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2. O FENÔMENO DOS MEGAEVENTOS ESPORTIVOS

2.3. Os objetivos pretendidos com a realização de megaeventos esportivos por seus países-

2.3.2. Os aspectos econômicos de um megaevento esportivo para seus países-sede

Além de objetivos políticos, ideológicos, sociais e culturais relacionados à opção política de uma localidade em ser sede de megaeventos esportivos, verifica-se na atualidade o predomínio de interesses econômicos nessa escolha, por parte dos governos da localidade anfitriã, das organizações esportivas, da mídia e do empresariado.

Sediando tais eventos, os governos das localidades-sede objetivam a atração de investimentos para os mais variados setores de sua economia, além da implementação dos grandes projetos de infraestrutura relacionados às competições e às adaptações das cidades que os recebem. As organizações internacionais esportivas, por sua vez, visam os elevados lucros com a venda de direitos de transmissão e com o patrocínio de empresas que objetivam aliar suas marcas a esses grandiosos eventos.

A mídia mundial busca com tais eventos os lucros relacionados à venda de espaços de publicidade nas programações televisivas, além de websites, jornais, revistas e demais meios comunicação. As grandes empresas, ao se vincularem aos megaeventos esportivos, pretendem, reforçar a divulgação de suas marcas e, assim, utilizando-se do marketing esportivo, aumentar o consumo mundial de seus produtos junto a seu público-alvo, o que significa o aumento de seus lucros.

Em se tratando do interesse econômico dos governos locais das localidades-sede de megaeventos esportivos, diversas justificativas poderiam ser apontadas para a escolha. Tais governos procuram justificar os elevados gastos neles realizados com as possíveis melhorias na infraestrutura local, com a atração de novos investimentos, com o aumento do turismo e do volume de negócios realizados, com a divulgação e a consolidação de uma imagem favorável no exterior, além de possíveis benefícios econômicos relacionados à arrecadação tributária, ao incremento do consumo e à geração de emprego e de renda para a sociedade local.

Assim, esses benefícios econômicos que poderiam ser auferidos da realização desses eventos tem sido utilizados como justificativa pelos governos para os elevados gastos públicos que são realizados. Tomando o exemplo de cidades-sede de alguns dos Jogos Olímpicos de Verão, Poynter (2008, p. 132) elaborou um interessante gráfico através do qual podemos ter uma ideia do envolvimento público nos investimentos em infraestrutura necessários à sua ocorrência:

GRÁFICO 02

Porcentagem de investimentos de verbas públicas para a realização dos Jogos Olímpicos

O gráfico mostra o elevado grau de comprometimento dos orçamentos públicos com investimentos para os Jogos Olímpicos, nos quais os Jogos de Montreal (1976) seriam a edição mais comprometida da história recente da competição, superando até mesmo a edição de Pequim (2008), na qual, conforme mencionamos, a China não mediu esforços nem recursos para mostrar sua emergência como potência mundial. O Canadá, para realizar o megaevento, investiu cerca de US$ 1.000.000.000,00 (um bilhão de dólares americanos), montante que, se pode atualmente ser considerado um elevado valor, na época teve proporções muito maiores. O resultado disso foi que o país só pôde saldar sua dívida 40 (quarenta anos) depois26.

Traz ainda o gráfico alguns casos paradigmáticos no que tange ao papel dos governos locais na promoção de tais eventos. Se os Jogos de Barcelona (1992), mesmo com o elevado comprometimento de verbas públicas espanholas com os gastos para sua realização, são tidos como exemplos de sucesso político e econômico no que se refere aos benefícios gerados para aquela sociedade, por terem proporcionado à cidade e ao país algumas melhorias na infraestrutura local, na economia e na projeção internacional, os casos analisados de Montreal (1976) e de Atenas (2004) mostram que, de modo oposto, o fracasso de um megaevento pode ter altos custos, econômicos e sociais.

Tomando como exemplo as cidades que se candidatam para sediar os Jogos Olímpicos, Poynter (2008) traça um panorama de implementação de mudanças, sobretudo na economia de cidades-sede, no qual

[...] as Olimpíadas assumiram um crescente significado para cidades empreendedoras que procuram estimular a abordagem norte-americana para regeneração urbana e desenvolvimento, através do que os economistas têm denominado de desenvolvimento econômico com base no consumo (consumption led). O apelo desta abordagem para renovação urbana tem sido corroborado não somente pela elevada demanda decorrente de reestruturação econômica doméstica e de mudanças de modelos de consumo, mas também pelas correspondentes mudanças na economia internacional e, em particular, em setores como indústrias de mídia, telecomunicações, lazer, viagens e turismo (POYNTER, 2008, p. 127)

