As novas aquisi¸c˜oes implicaram, inicialmente, a
inspec¸c˜ao de cada instrumento em particular examinando quaes os principios fundamentaes da sua construc¸c˜ao; a que condi¸c˜oes deve satisfazer para que as observa¸c˜oes mere¸cam credito; de que erros poder´a ainda estar affectado, depois de rectificado; finalmente quaes as influencias destes erros sobre as observa¸c˜oes.194
Visto que as coordenadas geogr´aficas dos observat´orios portugueses j´a tinham sido deter- minadas h´a muitos anos, por exemplo, as do Observat´orio de Coimbra tinham sido obtidas por Monteiro da Rocha195 e publicadas em 1802 nas Ephemerides do Observatorio para o
ano de 1804,196 e que os
trabalhos d’un observatorio astronomico, dependendo mais ou menos directamente, do per- feito conhecimento da sua posi¸c˜ao geographica, ´e portanto da maior importancia o determinar a sua Latitude e Longitude empregando os methodos mais rigorozos que a sciencia actual- mente recommenda197
ambos os observat´orio decidiram redeterminar estes parˆametros com urgˆencia. Em Coimbra,
n˜ao pode retardar-se por mais tempo a publica¸c˜ao do que se ha feito para obter os dois elementos indispensaveis ao trabalho do Observatorio198
e em Lisboa a latitude do observat´orio foi determinada ainda com o antigo teodolito de Gambey, entre Janeiro de 1859 e Junho de 1860.
194
Folque, Fillipe: Relat´orio. Di´ario de Lisboa, 1866, Nr. 195.
195
Jos´e Monteiro da Rocha (1734–1819).
196
Universidade de Coimbra. Observat´orio Astron´omico: Ephemerides Astronomicas calculadas para o Meridiano do Observatorio da Universidade de Coimbra para o ano de 1804 . Imprensa da Universidade de Coimbra. 1803, p. 240.
197
Folque, Fillipe: Relat´orio. Di´ario de Lisboa, 1866, Nr. 195.
198
Pinto, Rodrigo Ribeiro de Sousa: Posi¸c˜ao Geographica do Observatorio Astronomico da Universidade de Coimbra. Imprensa da Universidade de Coimbra. 1867d.
2.6.1 Latitude
Segundo Folque,
Dos methodos hoje empregados para determinar a Latitude d’um ponto do globo, ´e inques- tion´avel o mais exacto e expedito o da observa¸c˜ao da passagem d’uma Estrella pelo 1o
Vertical nas proximidades do zenithe; este methodo porem n˜ao podia adoptar-se, porque depende es- sencialmente d’um Instrumento de Passagens pelo 1o
Vertical, que o Observatorio n˜ao possue. Um outro methodo que se podia seguir como emmediato na perfei¸c˜ao, era observar com um Circulo Meridiano a Polar na sua passagem superior e inferior pelo meridiano, mas o Observa- torio ainda nesta ´epoca n˜ao tinha este instrumento. Na falta destes meios de observa¸c˜oes s´o restava proceder a um longo curso de observa¸c˜oes da Polar em posi¸c˜oes n˜ao muito afastadas do meridiano empregando o Theodolito de Gambey.199
Em Coimbra, optou-se pelo m´etodo de observa¸c˜ao de estrelas circumpolares utilizando o novo c´ırculo meridiano, m´etodo que Monteiro da Rocha tinha usado em 1798 quando observou a altura meridiana da estrela polar nas suas passagens superior e inferior com o quadrante de Thoughton, posteriormente danificado nas invas˜oes francesas. As observa¸c˜oes iniciaram-se durante o ano de 1856.200
M´etodo das passagens meridianas
Numa localiza¸c˜ao geogr´afica de latitude, ϕ, uma estrela circumpolar de declina¸c˜ao, δ⋆ tem
duas passagens, a superior e a inferior, pelo meridiano do lugar no seu movimento aparente di´ario (ver figura 2.4). Numa primeira fase desta nova determina¸c˜ao que se prolongou at´e De-
ZÉNITE EQUADOR CELESTE HORIZONTE PÓLO NORTE CELESTE ! ! "! dz sup Passagem Superior Passagem Inferior ! dz inf
Figura 2.4: Intersec¸c˜ao da semi-esfera celeste localizada acima do horizonte com o plano meridiano
zembro de 1859, foram medidas as distˆancias zenitais para as passagens superiores e inferiores das estrelas Polar, δ e β da constela¸c˜ao da Ursa Menor.
