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3 POESIA E HIPOCRISIA

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente,

5.1 DISTINÇÕES CONCEITUAIS

5.1.4 Diferença e distinção

A primeira reflexão que deve ser feita é sobre o que podemos entender por distinção em oposição à diferença. Em uma análise meramente formalista é possível apontar a distinção como a “ação de distinguir, de separar; caracteres ou qualidades por que uma pessoa ou coisa difere da outra; preferência, prerrogativa, honra; elegância de maneiras; a classificação mais alta em um exame; grau dez.”290 Ou seja, nem sempre algum termo que normalmente é usado com um tom negativo, pode ser visto somente nesta acepção. Sempre podemos extrair um sentido intrínseco.

Distinguir, numa aproximação técnica com a diferença seria diferir, perceber uma diferença ou qualidade entre duas ou mais coisas. Se distinção se aproxima tanto da diferença, porque a diferença teria uma carga muito mais negativa no contexto do entendimento pela sociedade? A resposta a esta indagação está no fato de que o homem, por natureza, ao longo da história, tende a querer se distinguir, em um aspecto positivo e de ascensão econômica, cultura, social e profissional, e em vários aspectos da vida em sociedade. Os traços da personalidade de cada ser é um desses fatores preponderantes para a distinção em relação aos demais. Outro fator é o caráter e a inteligência. Até mesmo o ato

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DISTINÇÃO. In: Dicionário Informal. Disponível

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de nos vestirmos, é um fator de distinção, pois o ser humano, foi o primeiro a vestir-se e dessa forma, apresentou uma distinção em relação aos outros animais.

Vestir-se, tornou-se uma necessidade humana, que distingue, mas que também difere. Representa comportamentos, riqueza ou pobreza e cultura. O interessante é que pode ser um critério de distinção e diferença falso ou impreciso, através da aparência. O que aparenta ser nem sempre é. O que aparenta também pode gerar discriminação positiva ou negativa e preconceito. Não podemos negar que a forma pela qual o ser humano se cobre e se adorna, na sociedade atual e globalizada, no mundo das aparências, acaba por distingui-lo e diferi-lo. Para alguns é uma forma de proteção ao preconceito e até mesmo de afastá-lo e para outros é uma forma de expor um pensamento e uma cultura, independente do que possa representar ou do impacto que suas vestes causem diante dos outros. Entendendo o vestir como uma forma de diferenciação social, LUIS MOURE MARIÑO291 descreve:

O homem não se veste para se parecer com os outros, mas veste para se distinguir. A distinção é uma virtude enaltecedora. Diz-se de uma pessoa que se distingue como um elogio. [...] Em suma, vestir-se é um instrumento a serviço da personalidade com a qual nós tentamos enfatizar a beleza e dissimular defeitos. E, às vezes, uma classe social chega a considerar uma determinada maneira de vestir-se como algo exclusivo.292 293 (Grifo do autor, tradução livre).

Outro traço que sempre foi uma paixão humana, é a busca pelo poder, por mandar, ordenar e também pelo prestígio. A luta entre os indivíduos pela detenção do poder ou entre grupos, com a mesma finalidade sempre existiu. Aqui o importante é pensarmos não em um mundo ideal sem que enxerguemos essas distinções e diferenças, mas focar em um

291 Foi um notário e escritor espanhol em galego e castelhano. Ele estudou Direito em Madrid. Ele era

professor assistente de Direito Político em Madri e notário na Galicia. Apesar de nos valermos de algumas citações da obra deste autor, não partilhamos do seu pensamento político quanto aos ideais “franquistas” na Guerra Civil Espanhola. Usamos trechos de uma obra escrita em 1983 e que a consideramos técnica e acadêmica enquanto uma pesquisa, já que este autor foi um professor. Apesar de ter gerado polêmica na Espanha quando de sua publicação, sabemos que há opiniões ali explicitadas que não concordamos. É visto como um autor conservador, mas a obra traz aspectos importantes sobre a desigualdade que importa aos estudiosos desta temática.

292 MARIÑO, Luis Moure. La desigualdad humana. 2 ed. Madrid: Fundación Canovas del Castillo, 1983.

(Biblioteca del pensamiento conservador: Serie Moderna). p. 103.

