• Nenhum resultado encontrado

2.7 O eclipse solar de 15 Mar¸co de 1858

2.7.4 Conclus˜ao

A observa¸c˜ao do eclipse de 15 de Mar¸co de 1858 recorreu a uma variedade de t´ecnicas as- trof´ısicas - fotometria, espectroscopia, polarimetria e fotografia. Por exemplo, em Cherbourg, Fran¸ca entre o equipamento que Liais tinha dispon´ıvel contavam-se:245

• uma luneta com montagem paral´actica para a fotografia em col´odio h´umido;

• uma luneta polarisc´opica para o estudo da polariza¸c˜ao da corona e das “chamas ver- melhas”;

• um polarisc´opio de Savart;

• um polarisc´opio de imagem dupla de Arago;

• um aparelho para a observa¸c˜ao dos raios do espectro solar; • dois prismas de Nicol;

• um fot´ometro.

Comparativamente, os observat´orios portugueses estavam classicamente equipados e, con- sequentemente, apenas podiam executar observa¸c˜oes tradicionais. Existia, no entanto, o conhecimento de que os

eclipses do sol s˜ao curiosos para o vulgo, s˜ao para o astronomo phenomenos preciosos, para a correc¸c˜ao das taboas, e para a verifica¸c˜ao das datas na chronologia; enquanto que o philosopho estuda nelles a constitui¸c˜ao physica do Sol.246

Do ponto de vista da hist´oria da ciˆencia, o interesse particular do eclipse solar anular de 15 de Mar¸co de 1858 resulta do facto de este se encontrar na zona de transi¸c˜ao da astronomia para a astrof´ısica apesar de, na altura, n˜ao existir ainda um suporte te´orico para a compreens˜ao das riscas espectrais observadas e da inconsistˆencia dos resultados fotom´etricos. Neste sentido, este eclipse n˜ao s´o antecipou algumas das t´ecnicas utilizadas na observa¸c˜ao dos fen´omenos solares no eclipse de 18 de Julho de 1860 e seguintes, como providenciou uma oportunidade para as treinar.

L’´eclipse prochaine [15 de Mar¸co] donnera la mesure de ce qu’ils peuvent pour cette science. Si mˆeme il se recontrait cette fois, dans l’ex´ecution, quelque difficult´e impr´evue, on serait averti du moins et l’on se pr´eparerait mieux pour d’autres occasions plus importantes encore, telles que le belle ´eclipse totale que nos irons observer dans deux ans en Espagne, `a Alger, sur les bords de la mer Rouge et sur ceux de l’oc´ean Pacifique.247

244

Liais, Emmanuel: Observations faites `a Cherbourg sur l’´eclipse du 15 mars 1858. Comptes Rendus de l’Acad´emie des Sciences de Paris, 46 1858.

245

Ibidem

246

Moraes, Luiz Albano d’Andrade: Eclipses do Sol. O Instituto, Jornal Scientifico e Litterario, 1 1858.

247

Faye, Herv´e: Indications soumises aux photographes, relativement `a l’´eclipse du 15 mars. Comptes Rendus de l’Acad´emie des Sciences de Paris, 46 1858a, p. 482.

clay.”

Arthur Conan Doyle

3

Compasso de espera: 1860–69

3.1

A f´ısica solar no in´ıcio de 1860

Uma combina¸c˜ao fortuita de factores levou a um crescente interesse da comunidade cient´ıfica internacional1 pelo estudo do Sol ao longo do s´eculo XIX. Estimulados pelo eclipse anular de 15 de Maio de 1836, v´arios astr´onomos europeus aproveitaram a favor´avel faixa de totalidade do eclipse total de 8 de Julho 1842, que cruzava parte do continente europeu para observarem o fen´omeno. Os resultados obtidos por reputados astr´onomos, profissionais ou amadores, foram compilados por Arago.2 A redescoberta de estruturas `a ´epoca apenas vis´ıveis durante a totalidade - protuberˆancias e corona - aumentaram a visibilidade das mesmas nos meios cient´ıficos, estimulando a discuss˜ao sobre a sua origem e constitui¸c˜ao. Eclipses favor´aveis passaram, consequentemente, a ser aguardados com expectativa. Por sua vez Schwabe,3 num artigo datado do ´ultimo dia do ano de 1843, e publicado em 1844, na revista Astronomische

Nachrichten, descobre a periodicidade do ciclo solar.4 A divulga¸c˜ao desta descoberta, por

Humbold,5 no terceiro volume do popular Cosmos, aumenta a visibilidade do fen´omeno.6 No

in´ıcio dos anos 50, Sabine,7 Wolf8 e Gautier9 descobrem uma correla¸c˜ao entre a actividade solar e o magnetismo terrestre.10

