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3 POESIA E HIPOCRISIA

4.2 A IGUALDADE E SEU PRINCÍPIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO E CONSIDERAÇÕES NO DIREITO COMPARADO

4.2.2 Igualdade e proporcionalidade

Algumas considerações merecem ser feitas para não haver confusão entre o princípio da proporcionalidade e da igualdade, com a consequente forma de aplicação de cada um. As considerações acerca do conteúdo e a abrangência de sua legitimidade de um ou outro princípio, sempre dependeram do momento histórico e dos valores dominantes na sociedade.

O princípio da proporcionalidade acompanha a própria história da defesa dos Direitos Humanos, surgindo como forma de coibir a atuação do monarca em prol de um Estado de Direito. Seu surgimento deve-se à garantia e proteção à liberdade individual em oposição aos direitos que o próprio Estado deve proteger e respeitar.

A aplicação e a forma de utilização do princípio da proporcionalidade mais difundido e utilizado atualmente é o modelo alemão, a partir da jurisprudência do TRIBUNAL CONSTITUCIONAL FEDERAL ALEMÃO212.

ARISTÓTELES já definia o conceito de proporcionalidade, no ideal de justiça distributiva e que a própria proporcionalidade está embutida no conceito desta.213

Mesmo não sendo um princípio expresso na CF/88, a proporcionalidade214 deve ser observada para que tanto o legislador quanto o Judiciário, possam se valer de meios

212 Em alemão: Bundesverfassungsgericht, ou BVerfG é um tribunal especial estabelecido pela Grundgesetz,

a Lei Fundamental alemã.

213

Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. Coleção a obra prima de cada autor. São Paulo: Martin Claret. 2000.

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adequados e necessários em prol de alcançar um ideal de justiça e efetivar os direitos fundamentais. No Brasil este princípio vem se consolidando como forma de um controle judicial dos atos emanados do Poder Público, principalmente os provenientes do Poder Legislativo.

Há diferença entre igualdade e proporcionalidade, que nem sempre parece evidente. PETER LERCHE215 define que a igualdade supõe uma comparação de medidas; enquanto que a proporcionalidade se reduz a controlar uma só medida. A proporcionalidade, na sua dimensão negativa parte da proibição de arbitrariedade, mas que ao mesmo tempo examina uma medida concreta. No sentido da dimensão negativa há uma conexão e aproximação com a igualdade.216

A distinção entre elas está no plano de atuação, apesar de terem estreita relação em outros aspectos. Enquanto a igualdade atua separando e individualizando, a proporcionalidade funciona harmonizando e conciliando, para que seja possível aferir a validade de uma norma legal diante do princípio da igualdade, devendo nos valer da proporcionalidade217 ou da razoabilidade.218

214

No Brasil vários autores subclassificam o princípio da proporcionalidade. Três subclassificações são mais recorrentes: adequação ou utilidade (Dirley Cunha Junior); necessidade ou exigibilidade (Virgilio Afonso da Silva); proporcionalidade em sentido estrito (Virgilio Afonso da Silva e Dirley Cunha Junior); Cf. CUNHA JUNIOR, Dirley. Curso de direito constitucional. 6. ed. Salvador: Juspodivm, 2012. SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 798, p. 23-50, 2002.

215 É um jurista alemão. Entre 1964 e 1996 ocupou uma cadeira de Direito Constitucional na Universidade de

Munique. Seus interesses de pesquisa também incluiu lei de imprensa.

216

Cf. KRAUSS, Rupprecht Von. Der Grundsatz der Verhältnismässigkeit in seiner Bedeutung für die

Notwendigkeit des Mittels im Verwaltungsrecht. Hamburg: Appel in Komm, 1955. p. 72.

217 Importante destacar que ao lado da proporcionalidade, a doutrina constitucional italiana fala do Princípio

di Ragionevolezza, que em italiano significaria bom senso e em seu sentido mais amplo se relaciona com o

princípio da igualdade - onde deu início a sua configuração; com a proporcionalidade, a adequação, a não contradição, dentre outros. Sobre o tema, cf. LAVAGNA, Carlo. Ragionevolezza e legitimità costituzionale. In: ______. Studi in memoria de Carlo Esposito. Padova: CEDAM, 1973. v. 3. p. 1573- 1578. SANDULLI, Aldo M. Il princípio di ragionevolezza nella giurisprudenza costituzionale. Diritto e

