• Nenhum resultado encontrado

A Carta de lei de 23 de Abril de 1850

2.2 Novos instrumentos para o Observat´orio de Coimbra

2.2.1 A Carta de lei de 23 de Abril de 1850

A 12 de Mar¸co de 1850, a proposta de lei no 5 F obt´em um parecer positivo da comiss˜ao

parlamentar de instru¸c˜ao p´ublica,59, visto que a compra dos instrumentos “tem por fim o con- veniente desempenho de um servi¸co publico de tanta importancia”. Tendo sido apresentada no parlamento no dia 8 de Abril60

• Art. 1.o ´

E o Governo auctorizado:

1. para dispender a quantia necessaria para a compra de alguns instrumentos, que s˜ao indispensaveis ao servi¸co do Observatorio Astronomico da Universidade de Coimbra; a saber:

um instrumento de passagens de grande for¸ca e dimens˜oes; um circulo mural;

um telescopio, de for¸ca;

um oculo munido do competente micrometro.

2. A dispender at´e ´a quantia de seiscentos mil r´eis para a compra de uma collec¸c˜ao dos melhores modelos, em gesso, das estatuas e bustos dos antigos, para o servi¸co da Academia das Bellas Artes de Lisboa.

• Art. 2.o

O Governo pelo Ministerio do Reino, dar´a conta ´as Cˆortes do uso que fizer desta auctorisa¸c˜ao.

No per´ıodo de discuss˜ao Rodrigues da Costa61 propˆos o adiamento do projecto de lei por ainda n˜ao ter sido votada a lei dos meios. Jeronymo Jos´e de Mello, membro do Conselho

57

“O Conselho Superior de Instru¸c˜ao Publica, de , foi estabelecido em Coimbra, e compunha-se de um presi- dente (o Reitor da Universidade de Coimbra), de oito vogais ordin´arios (lentes, professores jubilados ou pessoas escolhidas ‘de entre os s´abios mais not´aveis por sua ilustra¸c˜ao e moralidade’) e de vogais extraordin´arios (pro- fessores universit´arios substitutos e opositores `as Cadeiras) sem numero fixo, e dividia-se em dois Conselhos: um Conselho Geral, constitu´ıdo por todas as pessoas citadas, e um Conselho Ordin´ario em que todos figura- vam, excepto os vogais extraordin´arios, e que por sua vez se subdividia em trˆes sec¸c˜oes respeitantes aos trˆes n´ıveis do ensino: prim´ario, secund´ario e superior.”Gomes, Joaquim Ferreira: Relat´orios do Conselho Superior de Instru¸c˜ao P´ublica. Instituto Portuguˆes de Investiga¸c˜ao Cient´ıfica. 1985.

58

Ibidem, p. 95.

59

A comiss˜ao era constitu´ıda por: Jeronymo Jos´e de Mello (1792–1867) professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra; Louren¸co Jos´e Moniz (1789–1857); Jo˜ao de Sande Magalh˜aes Mexia Salema (1812–1873); Luiz Augusto Rebello da Silva (1822–1871); Francisco Assis de Carvalho (1798–1851); D. Jos´e de Lacerda (1802–1877) e D. Vit´orio Maria Francisco de Sousa Coutinho Teixeira de Andrade Barbosa (1790– 1857), 2o

conde de Linhares.

60

Portugal. Cˆamara dos Deputados: Sess˜ao de 8 de Abril de 1850. Di´ario da Cˆamara dos Deputados, [1850], p. 82.

61

Superior de Instru¸c˜ao P´ublica62 e da comiss˜ao de instru¸c˜ao p´ublica reage a esta proposta

argumentando que

n˜ao posso approvar o Adiamento, porque necessariamente tem de se fazer esta compra: e n˜ao julguem os nobres Deputados que esta compra importa em muitos contos; n˜ao poderei dizer ao certo em quanto importam estes instrumentos, porque o pre¸co diversifica segundo os Paizes aonde se compram [...] depende isto tambem das occasi˜oes, Por isso n˜ao direi ao certo em quanto importam estes instrumentos, mas seguramente n˜ao poder˜ao custar mais de 6 contos de r´eis. Por consequencia em visto das raz˜oes que deixo mencionadas n˜ao posso deixar de auctorisar o Governo a fazer esta compra, porque necessariamente ou o ensino ha de parar, ou se h˜ao de comprar estes instrumentos.63