Tais aspectos econômicos, relacionado a posturas desenvolvimentistas das localidades- sede, nos quais as mudanças provocadas em diversos setores da economia, como os que foram citados pelo autor, seriam estimulados pelas organizações internacionais dirigentes dos

26 MEMÓRIA DO ESPORTE. Montreal 1976. Disponível em: <http://memoriadoesporte.org.br/2011/07/09

megaeventos esportivos, como a FIFA e o COI, que passaram a estabelecer diversos requisitos para que esses locais pudessem ter acesso a todo esse progresso. Tais entidades criaram modelos a serem reproduzidos nas mais distintas localidades do mundo nos megaeventos por elas geridos. A adoção de tais modelos representa a padronização mundial de tais eventos, de modo que a capacidade das arenas esportivas, a tecnologia adotada, os protocolos de segurança, entre diversos aspectos seriam determinados previamente por essas entidades e teriam que ser devidamente seguidos pelas diversas sedes espalhadas pelo mundo, desconsiderando muitas das peculiaridades dessas próprias localidades.

No caso da realização da Copa do Mundo de futebol, o mundialmente conhecido “padrão FIFA”, é um conjunto de normas técnicas de construção e de organização de estádios, de gestão das competições esportivas, de requisitos tecnológicos e de protocolos de segurança a serem seguidos nos eventos que a entidade esportiva promove internacionalmente. A própria FIFA (2011), explica a importância de se traçar um plano estratégico para a organização de um megaevento como a Copa do Mundo FIFA, destacando nele o aspecto emocional, mas não omitindo o lado econômico. No prefácio da obra, o próprio Secretário-Geral da entidade, Gérôme Valcke discorre que

Os estádios de futebol são a vida e a alma do futebol profissional – é onde os fãs do futebol se reúnem para assistir, a cada semana, às glórias e às batalhas de seus times. Na Copa do Mundo FIFA de 2010, pudemos observar a definição de um novo padrão de projeto, construção e instalações de estádios para os torcedores e os times. A capacidade da Copa do Mundo FIFA de envolver e despertar paixões no mundo inteiro é inigualável. Sediar a Copa do Mundo FIFA traz um orgulho e uma honra incomensuráveis para o país anfitrião e também proporciona uma oportunidade única para um país redefinir e comercializar a sua imagem para uma audiência global (FIFA, 2011) 27.

Assim, através da determinação de modelos a serem seguidos mundialmente, tais entidades pretendem padronizar as perspectivas de comercialização ligadas à realização do evento, trazendo com isso os requisitos a serem seguidos pelas sedes de suas edições, uma espécie de ônus a incidir sobre elas para que pudessem obter os resultados políticos e econômicos dos eventos advindos.

27 FIFA. Estádios de Futebol. Recomendações e Requisitos Técnicos. Disponível em: <http://pt.fifa.com/mm/

document/tournament/competition/01/37/17/76/p_sb2010_stadiumbook_ganz.pdf>. Acesso em: 02 de dezembro de 2013.

Entre os requisitos estabelecidos pela FIFA e pelo COI nas candidaturas de países e cidades-sede, além dos requisitos técnicos de estádios e demais palcos esportivos, há a determinação por tais órgãos de que sejam prestadas diversas garantias, como a comprovação de capacidade econômica e financeira, planos de impactos ambientais, índices de apoio popular, envolvimentos dos governos nas candidaturas e nas possíveis execuções de tais eventos.

Apesar de tamanhas garantias a serem prestadas, bem como dos elevados gastos públicos decorrentes da escolha de um país ou de uma cidade como sede desses eventos, verifica-se que as expectativas de obtenção dos benefícios econômicos e de rápido retorno dos investimentos realizados são mais observadas do que os riscos que podem ocorrer com esses onerosos negócios. A imagem de tais espetáculos como potencializadores do desenvolvimento econômico das localidades-sede é um forte instrumento de legitimação para a sua ocorrência. O fator coesão social que gira em torno de um megaevento, além de cumprir um dos requisitos da candidatura estabelecido pelas organizações internacionais esportivas, é um aspecto bastante estimulado pelos seus realizadores através de diversas ferramentas publicitárias como a criação de mascotes, a adoção de músicas oficiais e a realização de grandes cerimônias de abertura e de encerramento, em ações que ressaltam os aspectos emocional e simbólico da população local a favor do atingimento dos objetivos políticos e econômicos que envolvem a realização desses eventos.