As novas t´ecnicas da fotografia e da fotometria s˜ao, tamb´em, aplicadas ao estudo do Sol. Um dos primeiros sucessos da t´ecnica fotogr´afica foi, precisamente, a obten¸c˜ao, ainda nos anos 40, de registos fotogr´aficos da superf´ıcie solar. Aproveitando a maior sensibilidade dos novos daguerre´otipos, Fizeau e Foucault11 obtiveram a mais antiga fotografia da superf´ıcie solar actualmente conhecida. Essa fotografia, datada de 2 de Abril de 1845, e obtida com um tempo de exposi¸c˜ao de 601 s, sobrevive no Conservatoire National des Arts e M´etiers e nos exemplares do 2o volume da Astronomie Populaire de Arago, nos quais se encontra reproduzida (figura 3.1).12 A imagem fotogr´afica registou dois grupos de manchas solares

1

Por comunidade cient´ıfica entendemos, neste contexto, todos aqueles que se envolveram no estudo destes problemas, isto ´e, quer os que possu´ıam empregos institucionais quer os muitos amadores que contribu´ıram significativamente para o avan¸co deste ramo cient´ıfico.

2

Arago, Fran¸cois: Sur l’´eclipse totale du Soleil du 8 juillet 1842. Annuaire du Bureau des Longitudes pour l’an 1846 .

3

Samuel Heinrich Schwabe (1789–1875).

4

Schwabe, M.: Sonnenbeobachtungen im Jahre 1843. Von Herrn Hofrath Schwabe in Dessau. Astronomische Nachrichten, 21 1844, Nr. 495.

5

Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander von Humboldt (1769–1859).

6

Meadows, A. J.: Early Solar Physics. Oxford: Pergamon Press. 1970.

7

Edward Sabine (1788–1883).

8

Johann Rudolf Wolf (1816–1893).

9

Jean Alfred Gautier (1793–1881).

10

Ibidem

11

Armand Hippolyte Louis Fizeau (1819–1896) e Jean Bernard L´eon Foucault (1819–1868).

12

Arago, Fran¸cois: Astronomie Populaire. Volume 2, L. Gu´erin. 1867.

Figura 3.1: Daguerre´otipo do Sol obtido por Fizeau e Foucault em 2 de Abril de 1845 e reproduzido no livro Astronomie Populaire (Arago, 1867)

e o escurecimento do limbo, descoberto visualmente por Bouger.13 Medi¸c˜oes fotom´etricas tinham sido efectuadas na primeira metade do s´eculo XIX por, entre outros, Pouillet,14 J.

Herschel, Fizeau e Foucault mas “L’´etat encore si imparfait de la photom´etrie” desvalorizava o seu valor cient´ıfico.15

The records of the 1858 eclipse suggest the ambivalence of these astronomical observers towards quantitative intensity data. There was no consensus about what methods were relevant, nor on what degree of quantification was useful.16

Nos comprimentos de onda do infravermelho, resultados importantes foram obtidos utili- zando o termopar inventado por Seebeck.17 Em 1845, os professores Henry e Alexander18da Universidade de Princeton conclu´ıram que a temperatura de uma mancha solar era inferior `a fotoesfera circundante da mesma.19 Em 1852, Angelo Secchi confirma este resultado e conclui

que o “calor”, isto ´e, o que hoje chamar´ıamos o fluxo da radia¸c˜ao infravermelha, ´e maior no centro que no bordo do Sol e que a temperatura do equador solar ´e superior `a dos p´olos.20

13

Hearnshaw, J. B.: The Measurement of Starlight, Two Centuries of Astronomical Photometry. Cambridge University Press. 1996.

14

Claude-Servais Pouillet (1790–1868).

15

Humboldt, Friedrich Wilhelm Heinrich Alexander Freiherr von: Cosmos. Volume 3, Paris: Gide et J. Baudry. 1856.

16

Johnston, Sean F.: A History of light and colour measurement. Bristol and Philadelphia: Institute of Physics Publishing. 2001, p. 25.

17

Thomas Seebeck (1770–1831).

18

Stephen Alexander (1806–1883) e Joseph Willard Henry (1797–1878).

19

Henry, Joseph Willard e Alexander, Stephen: Experiments on the Spots on the Sun. The London, Edinburgh, and Dublin Philosophical Magazine and Journal of Science, 28 1846.

20

Secchi, Angelo: Schreiben des Herrn Directors Secchi an die Redactions. Astronomische Nachrichten, 34 1852.