabelecimentos pertencentes ´a Universidade. Primeiro dirigiram-se S.S. M.M. ao observatorio, que fica situado no pateo da Universidade. Na planta terrea estam as aulas de astronomia theorica ´a vista dos mappas, e egualmente ali se guardam alguns instrumentos. No 1o

andar se acham os instrumentos de maiores dimens˜oes proprios para observa¸c˜oes, como oculos, muraes, &. S˜ao a maior parte destes instrumentos antigos, e n˜ao atingem o grao de perfei¸c˜ao a que modernamente tem chegado a fabrica¸c˜ao dos instrumentos astronomicos em Fran¸ca, Inglaterra e Allemanha. Ha contudo alguns instrumentos de Dollond que s˜ao bons, porem s˜ao muito velhos e estragados. Nota-se tambem uma Pendula franceza muito exacta. No seu ultimo andar se acham outros instrumentos; e no ultimo estava estabelecido um oculo feito para observa¸c˜oes zenithaes, mas que pela sua m´a construc¸c˜ao, e sobretudo pela sua m´a colloca¸c˜ao n˜ao deu os resultados desejados. Em geral o observatorio est´a uma miseria e s´o serve para attestar, como muitas outras cousas, que houve tempo em que faziamos alguma cousa pelas sciencias. E n˜ao se diga que ´e por falta de homens competentes que o observatorio n˜ao tem feito muito. Os homens houve-os e h´a-os, houve Jo˜ao Monteiro da Rocha, Honorato e Agostinho Pinto que faziam honra ´a Universidade e ´a sua faculdade, e ainda hoje temos varios bons mathematicos. Se n˜ao fazem nada ´e porque h´a governos que n˜ao tractam de cousas s´erias. [...] Tem-se gasto perto de trinta contos com o Passeio da Estrella, obra que n˜ao seria inteiramente mal cabida n˜ao houvesse outros assumptos mais serios em que pensar.Ora n˜ao seriam muito mais bem empregados esses trinta contos e mais uma parte do que se gasta em theatros de que n˜ao resulta sen˜ao um divertimento passageiro, em comprar instrumentos para estabelecer um observatorio em Lisboa e augmentar o de Coimbra, para podermos tambem dizer que

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Pinto, Jos´e Freire de Sousa: Algumas informa¸c˜oes sobre o Observat´orio Astron´omico da Universidade de Coimbra. Imprensa da Universidade de Coimbra. 1892.

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onica, Maria Filomena; Editor. : Correspondˆencia entre D. Pedro V e Seu Tio, o Pr´ıncipe Alberto. Lisboa: ICS/Quetzal Editores. 2000, Carta ao Pr´ıncipe Alberto, 16 de Janeiro de 1856.

temos observatorio donde podem resultar vantagens solidas para a sciencia? Mas n˜ao bastava gastar essa quantia por uma vez devia-se designar uma quantia por anno para a conserva¸c˜ao do estabelecimento, para a acquisi¸c˜ao dos livros emfim de tudo quanto nos podesse pˆor em dia com a sciencia. Alem disso devia o Governo mandar para os paises estrangeiros alguns homens dos que mais se tem distinguido nas sciencias exactas para que apprendam o que aqui n˜ao se apprende, e depois o ensinem. O distincto astronomo Russo Struwe at´e mandou fazer o offerecimento ao governo de se encarregar de alguns individuos que o governo lhe quizesse mandar. Mas o governo nada decidiu. O observatorio de Coimbra ´e indispensavel para formar os estudantes, porem delle n˜ao se esperam grandes resultados. Em Lisboa ´e elle ent˜ao muito proprio e nesse se poder˜ao fazer observa¸c˜oes de maior alcance, basta que o observatorio de Coimbra, donde ali´as se vˆe um largo tracto de terra, n˜ao se descobre o horisonte limpo e desimpedido que as observa¸c˜oes astronomicas exigem. Muito conviria tambem um observatorio magnetico. O Director deste Estabelecimento ´e o Dr. Thomaz de Aquino de Carvalho, Lente de Prima da faculdade de Mathematica. Elle tem bons desejos e bem queria que ao observatorio se desse o incremento que ele merece, porem os seus esfor¸cos s˜ao infelizmente pouco efficazes.160

Esta descri¸c˜ao de D. Pedro efectuada, vale a pena record´a-lo, com a idade de 14 anos n˜ao ´e pessimista, contrariamente ao que pensa um dos seus bi´ografos, mas sim realista.161 A sua an´alise do estado do observat´orio ´e, notavelmente, correcta. Em resumo, D. Pedro ´e de opini˜ao que

1. a localiza¸c˜ao do observat´orio de Coimbra ´e inadequada;

2. a actualiza¸c˜ao de conhecimentos atrav´es da aprendizagem no estrangeiro das novas t´ecnicas ´e importante;

3. existe a necessidade de estabelecer em Portugal um novo observat´orio; 4. ´e prefer´ıvel este situar-se em Lisboa.

