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3 POESIA E HIPOCRISIA

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,

5.1 DISTINÇÕES CONCEITUAIS

5.1.5 Diferença e dessemelhança

O amor ao próximo e ao semelhante pode ser o primeiro passo para que mesmo o diferente ou dessemelhante seja integrado e reconhecido como tal. Algumas religiões pregam o amor ao próximo como uma forma de integração e coesão social. Por outro lado, o que parece diferente e estranho, gera a necessidade de ser expelido do sistema, e de ser mantida uma distância do “outro”, tal como aponta ZYGMUNT BAUMAN300, a saber:

Esforços para manter à distância o “outro”, o diferente, o estranho e o estrangeiro, e a decisão de evitar a necessidade de comunicação, negociação e compromisso mútuo, não são a única resposta concebível à incerteza existencial enraizada na nova fragilidade ou

299 RIBEIRO, Renato Janine. Há guerras étnicas? Filosofia, Ciência & Vida, São Paulo, ano 7, n. 93, p. 64-

71, abr. 2014. p.82.

300 É um sociólogo polaco. Serviu na Segunda Guerra Mundial pelo exército da União Soviética. Nos anos 40

e 50 foi militante entusiasmado do Partido Comunista Polaco, até se desligar da organização devido ao fracasso da experiência socialistas no leste europeu.

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fluidez dos laços sociais. Essa decisão certamente se adapta à nossa

preocupação contemporânea obsessiva com poluição e purificação, à nossa tendência de identificar o perigo para a segurança corporal com a invasão de “corpos estranhos” e de identificar a segurança não ameaçada com a pureza. A atenção agudamente apreensiva às substâncias que entram no corpo pela boca e pelas narinas, e aos estranhos que se esgueiram sub-repticiamente pelas vizinhanças do corpo, acomodam-se lado a lado no mesmo quadro cognitivo. Ambas ativam um desejo de

“expeli-los do sistema”.301 (Grifo nosso).

O diferente, para os que se sentem iguais, parece ser intolerável. É sobre isso que devemos nos ocupar, pois a dessemelhança, historicamente, é vista como um defeito, e de maneira manipulada pelos ditos “iguais”.

“O outro” é visto como um dessemelhante, e pode ser tratado de três formas: “1 – como algo que pode ser eliminado; 2 - O outro em disputa; 3 - A diferença com a qual lidamos.”302

No primeiro caso, é possível exemplificar através das atrocidades cometidas no Nazismo, em relação aos judeus sendo perseguidos como verdadeiros inimigos de guerra, sendo tratados como meros restos, com o objetivo de serem eliminados. No segundo caso, podemos pensar “o outro” como adversário, confrontante, opositor e jogador. Já no terceiro caso, temos “a alteridade que não se subsome a uma identidade.”303

De onde vem o sentido de semelhança dos iguais? Afinal, somos vários “eus” sujeitos às influências adquiridas durante a vida ou já nascemos com nossas características? Inegável afirmar que somos o que diretamente nos influencia, diante do contexto social, econômico, cultural, político, dentre outros, dos quais estamos inseridos. Embora sabendo que essas influências são capazes de gerar, preconceitos e discriminações por empréstimo e não porque intrinsecamente o indivíduo sempre determinou o que fosse semelhante ou diferente de maneira autônoma. Se pensássemos que o olhar sobre as diferenças ou dessemelhanças é algo arraigado ao nosso próprio ser, teríamos que admitir que já nascemos categorizados, tal como ocorre em algumas culturas, sobre o regime de castas por exemplo. É um típico exemplo, no caso da Índia, que quando um indivíduo nasce já recebe uma “chancela” de uma categoria que determinará seus caminhos por toda a vida. Não é difícil para os que aceitam esse destino, quando tomam consciência da sua

301

BAUMAN, Zygmunt. Modernidade líquida. Tradução Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001. p 125.

302 PEREZ, Daniel Omar. Amor e a procura de si. Filosofia, Ciência & Vida, São Paulo, ano 8, n. 99, p. 15-

23, out. 2014. p. 23. Daniel Omar Perez é professor de filosofia na UNICAMP, pesquisador no CNPQ e psicanalista.

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própria existência, mas torna-se difícil conviver com isto, para os que não se sentem iguais aos seus pares das ditas “castas” e que lhes foi retirado o direito de escolha e de simplesmente ser o que são sem ter a imposição de uma condição preestabelecida pela família, sociedade ou por outros indivíduos que se sentem superiores.

Concordamos com JOHN LOCKE, quando expressa a ideia de que o homem seria uma “tábua rasa”, pois não nasce com ideias inatas e ao longo de sua existência é que vai construindo sua identidade a depender das influências recebidas no curso de sua vida.304 É neste sentido que a construção de ideias de preconceito e exclusão se insere e nasce também. A imagem ou autoimagem que cada um forma de si, é construída a partir desta ideia de JOHN LOCKE, pois o que somos é parte do que pensamos de nós mesmos e parte das influências e opiniões dos outros sobre nós. Em uma sociedade plural, em que nos relacionamos com os iguais e com os diferentes, não há escolha por sofrer influências específicas de um determinado grupo somente. Isto seria impossível. Portanto entender porque a diferença ou a dessemelhança incomoda aos “iguais” é uma questão meramente de dominação e poder dos iguais sobre os diferentes, na tentativa de obstar suas escolhas e seus direitos a serem quem são.

Se admitirmos que a diferença incomoda aos iguais, teremos que admitir que é legítima a existência do conceito de tolerância que no nosso entendimento merece ressalvas. Aceitar é assumir uma diversidade que incomoda. Tolerar é aceitar a existência com um sentido que parece ser negativo, quando pensamos que aceitamos porque existe, mas preferíamos que não existisse. O ponto crucial aqui é determinar que a pluralidade existe, é necessária e não pode ser vista sob o aspecto da tolerância e sim sobre o fato da sua própria existência. Tolerar é aceitar algo que incomoda e que desejaríamos ver distante. Por isso essa ideia de tolerância não merece prosperar. O que merece atenção é o respeito à existência do outro pela ideia de que independente de vermos o outro como diferente, dessemelhante - ou sob qualquer outra nomenclatura com este sentido, este outro tem igual dignidade, e independe do juízo que fizermos sobre ele. Semelhança ou diferença está nos olhos e sob o ponto de vista de quem vê e analisa a questão. O que é dessemelhante para um, não é dessemelhança para outro.

PARMÊNIDES305 demonstra a complexidade da questão, mas sintetiza bem o binômio: diferença e dessemelhança: “O Uno, por conseguinte, como idêntico aos outros e

304

Cf. LOCKE, John. Ensaio acerca do entendimento humano. São Paulo: Abril. 1978.

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como diferente, por ambas as razões e por cada uma em particular, terá de ser, a um só tempo, semelhante e dessemelhante com relação aos outros.”306