A latitude do lugar, ϕsup, pode obter-se a partir da medi¸c˜ao da distˆancia zenital da
estrela no instante da passagem superior, dzsup, conhecendo a declina¸c˜ao da estrela, δ⋆, pela
199
Folque, Fillipe: Relat´orio. Di´ario de Lisboa, 1866, Nr. 195.
200
Pinto, Rodrigo Ribeiro de Sousa: Posi¸c˜ao Geographica do Observatorio Astronomico da Universidade de Coimbra. Imprensa da Universidade de Coimbra. 1867d.
express˜ao
ϕsup= δ⋆− dzsup (2.1)
Ou atrav´es da equa¸c˜ao
ϕinf = 180 − δ⋆− dzinf (2.2)
que relaciona a latitude do lugar, ϕinf, com a distˆancia zenital da estrela na sua passagem
inferior, dzinf.
Sendo determinado para um conjunto de n estrelas, a latitude do lugar, ϕ⋆i, e o seu erro
associado, ∆ϕ⋆i a que corresponde um peso, p⋆i
ϕ, o resultado final ´e, habitualmente, dado
pela m´edia pesada
ϕ= n ! i=1 p⋆i ϕϕ ⋆i n ! i=1 p⋆i ϕ
e a incerteza pelo erro padr˜ao,
sϕ= σϕ √n = " # # # # # # # $ n ! i=1 p⋆i ϕ (ϕ ⋆i− ϕ)2 (n − 1) n ! i=1 p⋆i ϕ
Note-se que nos resultados apresentados por Sousa Pinto o erro associado `a grandeza n˜ao corresponde a
ϕ ±sϕ
mas sim a
ϕ ±0, 6745sϕ
Em que o intervalo [ϕ − 0, 6745sϕ; ϕ + 0, 6745sϕ] corresponde a ter uma probabilidade de 50%
numa distribui¸c˜ao gaussiana. Ao erro 0, 6745sϕ chamava-se, naturalmente, erro m´edio. Uma
descri¸c˜ao pormenorizada dos c´alculos efectuados por Sousa Pinto encontra-se no anexo A. Latitude do Observat´orio Astron´omico de Coimbra
O primeiro resultado deste programa observacional foi publicado em 1857, nas Ephemerides
do observat´orio para o ano de 1858, e analisa 66 determina¸c˜oes da latitude efectuadas entre
o fim de Maio de 1856 e Junho de 1857.201 O novo valor ϕ= 40◦ 12′ 26, 2′′±0, 8′′
diferia 3,4s do anteriormente determinado por Monteiro da Rocha. Utilizando 196 observa¸c˜oes efectuadas entre Maio de 1856 e o fim de 1859 encontrou-se, em 1860, como valor para a latitude do observat´orio
ϕ= 40◦ 12′ 25, 82′′±0, 13′′
201
Universidade de Coimbra. Observat´orio Astron´omico: Ephemerides Astronomicas calculadas para o Meridiano do Observatorio da Universidade de Coimbra para o anno de 1858 . Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra. 1857, p. 136.