Hall, (apud Oliveira, 2006), tratando do aspecto mobilizador de um megaevento, define a chamada síndrome da collective deprivation como a percepção dos próprios cidadãos de localidades confirmadas sedes desses eventos de que não haveria perspectivas favoráveis na sociedade em que vivem caso não existissem esses grandiosos eventos. Assim, a realização de um evento esportivo desse porte seria apropriada pela população local como a única possibilidade de mudanças positivas nos centros urbanos em que residem, considerando as possíveis melhorias na prestação de serviços públicos, a atração de investimentos estrangeiros e geração de emprego e de renda nesses locais, desconsiderando inúmeros outros fatores que também permeiam a realização desses espetáculos. Nesse caso, ser contra um megaevento a ser realizado em sua própria localidade-sede significaria, em última instância, ser contra todas essas perspectivas de melhorias sociais e econômicas deles advindas, elementos que são estrategicamente articulados pelos organizadores através do termo “legado”28.

28 A respeito dessas intervenções que são feitas nas localidades-sede de megaeventos esportivos, motivadas por

No que tange a outros importantes agentes envolvidos na realização de megaeventos esportivos, verifica-se o crescente interesse da mídia, dos patrocinadores e das empresas interessadas em lucrar economicamente com o evento. Articulando o papel desses agentes na organização de um megaevento, Bourdieu (1997, p. 125-126) estabelece:

Para compreender o mecanismo de “transmutação simbólica”, seria preciso tomar por objeto o conjunto do campo de produção dos Jogos Olímpicos como espetáculo televisivo, ou melhor, na linguagem do marketing como “instrumento de comunicação”, isto é, o conjunto das relações objetivas entre os agentes e as instituições comprometidas na concorrência pela produção e comercialização das imagens e do discurso sobre os Jogos: O Comitê Olímpico Internacional, progressivamente convertido em uma grande empresa comercial com orçamento anual de 20 milhões de dólares, dominado por uma camarilha de dirigentes esportivos e 40 de representantes de grandes marcas industriais (Adidas, Coca Cola, etc.), que controla a venda dos direitos de transmissão (avaliados, para Barcelona, em 633 bilhões de dólares) e dos direitos de patrocínio, assim como a escolha das cidades olímpicas; as grandes companhias de televisão (sobretudo as americanas) em concorrência (na escala da nação ou da Área linguística) pela retransmissão; as grandes multinacionais (Coca Cola, Kodak, Ricoh, Philips, etc.) em concorrência pelos direitos mundiais sobre a associação com exclusividade de seus produtos com os Jogos Olímpicos (enquanto fornecedores oficiais); e enfim os produtores de imagens e comentários destinados à televisão, rádio ou aos jornais (em número de 10.000 em Barcelona) que estão comprometidos em relações de concorrência [...] (BOURDIEU, 1997, p. 125-126).

No presente trabalho, destacamos o papel da mídia ao analisar a sua relação com a sociedade de espetáculo moderna, que deixa de ter como função primordial o papel de educar, informar e entreter ou indivíduos, passando a ter como objetivo central o reforço de seu poder, política e economicamente. Nas intensas cobertura de megaeventos esportivos, a obtenção de enormes lucros econômicos se torna uma possibilidade bastante clara para essa mídia, na medida que negócios milionários são firmados tendo por objeto a venda de espaços publicitários durante o período em que ocorrem.

Os megaeventos esportivos também surgem como excelente oportunidade de negócios para as grandes empresas multinacionais que vinculam sua imagem à do evento de forma oficial. Visualizando a possibilidade de estimular seus negócios, tais empresas, investem altos valores ao comprar das entidades organizadoras os pacotes de patrocínio, buscando assim garantir a exclusividade da associação de seus produtos às referidas competições, na medida que as entidades gestoras dos eventos procuram restringir a apropriação das marcas e dos símbolos

possível “legado”, se tratará mais adiante, no tópico intitulado “Impactos da realização nas sedes de megaeventos esportivos em seus países-sede”.

oficiais àquelas empresas que pagam os elevados montantes referentes aos direitos de comercialização.

Teitelbaum (1997, p. 13) apresenta esse moderno fenômeno do uso do marketing esportivo como um instrumento que, objetivando o aumento do consumo dos produtos anunciados, visa o lucro das empresas que o promovem. Segundo o autor:

A utilização de marketing junto ao esporte envolve o incentivo à realização de transações que se interrelacionam, tendo como centro o esporte e seus atores. Estes, por sua vez, procuram relacionar-se, de um lado, com empresas investidoras - voltadas tanto para o fomento à geração de um produto no terreno esportivo quanto para a obtenção de resultados junto ao público - e, de outro, com o próprio público - interessado em consumir eventos e produtos do esporte em si e, consequentemente, sensível às mensagens daquelas organizações que demonstram uma clara identidade com suas preferências (TEITELBAUM, 1997, p. 13).

Conforme o que foi visto anteriormente, a crescente importância da publicidade esportiva está inserida no fenômeno da espetacularização do esporte, no qual esse esporte se torna mais um produto a ser consumido nessa sociedade de espetáculo. O marketing esportivo representa uma relevante oportunidade de negócios para as diversas empresas que o utilizam, sobretudo as grandes corporações multinacionais que com seu poder econômico chegam aos mais diversos países do mundo e que buscam, através de eventos de proporções igualmente globais, atingir esse público-alvo mundial.

