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3 POESIA E HIPOCRISIA

4.1 DISTINÇÕES DA IGUALDADE

4.1.4 Igualdade e justiça

Historicamente, a ideia de igualdade esteve ligada ao sentido de justiça. Sabemos que não é uma afirmação a qual deva prosperar atualmente, se considerarmos determinados aspectos econômicos e sociais de garantia e efetividade de direitos.

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Não só ARISTÓTELES168, mas SÃO TOMAS DE AQUINO169, se preocupou com a temática clássica da igualdade enquanto um ideal de justiça.

ARISTÓTELES distingue duas formas de igualdade que correspondem a duas formas de justiça enquanto virtude: a justiça distributiva e a justiça corretiva. A justiça distributiva é a justiça que distribui honras, riquezas e quaisquer outras coisas capazes de serem repartidas em comunidade, porém a cada um de acordo com seu mérito. É o que ele denominou de proporção geométrica, ou seja, deve haver a mesma relação entre os méritos das pessoas e as porções distribuídas. O proporcional é o que é justo e a injustiça significa a desigualdade a qual viola a proporção, completa Aristóteles.

A justiça corretiva, para ARISTÓTELES é a que corrige ou regula os modelos de tratamento, sejam eles voluntários ou involuntários. Subdivide-se em comutativa (de acordo com as mudanças e aplicação voluntarias) e judicial (se aplica involuntariamente ou forçosamente porque é imposta por um juiz). É o que denomina por proporção aritmética – a qual mede impessoalmente as coisas e as ações, com valoração objetiva, para que ninguém receba mais que dá, em razão de seus méritos.170

Há ainda duas classificações propostas por outros autores que merecem destaque. Não são classificações excludentes, mas que se complementam.171

A primeira diz respeito à ideia de justiça como uma união entre igualdade e liberdade, solidariedade, paz, dentre outros valores.172 A segunda, diz respeito aos que entendem que a justiça enquanto um valor, por si só se encontra na igualdade.173

168 Ἀριστοτέλης (em grego antigo), foi um filósofo grego, aluno de Platão e professor de Alexandre, “o

Grande”. Seus escritos abrangem diversos assuntos, como a física, a metafísica, as leis da poesia e do drama, a música, a lógica, a retórica, o governo, a ética, a biologia e a zoologia. Juntamente com Platão e Sócrates (professor de Platão), Aristóteles é visto como um dos fundadores da filosofia ocidental.

169 Tommaso d'Aquino (em italiano) foi um frade da Ordem dos Pregadores (dominicano) italiano cujas obras

tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica, e que, por isso, é conhecido como Doctor Angelicus, Doctor Communis e Doctor Universalis. Modificou em parte a classificação feita por Aristóteles sobre a justiça.

170 Cf. ARISTÓTELES. Ética a Nicômaco. São Paulo: Martin Claret, 2000. (Coleção A obra prima de cada

autor).

171 FERNANDEZ, Encarnación. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003. p. 16. 172

Neste sentido. Cf. BOBBIO, Norberto. Igualdad y libertad. Barcelona: Paidós I.C.E./U.A.B., 1993. Introdução de Gregório Peces-Barba. PECES-BARBA, Gregório. Los valores superiores. Madrid: Tecnos, 1984; OLLERO, Andrés. Principio de igualdad y teoría del derecho. In: Derechos humanos y

metodología jurídica. Madrid: CEC, 1989. p. 283-284.

173

No sentido da segunda classificação: Cf. HART, Herbert Lionel Adolphus. O conceito de direito. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.

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A igualdade entendida como valor e princípio ético fundamental está intimamente ligada ao sentido de justiça, pois se relaciona aos diversos aspectos da vida social, jurídica, política e econômica.

Outra ideia que surge é a de justiça formal aliada ao conceito de igualdade. “A justiça formal exige a igualdade de tratamento de acordo com as classificações estabelecidas pelas normas, mas não nos diz nada de como as pessoas devem ou não devem ser classificadas ou tratadas.”174 175 (Tradução livre). Cabe aqui salientar que precisamos de princípios ou outros elementos adicionais à igualdade para saber como fazermos a distinção do tratamento para o alcance de um verdadeiro critério de justiça – se é que seja possível haver um critério bem definido para tanto. Se partirmos somente da igualdade, não saberemos qual base teremos que considerar relevante ou não uma determinada diferença de sexo, raça, religião, vantagens físicas, riqueza, pobreza, etc.

A noção de igualdade e regularidade diante dos critérios de justiça formal de CHAÏM PERELMAN176chama a atenção, pois para ele justiça formal especifica que:

[...] seres que fazem parte da mesma categoria essencial devem ser tratados da mesma forma. A fórmula de justiça concreta é que fornecerá o critério que permite dizer quando dois seres fazem parte da mesma categoria essencial, ela é que indicará a maneira pela qual cada membro dessa categoria deve, em princípio, ser tratado. [...] a regra da justiça não pode especificar de forma totalmente determinada o tratamento reservado aos membros de uma categoria essencial, senão quando se trata de conceder algo disponível em quantia ilimitada. O mais das vezes não é esse o caso: a regra deverá então contentar-se em indicar um tratamento que conterá um ou vários elementos indeterminados, cuja determinação dependerá de circunstâncias exteriores.177

Nas ideias de CHAÏM PERELMAN, portanto, o conceito de justiça formal se resume na aplicação correta de uma regra.178 Sob este aspecto de dar um mesmo tratamento aos que compõem a mesma categoria, segue afirmando que:

174

LLOYD, Dennis Lord. La idea del derecho: perversidad represora o necesidad social?. Tradução Rosa Aguilar de Ben e Mercedes Barat. Madrid: Civitas, 1985. p. 131.

175 Transcrição do texto original: La justicia formal exige la igualdad de trato de acuerdo con las

clasificaciones establecidas por La normas, pero no dice nada de cómo La gente debe o no debe ser clasificada o tratada.

176 Foi um filósofo do Direito que viveu e ensinou durante a maior parte de sua vida na Bélgica. É um dos

mais importantes teóricos da Retórica no século XX.

177 PERELMAN, Chaïm. Ética e direito. Tradução Maria Ermantina Galvão G. Pereira. São Paulo: Martins

Fontes, 1996. p. 41.

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[...] a igualdade de tratamento na justiça formal nada mais é senão a

aplicação correta de uma regra de justiça concreta que determina a forma como devem ser tratados todos os membros de cada categoria essencial. Quando o fato de pertencer à mesma categoria essencial

coincide com a igualdade de tratamento reservado a seus membros, nosso sentimento de justiça formal é satisfeito. E, inversamente, assim que um tratamento igual é considerado justo, existe uma categoria essencial à qual pertencem todos aqueles a quem é aplicado [...].179 (Grifo nosso).

A grande dificuldade a nosso ver, no que propõe CHAÏM PERELMAN é saber como determinar essa dita justiça formal, categorizando os membros do que denomina por “cada categoria essencial”. Sob este aspecto é que questionamos o que ele entende por igualdade de tratamento. Não é claro especificar que somente aplicando uma regra corretamente será determinada a igualdade de tratamento. É uma análise objetiva demais, em um tema muito discutível a depender do ponto de vista de quem conceitua igualdade e critérios para estabelecer o que seja justo ou injusto.180

Igualdade e justiça merecem muito mais que regra e critérios. A Justiça não pode ser determinada universalmente. O que é justo para um será injusto para outro e só por este aspecto já há um desequilíbrio e uma desigualdade.

4.2 A IGUALDADE E SEU PRINCÍPIO NO ORDENAMENTO JURÍDICO