Note-se, ainda, o conhecimento de D. Pedro dos esfor¸cos efectuados no in´ıcio dos anos 50 em prole da astronomia nacional. Supomos que este conhecimento e a preferˆencia por Lisboa n˜ao ´e mais do que um reflexo do tutor de matem´atica dos pr´ıncipes D. Pedro e D. Luiz. Filippe Folque, tutor nomeado em 1847, foi em 1850 um dos membros da comiss˜ao governamental encarregada de resolver o problema do Observat´orio da Marinha (ver p´agina 30). D. Fernando decidiu enviar, como parte da sua educa¸c˜ao, os infantes D. Pedro e D. Luiz, em duas viagens europeias que, ao contr´ario do Grand Tour tradicional, preferiam a ciˆencia e tecnologia `a arte e cultura. A primeira viagem levou os infantes `a Inglaterra, B´elgica, Holanda, Pr´ussia e

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Austria, entre 28 de Maio e 17 de Setembro de 1854. No ano seguinte, os irm˜aos visitaram a Fran¸ca, It´alia, Sui¸ca, B´elgica e Ilha de Wright, entre 20 de Maio e 14 de Agosto.162

Estas desloca¸c˜oes confirmaram ao futuro rei as vantagens de se efectuarem viagens de car´acter cient´ıfico, e

ap´os o regresso, o rei manifestou a sua vontade de enviar para o estrangeiro pessoas das mais diversas ´areas. Estes “Grands Tour” reproduziam um percurso semelhante `aquele j´a feito pelo rei, mas diferenciar-se-iam pelo seu car´acter especializado.163

Embora anteriormente se tivessem efectuado viagens t´ecnicas, por exemplo, Jos´e Frederico Pereira Marrecos viajou no in´ıcio dos anos 40 `a Fran¸ca, Inglaterra e B´elgica com vista a

160

D. Pedro V; Academia das Ciˆencias de Lisboa; Editor. : Escritos de El-Rei D. Pedro V . Volume 1, Coimbra: Imprensa da Universidade. 1923, p 30 a 33.

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onica, Maria Filomena; Editor. : D. Pedro V . Lisboa: C´ırculo dos Leitores. 2005, p. 47.

162

Vicente, Filipa Lowndes: Viagens e Exposi¸c˜oes - D. Pedro V na Europa do S´eculo XIX . G´otica. 2003, p. 18.

163

proceder `a melhoria da “Typographia Nacional”.164 Nota-se durante o reinado de D. Pedro

um incremento do n´umero de viajantes com miss˜oes de car´acter cient´ıfico-militar com o patroc´ınio do estado portuguˆes. De tal forma, que em Janeiro de 1858

O dig.mo Prelado [Reitor da Universidade de Coimbra] lembrou ao Conselho, q a exemplo da Faculdade de Philosophia, achava occasi˜ao opportuna de se pedir ao governo, p.a um dos membros da Faculdade de Mathematica ir viajˆar, adquirindo assim os conhecimentos de practica de que tanto carece.165

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E tamb´em significativo que, a partir de 1857, passe a existir no minist´erio do reino um livro de “registo de correspondˆencia e providˆencias sobre comiss˜oes ou viagens cient´ıficas”. Na tabela 2.12 apresentam-se algumas destas viagens. Podemos ainda considerar como viagens

Professor Proveniˆencia Data(s)

Mathias de Carvalho e Vasconcellos Univ. de Coimbra (Filosofia) 1857

Frederico Augusto Oom Marinha 1858

Jacintho Antonio de Souza Univ. de Coimbra (Filosofia) 1860 Rodrigo Ribeiro de Sousa Pinto Univ. de Coimbra (Matem´atica) 1860 Jo˜ao Carlos de Brito Capello Obs. Meteorol´ogico Infante D. Luiz 1860

Tabela 2.12: Algumas viagens cient´ıficas realizadas entre 1857 e 1860 por comissionados portugueses

cient´ıficas as dos pr´oprios pr´ıncipes e de alguns membros da sua comitiva. Na ´area da astronomia D. Pedro, na sua primeira viagem, n˜ao teve tempo de se deslocar ao Observat´orio de Greenwich. O “que foi crime de lesa astronomia, que o Folque perdoou a muito custo”.166

Mas na B´elgica visitou, a 9 de Julho, o Observat´orio de Bruxelas, que

no meu fraco entender, copiado para assim dizer do que tenho ouvido dizer ao nosso Folque e restos ainda da agradavel conversa¸c˜ao de Mr. Quetelet, ´e um estabelecimento que se pode chamar perfeito no seu genero, e que reune todas as condic¸c˜oes de utilidade e de commodidadde, amenizando com o seu aspecto agradavel e alegre, os duros e difficeis, mas certamente necessarios estudos mathematicos.167