As principais entidades organizadoras de megaeventos, especialmente a FIFA e o COI, categorizando as empresas por elas envolvidas na realização de seus principais espetáculos, divide-as de acordo com o montante de investimentos por elas realizados na compra das cotas de patrocínio e com seu respectivo âmbito de atuação. Ilustrando a formação desse agrupamento de empresas pela FIFA, na organização da Copa do Mundo FIFA 2014, destacamos os patrocinadores oficiais do evento:

FIGURA 01

Empresas patrocinadoras da Copa do Mundo FIFA Brasil 2014

Fonte: FIFA, 201329.

Segundo a FIFA (2013), os 03 (três) grupos em estão divididas as empresas patrocinadoras do mundial envolveriam os níveis, econômico e geográfico em que a associação com o megaevento poderia ocorrer. No primeiro grupo, que envolveria os “Parceiros FIFA”, a associação poderia ocorrer de forma geral, mundial, em parcerias formadas para, de acordo com a terminologia apresentada pela entidade, atuar juntamente com a FIFA no sentido de “desenvolver o futebol mundial”.

O segundo grupo de empresas englobaria os “Patrocinadores da Copa do Mundo FIFA”, que teriam os mais diversos direitos de associação ao evento, como associações de marca, uso de recursos de marketing, exposição na mídia, vendas de ingressos e de hospedagem para os eventos. O último grupo, os “Apoiadores Nacionais”, comercializariam essa associação ao evento no âmbito local nos países em que a Copa do Mundo ocorre. Segundo a FIFA, tal estratégia de marketing foi implementada pela primeira vez na Copa do Mundo FIFA 2006, sediada na Alemanha, e, dado o sucesso comercial da medida, passou a ser adotada em outras edições do evento, estando tal política confirmada nos mundiais do Brasil (2014), da Rússia (2018) e do Catar (2022)30.

Ocorre que as entidades que organizam tais eventos não obtém seus elevados lucros unicamente das empresas que compram delas os direitos de associação, pois também apresentam

29 Disponível em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/marketing/sponsorship/strategy.html>. Acesso em: 15 de

novembro de 2013.

30 Disponível em: <http://pt.fifa.com/aboutfifa/organisation/marketing sponsorship/strategy.html>. Acesso em: 15 de

excelentes resultados econômicos com a venda de direitos de transmissão do evento, através de negociações feitas com as empresas de mídia espalhadas pelo mundo que desejam ser as “emissoras oficiais” desses espetáculos.

A respeito desse lucrativo mercado de direitos de transmissão, verifica-se que a importância cada vez maior que tem assumido a imagem de um megaevento esportivo tem se repercutido nos valores cada vez maiores exigidos pelas organizações detentoras desses direitos de comercialização. Exemplificando tal fato, Poynter (2008), apresenta os valores auferidos pelo COI com as receitas de transmissão dos Jogos Olímpicos ocorridos entre os anos de 1960 e 2008. A evolução dos valores foi organizada pelo autor na seguinte Tabela:

TABELA 01

Receitas de Transmissão dos Jogos Olímpicos

Fonte: Poynter, 2008, Legados de Megaeventos Esportivos, p. 132

Assim, percebemos que organizar um megaevento esportivo tem se tornado um negócio bastante lucrativo, especialmente para as organizações internacionais esportivas, para a mídia e para as empresas que os patrocinam. Além disso, os governos dos países-sede também tem visualizado em a sua ocorrência a possibilidade de atração dos mais diversos tipos de investimentos econômicos internacionais, o aumento do fluxo de negócios e os benefícios trazidos com a maior exposição no mercado mundial.

No entanto, se podemos analisar a garantia da obtenção de elevados lucros a cada edição de eventos como a Copa do Mundo FIFA ou os Jogos Olímpicos de Verão por parte das

organizações internacionais esportivas, como a FIFA e o COI, com relação aos elevados investimentos públicos realizados para a adaptação da infraestrutura nacional aos requisitos técnicos exigidos pelos “padrões” de excelência que estabelecem essas entidades, percebemos que nem sempre são atingidos os resultados econômicos pretendidos, que podem ter efeitos catastróficos para a economia e para a sociedade locais, como os paradigmáticos casos analisados de Atenas (2004) e Montreal (1976).

No entanto, um determinado grupo de países, os BRICS, mesmo considerando os enormes custos econômicos e sociais envolvidos na realização dos megaeventos esportivos, tem feito a opção política de realiza-los, entendendo-os como necessários para o atingimento da projeção internacional por eles pretendida. Deles trataremos a seguir.

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