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3 POESIA E HIPOCRISIA

6 DISTORÇÕES E CONTRASTES ENTRE IGUALDADE E DIFERENÇA

6.1 PARADIGMAS, PADRÕES, MODELOS, DOGMAS E AFINS

6.1.2 Aspectos da aceitação e tolerância e sua crítica

Pensar em aceitação e tolerância nos faz voltar a um discurso religioso forte em que não há possibilidade de discussão de dogmas. O próprio sentido do que seja efetivamente

372 Há ainda a “teoria dos modelos mentais”, idealizada pelo psicólogo Philip Johnson-Laird. Esta teoria

significa a representação esquemática de um objeto ou situação. Para ela, muitas das situações sociais cotidianas que estamos inseridos, se apoiam mais na mobilização de modelos mentais implícitos do que em um raciocínio lógico. Cf. CAVAZZA, Marc. TARDIEU, Hubert. EHRLICH, Marie-France. JOHNSON-LAIRD, Philip. Nicholas. Les modèles mentaux: approche cognitive des représentations. Paris: Masson. 1993. Cf. JOHNSON-LAIRD, Philip Nicholas. Ordinateur et l'esprit (L'). Tradução Jacqueline Henry. Odile Jacob, 1994.

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DORTIER, Jean-François. Dicionário de ciências humanas. Rev. e coord. da Tradução Márcia Valeria Martinez de Aguiar. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2010. p. 417.

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aceitação e tolerância é interessante para entendermos que há seres humanos que são tolerados, mas não serão aceitos ou são aceitos porque são tolerados por algum motivo ou interesse de quem faz esse juízo sobre o outro. As questões em torno do ódio extremo sobre o outro, faz parte do aspecto da total intolerância e não aceitação. Questionamos aqui o emprego destas expressões. NORBERTO BOBBIO distingue tolerância em sentido positivo e negativo:

Em sentido positivo, tolerância se opõe a intolerância em sentido negativo; e, vice-versa, ao sentido negativo de tolerância se contrapõe o sentido positivo da intolerância. Intolerância em sentido positivo é sinônimo de severidade, rigor, firmeza, qualidades todas que se incluem no âmbito das virtudes; tolerância em sentido negativo, ao contrário, é sinônimo de indulgência culposa de condescendência com o mal, com o erro, por falta de princípios, por amor da vida tranquila ou por cegueira diante dos valores. […] Tolerância em sentido positivo se opõe a

intolerância (religiosa, política, racial), ou seja, à indevida exclusão do diferente. Tolerância em sentido negativo se opõe a firmeza nos princípios, ou seja, à justa ou devida exclusão de tudo o que pode

causar dano ao indivíduo ou à sociedade.374 (Grifo nosso).

ZYGMUNT BAUMAN sobre o fato de a gentileza ensejar a tolerância sobre o outro:

Ser gentil e a tolerância que isso representa como símbolo de comportamento e linguagem podem muito bem significar a mera indiferença e a despreocupação que resultam da resignação (isto é, da sina, não do destino); o Outro não irá embora e não vai ser como eu, mas eu não tenho meios (pelo menos no momento ou no futuro previsível) de forçá-lo a ir-se ou mudar. Como estamos condenados a dividir o espaço e o tempo, vamos tornar a nossa coexistência suportável e um pouco menos perigosa. Sendo gentil, eu atraio gentileza. Espero que a minha oferta de reciprocidade seja aceita; tal esperança é minha única arma. Ser gentil é apenas uma maneira de manter o perigo à distância; como a antiga ânsia de proselitismo é resultado do medo.375

Tolerar também pressupõe que haja um referencial como padrão, pois como vimos em tópico anterior a imposição de paradigmas e comparações forçadas sem nem sabermos quem e porque são desta ou daquela forma implica também em uma distorção acerca do conceito de igualdade e diferença.

374 BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus,

1992. p. 210-211.

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“Aceitar” seria o melhor termo diante do contexto da temática dos diferentes e das diferenças? Cremos que aceitar implica em reconhecer que o outro tem menos valor, mas pode ser tolerado e sobre este viés repudiamos o conceito. É o mesmo que dizer: “não gosto, mas tolero e aceito”. O emprego das terminologias: aceitação e tolerância não ajuda ajudam no correto estudo sobre o que seja “o igual” ou “o diferente”. Aceitação e tolerância são conceitos com acepção subjetiva e só prejudica a análise sobre a própria diversidade. Não cabe aceitar ou tolerar, cabe entender e reconhecer a existência da diversidade enquanto diferença, sem preconceitos.

A Figura abaixo, de CARLOS PONTES376, ilustra a importância neste enfoque para o entrelaçamento dos temas aqui propostos diante da hipocrisia e principalmente na visão poética da igualdade, pois tolerar, não poderia ser considerado uma forma anômala de reconhecimento que por si só afasta a aceitação (para os que empregam esta última terminologia).