Reflectindo sobre o estado da astronomia portuguesa acrescentou ainda

A total ausencia de um observatorio astronomico e meteorologico em Lisboa e a notoria de- ficiencia e quasi insufficiencia do de Coimbra, s˜ao dous factos verdadeiros e que nos colocam muito desfavoravelmente no conceito das na¸c˜oes que se presam de cultura intellectual. Dada a contesta¸c˜ao sobre qual seria o local mais proprio para o estabelecimento de um bom obser- vatorio em Portugal, e tendo que decidir entre Lisboa e Coimbra, decidiria por Lisboa. E n˜ao creiam que seria uma despeza de produzir deficit no or¸camento (n˜ao essas, desgra¸cadamente, que o produzem). Os tres instrumentos principaes do observatorio de Bruxellas importaram em 57.600 fr., perto de 10.000.000 Rs. creio que ainda poderiamos, se temer que naufragasse a nao do Estado apezar dos maos pilotos que tem tido, dispender 30.000.000 Rs. na edifica¸c˜ao e funda¸c˜ao de um observatorio astronomico. - Entre o grande numero de observatorios que cobrem a Europa, nem sequer apparece o nome do de Coimbra! N˜ao nos faz muita honra.

164

Assis, Jos´e Lu´ıs: Tipografias Portuguesas no s´eculo XIX: o ciclo da internacionaliza¸c˜ao. Em Nunes, Maria de F´atima e Cunha, Norberto; Editores. Imagens da Ciˆencia em Portugal. S´ec. XVIII-XX . Casal de Cambra: Caleidosc´opio. 2005, p. 84.

165

Universidade de Coimbra. Faculdade de Matem´atica: Actas da Congrega¸c˜ao da Faculdade de Mathematica, vol. 3 . 1858-1866, Acta de 12 de Janeiro de 1858.

166

D. Pedro V; Academia das Ciˆencias de Lisboa; Editor. : Escritos de El-Rei D. Pedro V . Volume 1, Coimbra: Imprensa da Universidade. 1923, p. 149.

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E quando se pensa que nos paizes em que o horisonte est´a quasi constantemente coberto os sabios se occupam com observa¸c˜oes procurando colher dellas os possiveis resultados, e que pelo contrario nas bellas noutes estrelladas do nosso clima aben¸coado os nossos observado- res em papel dormem socegadamente nas suas camas, ´e preciso confessar que somos muito mandri˜oes e que desprezamos muito a sciencia.168

As cita¸c˜oes anteriores demonstram a considera¸c˜ao que o futuro rei tinha pelos conhecimentos astron´omicos do seu tutor de matem´atica, o empenho de Folque em que o futuro rei conhe¸ca os observat´orios estrangeiros e por ´ultimo e a preferˆencia de D. Pedro pela constru¸c˜ao de um novo observat´orio em Lisboa, em vez de em Coimbra. Segundo o que Folque escreveu no seu di´ario, D. Pedro

gostou muito de ver o Observatorio [de Bruxelas] e mostrou-se muito empenhado em tratarmos do nosso Observatorio de Lisboa.169

O di´ario de D. Pedro referente `a segunda viagem est´a inacabado pelo que n˜ao sabemos se D. Pedro visitou mais algum observat´orio. Sabe-se, contudo, que na passagem por Roma, em 1855, Filippe Folque teve a oportunidade de visitar o observat´orio do Collegio Romano.170 No total das duas viagens, Filippe Folque aproveitou, pelo menos, para visitar os observat´orios de Greenwich, Bruxelas e Collegio Romano e a f´abrica de Troughton & Simms, em Lon- dres. Teve, assim, oportunidade de contactar com alguns dos mais importantes astr´onomos contemporˆaneos, George Airy, e Angelo Secchi,171bem como de ficar a par dos ´ultimos desen- volvimentos astron´omicos. Em Greenwich numa visita efectuada com “pressa e precipita¸c˜ao”, impressionaram-no as vantagens de duas novas e importantes t´ecnicas: a marca¸c˜ao el´ectrica das passagens meridianas,

Este m´etodo de marcar as epochas precisas das observa¸c˜oes he tal e t˜ao exacto, que observa- dores, que diffiriam entre si de 0,5 do segundo e mais se acham hoje exactamente concordes; isto nos foi dito por um dos astronomos que nos acompanhava.172

e o novo m´etodo da determina¸c˜ao de diferen¸cas de longitude por m´etodos telegr´aficos

[...] ao lado desta Pendulla havia um pequeno mostrador, que recebe a hora do Observatorio de Paris, e por elle o transmittem de Greenwich para Paris tudo isto se for pelo apparelho ellectromagnetico; julgo que he por estes que alem de determinarem as Longitudes Geograficas com uma exactid˜ao espantosa, se dedus tambem a velocidade do fluido ellectrico173

De facto, como iremos ver, logo que se iniciou a rede telegr´afica em Portugal, Folque tentou utilizar este m´etodo para determinar a diferen¸ca de longitudes entre os dois observat´orios nacionais e entre o de Lisboa e o de Madrid.