Nesta determina¸c˜ao foram desprezadas, sem justifica¸c˜ao, 27 observa¸c˜oes.202 Note-se que
utilizando as 66 observa¸c˜oes com data inferior ou igual a 12 de Junho de 1857, publicadas em 1867,203n˜ao conseguimos reproduzir o resultado publicado em 1857. O facto do peso total das observa¸c˜oes, 89, referido em 1857 ser diferente do que obtemos, 74,67 poder´a significar que a amostra utilizada nas duas determina¸c˜oes foi, de facto, diferente. Sobre estas determina¸c˜oes daremos conta no pr´oximo cap´ıtulo. Na tabela 2.15, resumem-se as v´arias determina¸c˜oes da latitude.
Data ϕ Erro m´edio (′′) ϕ − ϕ
1798 (′′) Notas
1798 29,6′′ 0 Ephemerides 1804, p. 240
1857 40o 12′ 26,2′′ 0,8 -3,4 Ephemerides 1858, p. 136
1860 25,82 ′′ 0,13 -3,8 Vol. 9 de O Instituto
Tabela 2.15: Latitude, ϕ, determinada para o observat´orio do p´atio das escolas da Universidade de Coimbra em diferentes datas. Apresenta-se tamb´em a diferen¸ca entre os diferentes valores e o obtido por Monteiro da Rocha, em 1798, ϕ1798
Latitude do Observat´orio da Marinha de Lisboa A partir das medi¸c˜oes efectuadas em 1859 e parte de 1860 e
Terminadas e descutidas as observa¸c˜oes, e concluidos os muitos e enfadonhos calculos nume- ricos provenientes de formulas um pouco complicadas obtiveram-se 739 distancias zenithaes meridianas da Polar, cujos valores medios dos diferentes grupos produziram 206 valores para a Latitude do Observatorio, em que o maximo excedia o minimo em 0,4′′ o que tudo mostra
a tabella dos resultados obtidos que pela sua extens˜ao ´e impropria de se transcrever em um relatorio
no qual, Folque apresentou o resultado de
ϕ= 38◦ 42′ 17, 639′′±0, 082′′
para a latitude do observat´orio da Marinha de Lisboa.204
2.6.2 Longitude
Em Janeiro de 1857 iniciou-se, em Coimbra, um programa observacional com o objectivo de corrigir a longitude do Observat´orio Astron´omico. As observa¸c˜oes prolongaram-se de forma intermitente at´e 1867.205 No Observat´orio da Marinha em Lisboa, observaram-se, com o
mesmo objectivo, as culmina¸c˜oes da Lua e das estrelas entre 1858 e 1865. A discuss˜ao dos resultados obtidos ser´a efectuada no pr´oximo cap´ıtulo (3.5.2, p´agina 123).
Entretanto, em 1858, surgiu a oportunidade de verificar as determina¸c˜oes em curso devido `a ocorrˆencia do eclipse solar de 15 de Mar¸co. A observa¸c˜ao dos instantes de contacto de um eclipse permitia, utilizando as efem´erides astron´omicas, determinar a diferen¸ca de longitudes
202
Pinto, Rodrigo Ribeiro de Sousa: Observatorio de Coimbra. O Instituto, Jornal Scientifico e Litterario, 9 1860g.
203
Pinto, Rodrigo Ribeiro de Sousa: Posi¸c˜ao Geographica do Observatorio Astronomico da Universidade de Coimbra. Imprensa da Universidade de Coimbra. 1867d.
204
Folque, Fillipe: Relat´orio. Di´ario de Lisboa, 1866, Nr. 195.
205
Pinto, Rodrigo Ribeiro de Sousa: Observa¸c˜oes feitas em 1857 no observatorio de Coimbra para a determina¸c˜ao da sua longitude. O Instituto, Jornal Scientifico e Litterario, 6 1857b, p. 215.
entre o local de observa¸c˜ao e o de referˆencia. Inversamente, conhecendo as coordenadas geogr´aficas do observador, a diferen¸ca entre os tempos previstos e observados permitia testar os parˆametros utilizados nos c´alculos das efem´erides, isto ´e, averiguar a correc¸c˜ao das tabelas dos movimentos do Sol e da Lua.