Figura 9 – Representação esquemática da tolerância

Fonte: Pontes, Carlos Pontes (2014).

Ainda na visão de CARLOS PONTES, haveria quatro perspectivas fundamentais sobre a acepção da tolerância: “1. A Tolerância como Prudência. 2. A Tolerância como

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PONTES, Carlos. Tolerância: em torno de um conceito. Disponível em: <http://afilosofia.no.sapo.pt/tolerancia.htm>. Acesso em: 7 mar. 2014.

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Indiferentismo. 3. A Tolerância como Culto das Diferenças. 4. A Tolerância como uma exigência dos Direitos Humanos.”377

Diante do quadro acima quais então deveriam ser os limites do tolerável se assim for possível considerar a tolerância como válida e necessária? Até onde devemos aceitar o outro nas suas diferenças? Não há limites para o tolerável, pois este é um conceito subjetivo e variável. Aceitar o outro na sua diferença deve ser possível através do entendimento sobre o fato de o outro ser igual em valor e em dignidade, independente de suas peculiaridades. São reflexões ainda sem respostas estanques, mas que incomodam muitos estudiosos dos Direitos Humanos e precisam incomodar. Muita hipocrisia existe quando tratamos de aspectos sobre tolerância e aceitação se pensarmos no fato de que o uso dos conceitos sobre fraternidade e solidariedade está sempre presente nos discursos e debates sobre estes temas. Tolerar e aceitar o outro, não é exercício de fraternidade e solidariedade, pois aceitação e tolerância implicam em ver o outro como um dessemelhante.

Para a DUDH de 1948, no art. 1º, tolerar é conviver fraternalmente. Reflexões acerca deste artigo fazem com que pensemos na tolerância, enquanto um conceito, tal como se observa:

A prática da tolerância é a base sobre a qual as pessoas podem conviver em paz ‘fraternalmente’. Para fomentar este princípio, a Assembleia

377 Sobre o tema, Carlos Pontes explica cada uma das acepções acima elencadas: “1. A Tolerância como

Prudência. Pode tolerar-se por mero calculo, tendo em vista, por exemplo, evitar conflitos quando não se têm a certeza quanto ao desfecho final dos mesmos. Pode também tolerar-se posições contrárias quando não se tem a certeza sobre algo. 2. A Tolerância como Indiferentismo. Pode tolerar-se por uma questão de princípio relativista. Se aceitarmos que não existem verdades absolutas, então todas as posições se tornam legítimas e aceitáveis. Pode tolerar-se também devido há ausência de convicções e valores próprios. Neste caso aceita-se as ideias do Outro não por respeito, mas porque não se possui nada para opor ou defender. Nesta perspectiva, a tolerância terminar quase sempre no indiferentismo, onde a verdade e a mentira se equivalem. 3. A Tolerância como Culto das Diferenças. Podemos ser tolerantes por respeito pelas diferenças do Outro. Nas nossas sociedades, este tipo de tolerância manifesta-se frequentemente em relação a duas situações muito distintas: a) Aceitam-se e respeitam-se as diferenças daqueles que outrora foram discriminados, como os homossexuais; b) Aceitam-se e respeitam-se todas as culturas que antes foram discriminadas ou combatidas. Neste último caso, a sua negação é assumida como um empobrecimento da diversidade cultural da humanidade. Este princípio tem servido tanto para fundamentar o multiculturalismo como o racismo e a xenofobia. Na verdade a aceitação da identidade cultural do Outro não significa que o aceitamos como igual, nem sequer que aceitemos conviver no mesmo espaço."Iguais, mas separados" é, não nos podemos esquecer, um dos novos lemas do racismo. 4. A Tolerância como uma exigência dos Direitos Humanos. Desde a antiguidade clássica que a especulação sobre a natureza humana se traduziu na afirmação de que todo o ser humano possui um conjunto de direitos fundamentais ou naturais imutáveis: liberdade, dignidade, etc. Baseado neste pressuposto, John Locke, por exemplo, irá fundamentar a tolerância. Em rigor, todavia não faz sentido falarmos de tolerância entre seres iguais por natureza. Todas as convicções e ideias são legítimas porque produto de homens livres e com os mesmos direitos. Esta posição conduzida ao limite, termina no indiferentismo, ou seja, na negação de todo e qualquer valor.”

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Geral das Nações Unidas proclamou em 1995, como o ano das Nações Unidas para a Tolerância. A Assembleia assinalou que a ‘tolerância, isto é, o reconhecimento e apreciação dos outros, a capacidade de conviver com os outros e de escutá-los, é o fundamento sólido de toda sociedade civil e da paz.’378379 (Tradução livre).

É clara a importância sobre o tema, tendo em vista que o ano de 1995 foi declarado como “o ano da Tolerância”. É certo que não somente neste ano em específico, esta temática foi abordada pela ONU, a qual deixa claro que é necessário o debate sobre o tema para a convivência pacífica entre as pessoas em sociedade.