293 Transcrição do trecho original: El hombre no se viste para parecerse a los demás, sino que se viste para

distinguirse. La distinción es una virtud enaltecedora. Se dice de una persona que es distinguida como un elogio. […] En definitiva, el vestido es un instrumento al servicio de la personalidad, con el que tratamos de subrayar la belleza o disimular los defectos. Y, a veces, una clase social llega a considerar cierto modo de vestirse como algo privativo.

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olhar diante do que temos faticamente e baseado nisso, pensarmos de que forma, diferença e distinção impactam a vida dos indivíduos e grupos em suas inter-relações sociais.

A distinção dos homens que “mandam” e dos que obedecem é outro aspecto de relevância no tema. Hoje temos uma sociedade baseada em classes econômicas e sociais e não podemos negar sua existência. As dualidades existem e convivemos com elas desde sempre, tal como nobres e plebeus, governantes e governados, empresários e trabalhadores, professores e alunos. Não nos cabe aqui discutir o desejo por uma sociedade sem classes ou adentrar no campo das reflexões sobre capitalismo versus comunismo ou socialismo. O ponto de discussão é justamente reforçar que as desigualdades existem e distinguem – querendo ou não, pois depende do ponto de vista e sob qual aspecto se queira analisar diante de um determinado contexto ou caos concreto; e não podemos negá-las e nem almejar uma utopia igualitária quase impossível na sociedade contemporânea atual. Não devemos desejar nenhum tipo de utopia, mas precisamos desejar e planejar formas com as quais a sociedade viva harmonicamente com novos arranjos sociais, pois não precisamos de tantos modelos, dogmas ou paradigmas impostos.

É notório que “[...] cada pessoa é distinta das demais e não pode ser confundida com outras e é em si mesmo um valor absoluto e, portanto não pode ser sacrificada aos interesses dos outros ou da coletividade.”294 295 (Tradução livre) Porém as pessoas não vivem isoladas, nem estão separadas do convívio social e nem são autossuficientes. “Nenhum ser humano, real e concreto é autossuficiente. A existência de cada um encontra- se em estreita interdependência cem relação à existência do outro e com o seu entorno.”296 297

(Tradução livre).

As distinções, assim como as diferenças, apresentam pontos favoráveis e desfavoráveis, dependendo do que está sendo analisado e sob qual aspecto. Neste contexto, RENATO JANINE RIBEIRO298 afirma:

Na verdade, nós, seres humanos, temos muitos traços que nos

distinguem. Em nosso tempo, chamam atenção a nacionalidade, a língua,

a cultura, a religião, às vezes a opção política, mas também a cor da pele,

294 FERNANDEZ, Encarnación. Igualdad y derechos humanos. Madrid: Tecnos, 2003. p. 34.

295Transcrição do texto original: Cada persona es distinta de las demás y no puede ser confundida con otras

y es en si misma un valor absoluto y, por lo tanto, no puede ser sacrificada a los intereses de otros o de la colectividad.

296 FERNANDEZ, Encarnación. op., cit. p. 34.

297Transcrição do texto original: Ningún ser humano real, concreto es autosuficiente. La existencia de cada

cual se halla en estrecha interdependencia con la existencia de otros y con el entorno.

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dos cabelos, a altura e, porque não dizer, a beleza. Se tivermos escassez pronunciada de bens ou, pior, uma escassez de futuro, criaremos critérios de acesso a privilégios ou mesmo VIP ao pouco que existe. No Brasil, um critério relevante de acesso foi e ainda é ser branco. Em boates, ser bonito, ajuda. [...] E critérios de acesso sempre incluem critérios de

exclusão.299 (Grifo nosso).

As distinções que RENATO JANINE RIBEIRO descreve se referem principalmente, às guerras étnicas e são traços da sociedade atual, mas que desde os primórdios da humanidade, existem e não podemos negá-las. Considerar a existência, já é um primeiro passo para entender o porquê de o Direito ser como é.

Distinguir não é discriminar e diferir também não o é. O desejo de conquista de algo objetivado é fundamental para o ser humano enquanto pessoa dotada de habilidades e mecanismos para tanto. A acepção negativa da distinção é que deve ser afastada, pois faz parte do comportamento humano a busca por este desejo. Tentar coibi-lo seria utópico e errôneo.

Os critérios de distinção por méritos também são outro aspecto objeto do desejo humano, assim como a busca pelo reconhecimento das conquistas pessoais, profissionais e o consequente retorno financeiro. Seria hipócrita, dizer que não. O que não estaria correto é a obtenção desta distinção à custa de fraude, crimes, corrupção, ou prejuízos a outrem.