Societá, Napoli, n.3/4, p. 561-577, 1975. PALADIN, L. Princípio di Ragionevolezza. In: ENCICLOPEDIA del diritto, I. Milano: Giuffrè, 1997, 899 e seq. LUTHER, J. Ragionevolezza (delle

leggi). Dig. It. Disc. Pubbl., XII, Torino. 1997. 353 e seq. D'ANDREA, Luigi. Contributo ad uno studio

sul princípio di ragionevolezza. Milano: Giuffrè. 2000; D'ANDREA, Luigi. Ragionevolezza e legitimazione del sistema. Milano: Giuffrè, 2003. SCACCIA, Gino. Gli "strumenti" della ragionevolezza nel giudizio costituzionale. Milano: Giuffré, 2000. RUGGERI, Antonio. Ragionevolezza

e valori, attraverso il prisma della giustizia costituzionale. Diritto e societá, Napoli,. v. 4, p. 567-611, 2000. p. 569. MORRONE, Andrea. Il custode della ragionevolezza. Milano: Giuffrè, 2001. LA TORRE, Massimo. SPADARO, Antonino. La ragionevolezza nel diritto. Torino: G. Giappichelli. 2002. VIOLA, Francesco. Costituzione e ragione pubblica: il princípio di ragionevolezza tra diritto e politica. Persona y

Derecho, Pamplona, v. 46, p. 35-7, 2002.

218 ARAÚJO, Ângela Soares de. Princípio da proporcionalidade como instrumento de decisão judicial.

Disponível em: <http://www.ambito-

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RUPPRECHT VON KRAUSS enfatiza a diferença entre esses dois princípios, pois a igualdade importa em comparar diferentes fatos; já a proporcionalidade impõe uma confrontação entre os meios utilizados e o objetivo almejados de uma determinada medida concreta.

Há autores que entendem ser o princípio da proporcionalidade, uma decorrência do princípio da igualdade, enquanto que outros não marcam uma distinção tão clara e há ainda os que incorporam na estrutura do princípio da igualdade, elementos estruturais da proporcionalidade.219

Outra distinção que merece ser apontada é que o princípio da proporcionalidade, quando estamos diante de direitos fundamentais, se inclina para o plano de estrita constitucionalidade. Quando aplicamos este princípio para controlar o da igualdade, estaremos diante de duas normas infraconstitucionais. Para JUAN CARLOS GAVARA DE CARA220, as duas aplicações do princípio da proporcionalidade acontecem da mesma forma, porém a única mudança é quanto à medida a ser examinada.221 K

ONRAD HESSE222 ressalta que na Alemanha, há um controle mais intenso da igualdade, tendo em vista que a aplicação da proporcionalidade se opera exclusivamente para controlar limitações dos direitos de liberdade e somente após isso, é que é possível aplicar as mesmas regras ao artigo sobre a igualdade 3LF.223

Levantar a discussão e apresentar o debate existente na doutrina e em diversos estudos jurídicos mundiais é necessário, para demonstrar que tanto como um princípio ou como um valor, a igualdade se reveste de inúmeras nuances, discordâncias e por vezes se aproxima e ao mesmo tempo conflitua com os demais princípios do ordenamento jurídico.

219 Para entender melhor sobre o debate entre esses princípios, cf. HERDEGGEN, Mathias. The relation

between the principles of equality and proportionality. Commom Market Law Review, v. 22. n. 4, 1985, p. 683-696. ALBERS, Marion. Gleichheit und Verhältnismässigkeit. Juristische Schulung, München, p. 945-992, v. 48, 2008. VILLACORTA MANCEBO, Luis. Principio de igualdad y legislador: arbitrariedad y proporcionalidad como limites (probablemente insuficientes). Revista de Estudios Políticos, Madrid, n.130. p. 35-75. oct./dic. 2005. GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias. Princípio da igualdade, fórmula vazia ou fórmula carregada de conteúdo. Boletim do Ministério da Justiça, v. 358, p. 19-64, 1986. GARCIA, Maria da Glória Ferreira Pinto Dias. Estudos sobre o princípio da igualdade. Coimbra: Almedina, 2005.

220 É professor titular de Direito Constitucional da Universidad Autónoma de Barcelona.

221 CARA, Juan Carlos Gavara de. Contenido y función del término de comparación en la aplicación del

principio de igualdad. Navarra: Thomson Aranzadi, 2005, p. 61-62.

222 Foi um jurista alemão que, de 1975 até 1987, exerceu a função de Juiz do Tribunal Constitucional Federal

alemão.

223 Konrad Hesse (1993) citado por GONZÁLEZ-AURIOLES, Jorge Alguacil. Igualdad, diferencia,

proporcionalidad. In: SÁNCHEZ GONZÁLEZ, Santiago (Org.). En torno a la igualdad y a la

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O binômio igualdade-proporcionalidade deve merecer destaque em qualquer estudo sobre a igualdade quer enquanto princípio, regra, valor ou direito, mas não somente como uma observação ao legislador, como vimos, mas também como uma análise conjunta de ponderação e equilíbrio diante dos demais princípios, regras, e direitos que deles decorrem em sede de Direitos Humanos e direitos fundamentais, no plano interno de cada Estado.