A proposta de adiamento foi rejeitada por 55 votos contra e 1 a favor. Iniciando-se ent˜ao a discuss˜ao da proposta de lei, Pedro da Costa Macedo64 argumentou contra a sua aprova¸c˜ao visto que

[...] n˜ao me parece da dignidade desta Camara estar a dar constantemente auctorisa¸c˜oes ao Governo para o Governo as n˜ao cumprir. [...] Al´em disso o estado das nossas finan¸cas ´e tal, que temos visto o pouco que o Governo tem pago, quando todas as classes dos servidores do Estado est˜ao na miseria que todos sabem [...] ha outras necessidades mais urgentes a que o Governo deve attender.

Jo˜ao de Mexia Salema, membro da comiss˜ao, interveio dizendo que ´e

muito necessaria a compra destes instrumentos, indispensaveis ao servi¸co do Observatorio Astronomico da Universidade, tanto para o ensino publico, como para a composi¸c˜ao das ephemerides, que at´e agora teem sido as mais creditadas da Europa, e, como taes, muito procuradas pelos navegantes. Nenhum receio se deve ter que haja inutilidade ou excesso nesta despeza, certamente productiva, porque ´e Director [interino] do mesmo Observatorio um dos lentes mais conspicuos e sabios da Universidade e est´a ´a testa deste um dos mais Estabelecimentos Academicos um Prelado [Jos´e Machado de Abreu], membro respeitavel desta Camara, que ´e ass´as zeloso pelo servi¸co publico, e at´e minuciosissimo em fiscalizar os interesses da Fazenda Nacional.65

Costa Macedo insistiu

que n´os n˜ao temos base para poder votar este Projecto: n´os n˜ao sabemos a quanto podem montar as despezas para comprar estes instrumentos necessarios para o servi¸co do Observatorio da Universidade de Coimbra.

Colocada a vota¸c˜ao, a lei foi aprovada. O Artigo 1o, no 1 por 49 votos a favor e 1 contra. O Artigo 1o, no 2 por 51 votos a favor e 2 contra. E o artigo 2opor unanimidade.66 A respectiva carta de lei, datada de 23 de Abril de 1850, foi publicada no Di´ario do Governo n◦ 91 de

1850.

Como se depreende destes excertos da transcri¸c˜ao do debate na Cˆamara dos Deputa- dos mais uma vez uma decis˜ao importante para o desenvolvimento da astronomia portu- guesa ´e discutida pelos poderes pol´ıticos sem ser apresentada uma adequada fundamenta¸c˜ao

62

N˜ao foi poss´ıvel encontrar documenta¸c˜ao que colocasse Jeronymo Jos´e de Mello no Conselho Superior de Instru¸c˜ao Publica aquando da elabora¸c˜ao deste relat´orio. Sabe-se, no entanto, que pertenceu a este organismo no ano imediatamente anterior e no posterior visto que ´e um dos signat´arios do relat´orios anuais. Gomes, Joaquim Ferreira: Relat´orios do Conselho Superior de Instru¸c˜ao P´ublica. Instituto Portuguˆes de Investiga¸c˜ao Cient´ıfica. 1985.

63

Portugal. Cˆamara dos Deputados: Sess˜ao de 8 de Abril de 1850. Di´ario da Cˆamara dos Deputados, [1850], p. 83.

64

D. Pedro da Costa de Sousa Macedo (1821–1901), 1o

conde de Vila Franca do Campo e irm˜ao de D. Ant´onio da Costa de Sousa Macedo o primeiro ministro da instru¸c˜ao p´ublica em Portugal.

65

Ibidem, p. 87.

66

t´ecnica. A conclus˜ao an´aloga chegou Eug´enia Mata ao analisar a aprova¸c˜ao parlamentar dos or¸camentos nacionais, apesar dessa ser uma decis˜ao de maior responsabilidade do que a simples compra de alguns instrumentos para um modesto observat´orio astron´omico.67 Neste caso particular a ambiguidade da lei, ao n˜ao especificar os instrumentos a adquirir, a sua qualidade ou o valor da verba a despender, vai ter importantes consequˆencias n˜ao previstas pelos seus proponentes, como iremos ver.